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Lei das cautelares deve ser aplicada retroativamente para beneficiar preso

5 de novembro de 2011, 9h00

Por Rogério Barbosa

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A nova Lei das Medidas Cautelares (Lei 12.403/2011) deve ser aplicada retroativamente para beneficiar quem foi preso antes de sua entrada em vigor. Com esse entendimento, o desembargador Geraldo Prado, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, considerou nula a prisão de um homem preso em flagrante um dia antes da entrada em vigor da lei. Aplicou ao caso o  inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal que diz: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.”

Em seu voto, o desembargador, que  foi o relator do Habeas Corpus, afirma que independentemente da data da prisão em flagrante, a entrada em vigor da lei nova obriga o juiz a examinar a legalidade da prisão e demanda do Ministério Público que requeira a decretação da prisão preventiva, apontando na investigação criminal os elementos que sustentam a existência de eventual risco processual decorrente da liberdade do imputado.

O acusado de homicídio simples foi preso em flagrante no dia 3 de julho, um dia antes da Lei 12.403/2011 ser publicada no Diário Oficial. Ao avaliar o pedido de liberdade provisória, a juíza de primeiro grau, negou o pedido por entender que não houve ilegalidade na prisão em flagrante, contudo não determinou a conversão desta em prisão preventiva. Em sua decisão, argumentou que “a nova redação dada ao artigo 310, do Código de Processo Penal, entrou em vigor a partir de 04/07/2011, sendo certo que o artigo 2º do CPP preconiza que a regra é que a lei processual penal seja aplicada tão logo entre em vigor, embora não afete atos já realizados sob a vigência da lei anterior.”

Mas, o TJ-RJ considerou indevida a recusa da juíza em aplicar a nova lei à prisão em flagrante feita no dia 3 de julho. Ressaltou que a Lei 12.403/2011, em realidade, veio regulamentar, no âmbito das medidas cautelares pessoais, a incidência da presunção de inocência no processo penal.

Geraldo Prado explica que o Decreto 678/1992, que em seu artigo 7, inciso V, convoca o juiz a examinar a legalidade da privação da liberdade dos imputados: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz”. E prossegue: “Trata-se de disposição em vigor desde novembro de 1992, mas que carecia de regulamentação, tendo em vista o regramento então vigente das medidas cautelares pessoais. Por isso é inaceitável que se argua a novidade da normativa instituída pela Lei 12.403/2011 para eximir o juiz do exame fundamentado da necessidade da custódia cautelar”, disse o desembargador.

Em seu voto, ele observa que “o déficit constitucional observado nas práticas judiciárias contaminou também o modelo de processo penal, que deve ser acusatório conforme a Constituição”. Para ele, tal contaminação tomou corpo na dispensa da imediata intervenção do MP, logo após a prisão em flagrante, para que o MP pudesse avaliar o interesse na manutenção da prisão e se dirigir ao juiz deduzindo pretensão cautelar penal dessa natureza. “Era comum que o MP se manifestasse exclusivamente quando provocado pelo juiz, a partir de requerimento de liberdade provisória formulado pela defesa, e foi o que ocorreu neste caso. A nova lei, no entanto, buscou pôr um ponto final nesta prática inquisitorial e o fez alterando o artigo 306 do Código de Processo Penal para ordenar que o MP seja comunicado imediatamente da prisão em flagrante”, conclui.

Na justificativa da decisão que aceitou o HC, o desembargador Geraldo Prado, concluiu que "a nulidade da prisão do paciente resulta, pois, da inércia do MP, que não requereu a decretação da prisão preventiva do paciente logo após a prisão, no primeiro dia de vigência da lei nova, e da omissão judicial caracterizada pela compreensível mas indevida recusa de se aplicar a nova lei à prisão em flagrante anterior a ela.

Em Pernambuco, durante o Mutirão Carcerário, promovido pelo CNJ, o Tribunal de Justiça fez uma revisão da situação dos presos provisórios, aplicando a nova Lei, em benefício dos detidos. Para o juiz Pierre Souto Maior, da 2ª Vara Criminal de Caruaru (PE), embora a Lei das Medidas cautelares seja uma lei processual, ela se relaciona diretamente com as prisões, por isso deve ser entendida também como uma lei penal. Ele explica que a prisão preventiva se tornou subsidiaria e só se justifica quando o juiz demonstrar que as outras medidas são insuficientes e inadequadas. Mesmo assim a prisão preventiva só deve ser mantida enquanto perdurarem os motivos que a ensejarem. “Portanto, se tal medida foi adotada porque à época da prisão o juiz só dispunha das opções liberdade ou preventiva, e hoje uma medida cautelar mais branda se mostra adequada, não só podem, como devem advogados e juízes reavaliarem a decisão tomada”.

Problemática
Segundo a Lei das Medidas Cautelares, o juiz ao receber o comunicado de prisão em flagrante deve, de ofício, relaxar a prisão ilegal; converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312 do CPP e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança. Tal dispositivo tem causado embaraços.

Pierre Souto Maior ressalta que os riscos do não esclarecimento deste tema não se assenta apenas na possibilidade de decretar a prisão de alguém que não deveria ser recolhido ao cárcere, mas também, de soltar, por meio de liberdade provisória, um indivíduo que deveria permanecer preso pela conversão da flagrante em preventiva. “A apreciação do requerimento do MP pelo juiz é muito importante, pois o flagrante por si só, não oferece elementos suficientes para o julgador decretar a prisão preventiva (como a folha de antecedentes, se estava ameaçando alguma testemunha ou pretendia fugir da comarca, etc). Além disso, penso que o flagrante tem força suficiente para manter o autuado preso até que o juiz tenha subsídios para julgar a preventiva que deve ser solicitada pelo MP”, disse o juiz.

No Rio de Janeiro, o juiz Marcos Peixoto, um dos responsáveis pelo plantão noturno na capital, não viu outra alternativa a não ser liberar um jovem preso em flagrante com 1.250 comprimidos de ecstasy. Os autos foram remetidos não apenas uma, como duas vezes, ao MP, que não se manifestou no sentido da prisão. No caso, o MP apenas informou estar ciente do flagrante. Sem o pedido do Ministério Público, Peixoto sequer chegou a analisar se era ou não caso de prisão cautelar do homem preso em flagrante.

O juiz, por fim, argumenta que a nova lei trouxe traços indisfarçáveis de inquisitorialismo, na medida em que, o juiz poderia decretar a preventiva de ofício (sem autuação do MP) e sequer precisaria o indiciado de advogado para fazer um requerimento de liberdade provisória. “Fica o juiz, sozinho, dispensando advogados e MP, a decidir sobre a liberdade e prisão dos indiciados”, contextualizou.