Privilégios conjugais

Um cônjuge não é obrigado a testemunhar contra o outro

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13 de novembro de 2011, 8h14

A mulher não é obrigada a testemunhar sobre a capacidade sexual do marido, em ação de assédio sexual movida contra ele por uma subordinada no trabalho. O casal está protegido pelo "privilégio de confidências conjugais", decidiu nesta quinta-feira (10/11) a juíza de um tribunal federal de Illinois Virginia Kendall, nos procedimentos iniciais do julgamento que ainda está por vir, segundo a Courthouse News Service.

O réu ganhou uma batalha dentro da guerra: ainda terá de responder o processo por assédio sexual. A funcionária do Departamento Correcional do Condado de Cook, Barbara Stanfield, acusou seu supervisor direto, Thomas Snooks, que é subordinado diretamente ao xerife, de sujeitá-la a "abusos sexuais e físicos, contra sua vontade", dando-lhe as opções de promoção, se o satisfizesse, ou de arruinar sua carreira, se recusasse. Barbara declarou na ação que, entre outras coisas, Snooks a agarrou pelos cabelos, forçou-a a ajoelhar-se e tentou obrigá-la a realizar uma felação. E teria ejaculado em seu rosto.

A funcionária também acusou dois superiores de Snooks de conivência, porque seu supervisor teria ido para uma reunião com eles com as roupas manchadas por esperma e contado vantagem sobre o que fez com ela. E eles, mesmo depois da reclamação que ela fez, se recusaram a tomar qualquer providência administrativa contra ele.

Como testemunhas, arrolou outras colegas de trabalho, que também teriam sofrido assédio sexual por parte de Snooks ou que conheciam os casos. E pediu ao tribunal que intimasse a mulher de Snooks para depor sobre sua "saúde em geral, capacidade sexual, medicação, condições financeiras e conversas que tiveram sobre assuntos do trabalho".

Barbara pediu especificamente ao tribunal que fosse perguntado à mulher de Snooks "se ele era capaz de realizar um ato sexual". Em seu depoimento inicial, Snooks alegou que não tem mais capacidade física para realizar atos sexuais, como a demandante os descrevera. Ela argumentou que, ao fazer isso, ele abriu mão de seu direito ao "privilégio de confidências conjugais".

A juíza concordou com essa ponderação, mas declarou que a mulher dele não abriu mão de coisa alguma e, portanto, o direito dela ficava mantido. "Um cônjuge pode renunciar ao direito de reivindicar o privilégio de confidências conjugais em seu próprio benefício, mas o privilégio é um direito dos dois, de forma que a renúncia de um deles não afeta o direito do outro", ela escreveu.

Apesar de reconhecer o direito da mulher de não depor sobre a capacidade sexual do marido e sobre conversas relativa ao trabalho que tiveram, a juíza concordou em intimá-la para falar sobre sua saúde, medicação e condições financeiras do marido.

Na descrição das acusações, Barbara afirmou que Snooks teria dito que poderia tornar sua vida miserável no trabalho, enquanto ele, se alguma coisa acontecesse, seria apenas aposentado com um salário de US$ 80 mil por ano. Depois que a ação foi movida contra ele na Justiça, Snooks foi efetivamente afastado de suas funções: o xerife aprovou sua aposentadoria, com um salário de US$ 80 mil por ano.

Privilégios do casal na Common Law
O "privilégio de confidências conjugais" (marital confidences privilege), também chamado de "privilégio de comunicações conjugais" (marital communications privilege), junto com o privilégio matrimonial de testemunho (spousal testimonial privilege), constituem, nos Estados Unidos, o "privilégio matrimonial" (spousal privilege), um direito previsto na Common Law (Direito Consuetudinário), explicam diversos sites dos EUA.

Common Law abriga o conjunto de direitos que se originam dos usos e costumes da sociedade – e não de medidas legislativas – e são consagrados pelo Judiciário. Um direito não precisa necessariamente ser aprovado no papel, ser promulgado ou sancionado, mas tem força de lei.

O privilégio do casal decorre da política de encorajar a harmonia conjugal, dando aos dois o direito de não ajudar a condenar um ao outro, observadas algumas condições (nos Estados Unidos): 1) o casal tem de ser legalmente casado; 2) o direito só é válido durante o casamento – não vale para confidências trocadas antes do casamento ou depois do divórcio (embora, muitas vezes, o privilégio sobreviva ao divórcio); 3) a confidência não foi trocada na presença de uma outra pessoa (a presença de um terceiro destrói a confidencialidade de uma comunicação); 4) As duas partes pretendem que a comunicação seja confidencial.

O privilégio conjugal é uma exceção à regra geral de que toda evidência relevante é admissível em um julgamento. Privilégios similares existem para as comunicações entre padre e penitente (no confessionário), advogado e cliente, médico e paciente. O espírito desse direito é valorizar o relacionamento entre os casais (o que, teoricamente, fortalece os casamentos), colocando-o acima da necessidade de evidências que podem ajudar a esclarecer disputas judiciais.

A mulher pode usar seu direito tanto para se recusar a depor contra o marido, como para impedir que o marido deponha contra ela – e vice-versa. E o tribunal pode determinar que as comunicações (verbais ou escritas) sejam relativas especificamente ao casamento. Em algumas jurisdições nos Estados Unidos, o juiz concede ao cônjuge o direito de recusar testemunho do marido ou mulher. Em outras, o juiz desqualifica automaticamente evidências vindas de cônjuges.

Em casos criminais, há exceções. Por exemplo, o privilégio não se aplica a certas situações, como em casos em que o réu (ou a ré) é processado por crimes cometidos contra o cônjuge ou contra filhos do casal. No caso do "privilégio matrimonial de testemunho", o direito pode ser usado para impedir que a outra parte, em julgamento de um caso criminal, chame o cônjuge do réu para testemunhar contra ele (ou ela) sobre qualquer tópico.

Em um tribunal federal, como uma matéria da common law, esse privilégio é aplicado à testemunha, não ao réu. Isto é, a mulher do réu pode se recusar a testemunhar contra o réu, mas o réu não pode impedir a mulher de testemunhar contra ele, se ela quiser – ou vice-versa. Esse privilégio, em particular, não sobrevive ao divórcio. Isto é, depois do divórcio, o ex-cônjuge não pode mais se recusar a testemunha contra o réu (ou ré).

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