Combate à criminalidade

Prisão de traficantes mostra novo rumo da PF no Rio

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12 de novembro de 2011, 6h29

Duas operações policiais bem sucedidas em menos de 10 dias no Rio de Janeiro, além de atingirem de maneira significativa as principais facções criminosas da cidade – Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos (ADA) – deram uma inequívoca demonstração de mudança de rumos na Superintendência da Polícia Federal do Estado .

Tanto a morte do traficante Marcelo da Silva Leandro, o Marcelinho Niterói, braço direito de Fernandinho Beira-Mar e o maior distribuidor de drogas do CV, como a prisão, na noite de quarta-feira, dia 9, dos principais cabeças da ADA, entre os quais Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, foram baixas significativas e importantes. Atingiram o varejo das drogas e, principalmente, esquemas antigos de importação e distribuição delas no estado.

Em ambas operações os policiais federais não apenas participaram de forma articulada com policiais civis, militares e órgãos de inteligência de Secretaria de Segurança mas também coordenaram os trabalhos, notadamente na área de inteligência, Se no dia 1º de novembro, a operação na favela Parque União, no conhecido Complexo da Maré, na zona norte da cidade, terminou co a morte do traficante Marcelinho Niterói, esta semana, as prisões de Nem, chefe do tráfico na Rocinha, favela localizada na Zona Sul do Rio, e de seus comparsas, ocorreram sem o disparo de um tiro sequer.

Está certo que Nem foi preso por policiais militares do Batalhão de Choque, honestos o suficiente para rejeitarem uma propina de R$ 1 milhão. Mas isto não diminui a importância do papel dos federais na operação. Afinal, horas antes foram eles que prenderam três outros líderes da ADA – Anderson Rosa Mendonça, o Coelho, que chefiava o tráfico no Complexo do São Carlos, seu braço direito, Sandro Luiz de Paula Amorim, o Peixe, que estava para assumir o comércio de drogas em Macaé, norte do estado, e Paulo Roberto Lima da Luz, o Carré, do morro da Coroa, no centro da cidade – quando deixavam a Rocinha. Eles estavam escoltados por três policiais civis e dois ex-PMs, que receberiam pelo “serviço” a quantia de R$ 2 milhões.

Estas operações foram frutos de um trabalho de monitoramento por escutas e através de infiltração de agentes federais em comunidades. Graças a isto, foi possível localizar Marcelinho Niterói e descobrir que os traficantes da Rocinha se preparavam para deixar a favela com receio da ocupação por tropas da PM. Trabalho que serviu para diferenciar a Ação de Pacificação da Rocinha – prometida para este final de semana – das outras ocupações de comunidades dominadas por traficantes. Enquanto agora se vê a prisão inclusive de líderes, nos demais casos, lideranças e soldados do tráfico fugiram livremente.

O trabalho da Polícia Federal já deu outros frutos. Em 19 de outubro, a partir de informações repassadas pelo setor de inteligência da Superintendência da PF no Rio, a polícia paraguaia prendeu na cidade de Pedro Juan Caballero o traficante Alexander Mendes da Silva, o Polegar, foragido da Comunidade da Mangueira desde junho, quando a Secretaria de Segurança do Rio ocupou a favela com tropas policiais para instalar ali mais uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Dois dias antes da operação que prendeu Nem, os federais detiveram Heverson Rodrigo Ribeiro Bessa, o James, chefe do tráfico da Favela Mandela, na zona Norte, escondido em uma casa no município de Duque de Caxias.

Fazia tempo que não se via tanto resultado assim, inclusive com prisões sem que fossem dados tiros. Os policiais federais do Rio hoje deixam claro que somente a partir de maio, quando assumiu a superintendência o delegado Valmir Lemos de Oliveira em substituição a Ângelo Fernandes Gioia e houve uma consequente mudança de chefias, passaram a ter liberdade para agir como policiais e combater marginais, traficantes de droga, inclusive. “Basta deixar a polícia trabalhar que apresentamos os resultados”, desabafou um dos policiais envolvidos nas investigações. O pedido parece surreal, mas por mais óbvio que possa parecer – afinal, polícia tem que prender bandido – ele esconde uma velha briga.

Em outubro de 2009, em uma reunião de agentes da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) com os então diretor regional executivo da Superintendência, delegado Nivaldo Farias, e o chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado, delegado Clyton Eustáquio, um policial fez a mesma solicitação em tom de desabafo. “Eu acho que todo mundo da DRE está triste. Porque a gente só está feliz quando a gente está prendendo. O que a gente quer é isto (…) a gente está pedindo para trabalhar. A gente está pedindo o seguinte, confiança na gente para a gente poder dar resultado”, declarou o agente, como consta de uma gravação à qual a ConJur teve acesso.

