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EUA definem como será julgamento do caso Obamacare

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16 de novembro de 2011, 18h55

Depois que a Suprema Corte dos Estados Unidos anunciou, na segunda-feira (14/11), que irá, de fato, dar a palavra final sobre a discussão envolvendo a constitucionalidade da Lei de Proteção ao Paciente e da Saúde Acessível, o Obamacare, todas as atenções se voltaram para os nove juízes da mais alta instância de Justiça do país. Cabe a eles agora aprovar ou rejeitar aquela que pode ser uma das maiores mudanças políticas e sociais dos últimos anos nos Estados Unidos.

Agora, os juízes da Suprema Corte estabeleceram a estrutura de como devem ser as sessões de argumentação oral sobre o Obamacare. Os tópicos abordados serão:

— Se o Congresso excedeu, de fato, a sua autoridade ao aprovar uma lei que obriga o cidadão a dispor de cobertura médica gratuita básica ou então pagar por um plano privado. Caso se recuse a se inscrever no programa ou contratar um plano particular, o cidadão então teria de arcar com multas retidas no imposto de renda. A Cláusula de Comércio da Constituição Federal garante o direito do cidadão de se abster de atividades econômicas. Defensores da nova lei argumentam que não se trata de uma atividade econômica, mas de uma condição cívica como o pagamento de impostos [tempo estimado para a discussão do tópico: duas horas].

— Se a lei deve ser anulada em sua totalidade ou se apenas a cláusula que faz compulsória a cobertura médica universal no país. Juristas divergem sobre este tópico. Muitos consideram que a efetividade de certas cláusulas depende de outras. Se a cláusula da cobertura médica compulsória cair, por exemplo, outros dispositivos da lei poderiam ser involuntariamente inviabilizados, como o que proíbe as companhias de planos de saúde de negar a venda de cobertura a cidadãos com condições médicas pré-existentes. De acordo com analistas, seria difícil “articular financeiramente” esta proibição se a exigência mencionada acima fosse revogada [tempo estimado para a discussão do tópico: 90 minutos].

— Se a Lei Anti-Embargo (Anti-Injunction Act), que proíbe os tribunais de julgar processos sobre os impostos referentes à nova lei da saúde, proíbe juízes federais de avaliar casos envolvendo a discussão sobre a carga tributária que subsidiará o Obamacare. O governo alega que se ações sobre os impostos necessários para custear a nova lei forem autorizadas, é como se a lei tecnicamente continuasse a ser judicialmente contestada, uma vez que sua viabilidade financeira estaria em risco [tempo estimado para a discussão do tópico: uma hora].

— Se as disposições da lei que ampliam e tornam obrigatória a cobertura do Medicare e Medicaid se baseiam em condições inconstitucionais ao “coagir” os estados a aderir ao programa. Se aprovada, a nova lei não extingue os dois programas, mas estende seus benefícios para cidadãos que ganham até 133% a mais do que o limiar oficial de pobreza considerado pelas autoridades. Os custos do Medicaid são, até o momento, compartilhados entre o governo federal e os estados. Até 2016, o governo assumiria 100% do aumento, depois disso, a porcentagem de colaboração federal cairia, aumentando os custos para os estados [tempo estimado para a discussão do tópico: uma hora].

Futuro de Obama
Não é de hoje o conflito entre os chamados textualistas, aqueles que submetem a Carta Magna a uma exegese sagrada, e os que acham que o texto não comporta ser aplicado com tamanha abrangência e inflexibilidade. Também não é de hoje o fosso que separa a América conservadora de sua face mais liberal. Contudo, apenas em circunstâncias pontuais, o embate entre ambos os lados torna-se tão presente como ocorre hoje. A iniciativa da administração do presidente Barack Obama de empreender a expansão da assistência à saúde pública universal nos Estados Unidos provocou uma reação em cadeia que acabou por produzir uma feroz resistência ideológica que culminou na ampla mobilização de opositores país afora.

O sistema público de saúde dos EUA é tido por aqueles que o criticam como um dos piores entre as nações desenvolvidas. Os dois programas federais de assistência médica, o Medicare e Medicate (voltados para idosos, com necessidades especiais e desfavorecidos economicamente) excluem dezenas de milhões de cidadãos que não se adéquam ao perfil exigido pelo governo para dispor do atendimento. São, na maioria, pessoas que não têm condições de pagar por um plano privado.

Os críticos atribuem os altos preços cobrados pelas empresas de plano de saúde e problemas de competitividade no setor ao mal funcionamento do sistema federal de saúde. Por outro lado, defensores do modelo criticam o que chamam de tentativa de socialização da saúde nos EUA. Para estes, os modelos vigentes em outros países, como o SUS no Brasil, por exemplo, ou mesmo os programas de saúde empregados no Reino Unido ou na Noruega, representam uma espécie de coerção dissimulada da livre iniciativa e a intromissão do Estado na vida privada dos cidadãos.

Desde as alterações nas leis dos direitos civis ocorridas nos anos 1960, nos EUA, uma questão política não provocava tamanha polarização no país. Depois do anúncio feito pelos juízes da Suprema Corte na segunda-feira, a imprensa americana se voltou para os atores que vão tomar parte na batalha. Em meio ao calor das eleições presidenciais de 2012, o sucesso do presidente Barack Obama, ao tentar se reeleger, dependerá crucialmente da decisão que os nove juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos tomarão em julho do próximo ano.

É mais do que uma disputa partidária. Trata-se do legado do líder mais expressivo que se elegeu presidente desde John Kennedy e trata-se do futuro do singular sistema público de saúde do país, que pode seguir como está ou passar pela mais severa reformulação de sua história.

De acordo com a publicação The National Law Journal, o procurador federal Donald Verrilli Jr. vai representar o governo federal na defesa da nova lei da saúde. Do lado dos opositores, falarão aos juízes dois experientes e respeitados profissionais.

Representando os 26 estados que questionam o novo plano, está o advogado Paul Clement, sócio da banca Bancroft, de Washington D.C.. Além dele, também marcará presença no púlpito o advogado Michael Carvin, da banca Jones Day, que representa a Federação Nacional de Negócios Independentes dos EUA, outra adversária da nova lei.

Verrilli é o homem do governo federal na Suprema Corte, calejado em argumentar perante os juízes ao defender casos de interesse do poder Executivo. O mesmo se pode dizer dos outros dois advogados. Paul Clement, por exemplo, defendeu, com sucesso, em junho, outro caso espinhoso na Suprema Corte. O advogado conseguiu anular um veredito que condenava a ré Carol Bates por crime de terrorismo, por ela ter tentado envenenar a amante do seu esposo. Aceitando o argumento de Clement, a Suprema Corte autorizou a ré a contestar a condenação agravada com pena de morte, pois promotores federais lançaram mão de uma lei antiterreorista de 1999 ao enquadrá-la. A lei estabelece que “qualquer uso malicioso de produtos químicos domésticos deve ser considerado crime federal nos EUA”. Clement conseguiu convencer os juízes que a ré deveria ser julgada com base em outros termos e não por conta de uma lei criada para lidar com organizações terroristas. 

 

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