Substâncias cancerígenas

Shell e Basf pagarão R$ 300 mil para trabalhador doente

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5 de novembro de 2011, 6h44

“As reclamadas se pautaram na busca selvagem e irresponsável por lucratividade, em detrimento de valores fundamentais.” A crítica é da desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas e São Paulo), que condenou a Basf S.A. e a Shell Brasil Ltda. a indenizarem em R$ 300 mil um operador químico que desenvolveu uma série de patologias em decorrência de intoxicação crônica causada pelas substâncias de seu cotidiano de trabalho.

paulinia.sp.gov.br

De acordo com a decisão, “não se pode olvidar que a atividade econômica deve ser exercida com responsabilidade social, observando-se preceitos fundamentais, como os valores sociais do trabalho, do respeito ao direito à vida e à saúde, da proteção da higidez e integridade física dos trabalhadores, da proteção ao meio ambiente, tudo a fim de assegurar a todos existência digna”.

Na visão da relatora do caso, que reduziu a indenização, fixada em primeira instância em R$ 600 mil, “a culpa das rés se revela pelo fato de não terem adotado medidas eficazes a evitar as lesões sofridas pelo autor, evidenciando-se o descaso no cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho”.

A Shell instalou-se em Paulínia (SP) em 1977 e lá ficou até 1995, quando vendeu o estabelecimento industrial à empresa Cyanamid. Mais tarde, em 2000, o espaço passaria para as mãos da Basf. “Ao longo desses interregnos, as sucessoras se beneficiaram do labor do reclamante”, anotou a desembargadora. Depois de ter trabalho por 26 anos na empresa, a lista de reclamações do trabalhador é longa.

O laudo pericial confirmou os problemas. De acordo com o documento, o “reclamante apresenta um conjunto de sinais e sintomas múltiplos sendo os mais importantes: impotência sexual total, perda de memória, insônia, dor de cabeça crônica, câimbras recorrentes, tremores, nervosismo, alteração da textura da tireóide, hipertensão arterial com comprometimento cardíaco, dor articular, cólicas abdominais, seguidas de diarréia, rinite crônica de difícil controle, mesmo fazendo uso regular de medicação, conjuntivite crônica e eritema e descamação da pele do rosto e do corpo quando exposto a poeira”.

Solo contaminado
O caso do operador químico tem relação com outro episódio. De acordo com relatório da organização não-governamental Greenpeace, que acompanhou todos os capítulos da história, “a Shell admitiu publicamente a responsabilidade pela contaminação das chácaras vizinhas à área onde funcionou sua fábrica de agrotóxicos em Paulínia, São Paulo. Os agrotóxicos organoclorados Endrin, Dieldrin e Aldrin foram encontrados no lençol freático sob as chácaras localizadas entre a fábrica e o Rio Atibaia, um dos principais afluentes do rio Piracicaba e que abastece de água, entre outras, as cidades de Americana e Sumaré”.

Em abril deste ano, a 4ª Turma do TRT-15 (Campinas) manteve a condenação da Shell e da Basf no caso de contaminação em Paulínia. De acordo com a decisão, “a própria Shell, por meio de auto-denúncia à Curadoria do Meio Ambiente de Paulínia, reconheceu a contaminação dos lençóis freáticos e solos locais por metais pesados e diversos produtos químicos de alto grau de toxidade, como compostos organofosforados e organoclorados”.

Dentre as substâncias cancerígenas encontradas no local estavam o Aldrin, Dieldrin e Endrin, capazes de gerar diversos de problemas de saúde, como hepatotoxidade e disfunções do sistema nervoso central e hormonal. Eles são classificados pela ciência como Poluentes Orgânicos Persistentes. De acordo com a desembargadora Ana Paula, foi “um dos maiores desastres ambientais noticiados pela imprensa”.

“Falta de nexo causal”
Apesar do laudo, as duas empresas acusaram a falta de nexo causal entre as atividades do trabalhador e sua doença. Enquanto a Basf ponderou que não teve qualquer culpa pelos problemas de saúde adquiridos pelo reclamante, a Shell alegou que nos autos não havia prova robusta de que o obreiro se encontrava doente ou incapacitado para o trabalho e nem prova de que as supostas patologias tivessem nexo de causalidade com a contaminação constatada no ambiente laboral.

Além disso, as condenadas sustentaram que o laudo pericial produzido nos autos seria nulo, “diante da ausência de especialização e qualificação técnica perita”. A desembargadora, no entanto, declarou que houve “descaso na obrigação de adotar medidas eficazes a evitar as lesões sofridas pelo autor, mormente por mantê-lo exposto aos perigos da contaminação ambiental, mesmo cientes dos riscos decorrentes da exposição”.

A Lei 6.938, de 1981, que trata da política nacional do meio ambiente, estabelece expressamente a responsabilidade objetiva do poluidor em razão de danos causados ao meio ambiente. De acordo com a magistrada, a doença ocupacional resultante de degradação ao meio ambiente de trabalho atrai a responsabilidade objetiva das reclamadas.

Os 10% do CPC
Na condenação, a desembargadora considerou aplicável o artigo 475-J do Código de Processo Civil, segundo o qual “caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de 15 dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação”.

A relatora justificou a escolha: “é patente a lacuna na CLT, na medida em que não prevê a imposição de multa no caso de descumprimento da decisão judicial que ordena o pagamento do crédito exequendo, não havendo qualquer óbice em aplicar a multa de 10% prevista no referido artigo do CPC, quando o devedor não paga voluntariamente a quantia certa fixada em liquidação.

 

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