Em julho de 2010, ao comentar esta mesma reunião, Gioia não deu importância e justificou a queixa como de pessoas ligadas a um agente que ele removera da DRE. A queixa, porém, não pareceu desmotivada. Conforme se constatou nos números oficiais divulgados pela própria PF, em 2009 os federais do Rio apreenderam menos drogas: foram 427 quilos de cocaína contra 630 em 2008, uma redução de 203 quilos, ou 32%. Em termos de comprimidos de ecstasy a redução foi ainda maior: 217 comprimidos em 2008 e apenas 4 em 2009. Gioia contestou esta redução. Não por ter apreendido mais drogas na sua gestão, mas por erro dos números do ano anterior. Segundo ele, em 2008 o total de cocaína recolhida foi menor, em torno de 580 quilos. A queda seria de 134 quilos.

Na época, havia uma disputa, por baixo do pano, entre Gioia e o secretário de Segurança do estado, José Mariano Beltrame, também um delegado federal que antes de ocupar a secretaria trabalhou na chamada Missão Suporte, que ele ajudou a criar na Superintendência. A Missão era formada por um grupo de policiais federais que através de escutas telefônicas e cruzamentos de dados mapeavam o tráfico de drogas e armas e ajudava à Secretaria de Segurança na prisão dos responsáveis. Tão logo assumiu, Gioia acabou com ela e modificou todo o Setor de Inteligência da Superintendência que também ajudava na questão da segurança da cidade. Uma das queixas dos agentes na mesma reunião foi de terem dificultado o entrosamento deles com os órgãos de segurança estaduais.

A paralisia da Federal do Rio foi motivo de um desabafo de Beltrame, em outubro de 2009, de que a Polícia Federal do Rio não estava fazendo o seu papel no combate ao tráfico de armas e drogas. Por conta desta briga, e de forma a provocar o secretário de segurança, o então superintendente da PF centrou fogo apenas no combate à exploração de máquinas caça-níqueis, como se quisesse mostrar que as policiais estaduais não enfrentavam bicheiros e contraventores.

Tudo isto levou os procuradores da República do Grupo de Controle Externo da Polícia a instaurar um Inquérito Civil Público (ICP 137/2009) para investigar a ação da Superintendência do DPF no Rio, notadamente no combate ao tráfico de drogas e contrabando de armas. Nos depoimentos prestados aos procuradores Marcelo Freire e Fabio Seghese, choveram críticas à gestão de Gioia. Alguns dos delegados que falaram da gestão dele no ICP, inclusive, acabaram perseguidos com Processos Administrativos Disciplinares, como denunciaram na Justiça os dois procuradores. A briga cresceu e descambou para disputas judiciais, por motivos mais diversos, entre os procuradores e o superintendente, como a ConJur noticiou.

No final da gestão, Gioia tentou uma reaproximação com as forças de segurança do estado. Em novembro de 2010, por exemplo, ele incluiu agentes federais nas forças de segurança que atuaram em conjunto na ocupação do Complexo do Alemão, reduto então do Comando Vermelho. Com isto, ele próprio esteve em reuniões preparatórias e depois entre os convidados do governador Sérgio Cabral que comemorou o sucesso da operação com um almoço no Palácio Laranjeiras.

Esta reaproximação, segundo alguns policiais federais, somente ocorreu por Gioia sentir que ficariam isolados caso não aderissem àquela operação da qual participaram, inclusive, militares da Marinha. De qualquer forma, serviu para amenizar o mal estar que existia entre a Secretaria de Segurança e a Superintendência do DPF no Rio.

Ainda assim, o trabalho conjunto ente a superintendência e os órgãos estaduais, como dizem os policiais federais do Rio, só voltou a acontecer a partir da ascensão de Oliveira com superintendente. O primeiro passo no sentido de melhorar o desempenho dos federais no estado, na avaliação destes policiais, foi o novo superintendente ter escolhido para as chefias das principais delegacias, delegados com experiência e antiguidade: “Valeu a meritocracia e a antiguidade” diz um dos policiais envolvidos na operação que levou à prisão dos traficantes.

Antes, segundo ele, o que contava realmente para se ocupar um cargo de chefe era uma certa subserviência ao superintendente. Que o diga o delegado Paulo Roberto Falcão, escolhido por Gioia para corregedor da Superintendência. Foi só ele discordar de uma decisão do superintendente que acabou afastado do cargo e ainda denunciado ao Ministério Público, por meio de um documento inidôneo, como foi noticiado também pela ConJur.  

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