O mapa do jogo

MPF relaciona 336 locais de jogo ilegal no Rio

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31 de março de 2011, 16h41

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Máquinas caça-níquel - commons.wikimedia.org

Em um trabalho inédito, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro identificou 336 endereços — 267 na capital do estado e outros 69 em cidades do interior — onde funcionam ilegalmente cassinos, bingos, exploração e/ou depósitos de máquinas de caça-níquel. Os dados foram levantados de um minucioso cruzamento de informações de 787 denúncias anônimas repassadas ao Disque Denúncia, entre agosto e dezembro de 2010, que as encaminhou para autoridades estaduais e federais da área da Segurança Pública, entre elas a Procuradoria da República.

Muitos destes endereços já sofreram ações policiais onde foram apreendidos materiais de jogos, em especial as máquinas caça-níqueis, mas depois voltaram a funcionar clandestinamente. Em pelo menos 27 locais de jogos, segundo as denúncias encaminhadas ao MPF, há algum tipo de envolvimento de policiais civis, militares, federais e, pelo menos um agente penitenciário, quer como dono do negócio, proprietário do imóvel, segurança ou como responsáveis pelo policiamento na área que recebem propinas para fazerem vista grossa.

A maior concentração destes bingos lojas de caça-níqueis ou mesmo cassinos clandestinos na cidade do Rio de Janeiro está no bairro de Copacabana, onde foram denunciados 22 endereços. Juntando-se outros bairros da Zona Sul do Rio — Catete, Copacabana, Botafogo, Flamengo, Gávea e Jardim Botânico — o número dobra: 44. No centro da cidade, 15 locais foram delatados nos telefonemas de pessoas que não se identificam.

Nas demais cidades do estado, o maior número de locais de jogos apurados foi em Duque de Caxias com 20 endereços repassados por 28 telefonemas. Já em Niterói, 43 pessoas ligaram para o Disque Denúncia mantendo-se anônimas e repassaram a localização de 19 casas de jogos. Em São Gonçalo foram denunciados nove locais, em Magé, seis, em Nova Iguaçu três. (Clique aqui par ver a relação por bairros e municípios do levantamento)

O bairro da capital que recebeu o maior número de denúncias foi também Copacabana. Foram 110 ligações para o Disque Denúncia, nas quais revelaram os 22 endereços. Apenas um deles, na Rua Ronald de Carvalho, onde já ocorreram blitz policiais, foi citado em 19 ligações. Já para o único endereço denunciado no Flamengo foram feitos 30 telefonemas, recorde de chamadas sobre o mesmo local.

Dicas e detalhes
Há casos conhecidos que já tinham sido alvo de ações policiais, nas quais foram apreendidas máquinas de jogos. Em junho de 2010, por exemplo, a Polícia fechou um bingo na estrada de Furnas, no Alto da Boa Vista. Apreendeu 84 caça-níqueis e levou 25 pessoas à delegacia para prestarem depoimento. Nas denúncias formuladas entre agosto e dezembro, pelo menos duas eram relacionadas a este endereço. O mesmo aconteceu com as 30 delações feitas com relação a uma casa de jogos na Rua Senador Vergueiro, no bairro do Flamengo. O estabelecimento já havia sido fechado anteriormente, mas, segundo os denunciantes, voltou a funcionar.

O envolvimento de policiais é relatado de diversas formas. Em um caso, no centro da cidade, o denunciante aponta um agente federal, sem relatar seu nome, como proprietário da casa de jogo que funcionaria próxima à Praça Mauá, onde fica a Superintendência do Departamento de Polícia Federal no Rio.

Dois policiais, também não identificados, foram apontados como donos de um bingo no subúrbio de Vila Kosmos. Em Pilares, na Zona Norte, foi o inverso, dois bingos pertenceriam a um único policial – este identificado pelo denunciante – lotado na delegacia da Barra da Tijuca. Outra pessoa relatou que na Penha Circular há um depósito com 60 máquinas caça-níqueis cujo proprietário do imóvel é um delegado da Polícia Civil. Foi citado ainda o caso de um policial, emprestado à Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), que funciona como “agiota” do bingo.

São comuns ainda os relatos dando conta de policiais militares e civis que trabalham como segurança destas lojas e casos de Batalhões da Polícia Militar e Delegacias que recebem propinas constantes para não fiscalizarem.

Os denunciantes dão detalhes interessantes para ajudar não só a localizar estes estabelecimentos, como evitar fugas em caso de batidas. Um deles contou sobre de uma loja de jogo em Copacabana funcionando dentro de uma suposta vidraçaria. Outro delatou um bingo na Rua Álvaro Alvim, no centro do Rio, que contaria com uma saída “escondida” pela Rua Senador Dantas. A descrição de uma casa de jogos em Del Castilho foi feita com detalhes: “em frente a um abrigo para crianças, entre os muros de uma fábrica de azulejos, em uma loja com porta de vidro”.

Acerto
Uma curiosidade que surge nas denúncias é o envolvimento de traficantes com o jogo, o que significa que eles se subordinam ou, ao menos, pagam “pedágio” ao bicheiro da área. No Rio, desde os anos 60, quando os capos do Jogo do Bicho dividiram entre si os bairros da cidade, nenhum tipo de exploração deste negócio pode ser feito sem um acerto com o dono da área. Algumas destes caça-níqueis, segundo o denunciante, estariam funcionando em um quarto de uma casa pertencente ao traficante Fabinho, em Sarapuí, município de Duque de Caxias.

Também são citados “milicianos” — os responsáveis pelas milícias que se espalharam por bairros populares — que dominam o jogo em regiões como Brás de Pina, onde os responsáveis pelo bingo e pela milícia (identificados apenas como Eduardo e Luís) seriam ligados ao bicheiro já falecido Waldomiro Paes Garcia, o Maninho. Outro exemplo é uma casa no bairro de Paciência, Zona Oeste, que serviria de depósito das máquinas exploradas por milicianos da região.

Samba e caça-níqueis
Nas 787 denúncias surgem os nomes de, pelo menos, três grandes bicheiros, a começar pelo presidente de honra da Beija Flor, Aniz Abrahão David, o Anísio de Nilópolis, um dos membros da cúpula do jogo no estado. Outro citado é o ex-capitão do Exército Ailton Guimarães Jorge, também conhecido como “Capitão Guimarães” que divide com Anísio o comando da contravenção no Rio. O terceiro é Luiz Pacheco Drummond, o “Luizinho Drummond”, presidente de honra da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense. Falam ainda de um bicheiro considerado “segunda linha”, por não pertencer à cúpula, José Caruzzo Scafura, o “Piruinha”. Todos são apontados como donos de bingos e lojas com caça-níqueis.

O trabalho feito na Procuradoria da República foi encaminhado às autoridades, estaduais e federais, da área de segurança. Agora, o mesmo procurador, que prefere o anonimato, atualiza a relação com denúncias feitas em 2011, que dão mais detalhes do envolvimento de traficantes com os jogos eletrônicos. No entendimento dele, sabendo-se os endereços mais usados para este tipo de ilegalidade, bastaria se fazer uma intensa fiscalização que o jogo seria paralisado.

Para ele, os donos dos negócios teriam dificuldades em conseguir novos endereços, pois além de faltar espaços amplos na cidade para este tipo de negócio, os próprios proprietários de imóveis dificilmente aceitariam alugá-los para a utilização em algo considerado ilegal.

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