Absolvição sumária

Resposta à acusação evita Ação Penal improcedente

Autor

  • Eduardo Pizarro Carnelós

    é advogado criminalista ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.

30 de março de 2011, 13h06

A ainda nova (considerando-se que o objeto de alteração contava mais se 60 anos) sistemática processual instituída pela Lei 11.719/2008 continua a gerar dúvida nos advogados, quando formulam em defesa de seus constituintes a resposta à acusação, e aos juízes, quando a estes cabe decidir entre decretar a absolvição sumária e determinar o prosseguimento do feito, com a designação de audiência para a realização da instrução criminal.

Aos advogados, sobrevém a dúvida sobre se devem desde logo fazer considerações sobre o mérito da imputação, ou se, ao contrário, melhor será agir como outrora se costumava fazer, lançando-se genérica afirmação de inocência e apresentando-se rol de testemunhas, eventualmente requerendo juntada de documentos e realização de alguma diligência. Afinal, as hipóteses elencadas no artigo 397 do Código de Processo Penal como fundamentos para a expedição do decreto de absolvição sumária não se distinguem, verdadeiramente, daquelas enumeradas no artigo 395, como causas de rejeição liminar da inicial acusatória, sem que nem mesmo se dê a citação do acusado para oferecer a resposta de que trata o artigo 396 do mesmo Código.

Sim, porque os quatro incisos do artigo 397 tratam de hipóteses que, se existentes — e basta uma delas, isoladamente, para tanto —, hão de levar à conclusão de que falta justa causa para o exercício da Ação Penal, o que é fundamento para a rejeição liminar da denúncia, conforme dispõe o inciso III do artigo 395.

Sendo certo que a lei não traz palavras inúteis, impõe-se promover a interpretação teleológica das novas normas processuais penais, a fim de que a apresentação da resposta à acusação, prevista no artigo 396, e a absolvição sumária, prevista no artigo 397, não venham a constituir inocuidades inseridas no ordenamento jurídico.

Afinal, se se considerarem taxativas as hipóteses enumeradas nos quatro incisos do artigo 397 como fundamento para a absolvição sumária (considerando-se que todas elas já estão contidas na causa de rejeição liminar da denúncia prevista no inciso III do art. 395), e ao mesmo tempo se entender que o magistrado que recebe a denúncia e determina a citação do acusado para apresentação de resposta à acusação está proibido de, diante de argumentos e documentos trazidos pelo acusado em sua resposta, afastar de plano a hipótese acusatória e decretar a absolvição sumária do denunciado, ter-se-á a conclusão de que aquela que chegou a parecer significativa alteração processual não passou dum “faz-de-conta”, sem nenhum resultado efetivo. E isto, evidentemente, seria inadmissível.

Realmente, qual seria a razão de ser das normas instituídas pelos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal, se, por exemplo, um denunciado citado para apresentar resposta à acusação trouxesse evidências bastantes de que ele não teve nenhuma participação nos fatos, mas apesar disso o juiz não pudesse decretar sua absolvição sumária, porque a hipótese não está prevista, expressamente, em nenhum dos incisos do artigo 397? Se a causa excludente da ilicitude (inc. I) ou da culpabilidade (inc. II) do agente são fundamentos suficientes para excluí-lo da Ação Penal (art. 397 do CPP), por que não o seria a constatação prima facie de não ter ele tido participação nos fatos narrados na denúncia?

Há somente uma solução para tal paradoxo: aplicar-se por analogia (consoante admite, expressamente, o art. 3º do CPP) o disposto no artigo 6º, caput, da Lei 8.038/90 (que institui as normas para os processos de competência originária dos tribunais), segundo o qual, após a resposta apresentada pelo denunciado, “o relator pedirá dia para que o tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas”.

Ora, é evidente que a finalidade da resposta à acusação — seja aquela prevista no artigo 4º da Lei 8.038/90, seja a mais recente de que trata o artigo 396 do CPP —, é evitar a instauração e o prosseguimento de Ação Penal quando já se tenha, desde o alvorecer desta, a improcedência da acusação como decisão inexorável. Não fosse assim, repita-se, de nenhuma valia seriam as normas instituídas pelos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal, e uma vez satisfeitas as condições formais da inicial acusatória a instrução criminal seria indeclinável, ainda que o denunciado demonstrasse de forma cabal a improcedência das imputações que lhe foram endereçadas.

Voltar aos idos de 1941, com efeito, não parece ser decisão inteligente, nem muito menos concorde à doutrina que desde então se desenvolveu e consagrou o princípio de que constitui constrangimento ilegal submeter às peias da instância penal alguém cuja participação nos fatos descritos na denúncia não encontra amparo nos elementos dos autos, especialmente aqueles trazidos pelo próprio denunciado em sua resposta à acusação formulada.

Por isso, ao cotejar a resposta oferecida pelo denunciado com os elementos de prova por ele trazidos e os demais constantes dos autos, deve o juiz verificar se persistem os motivos que o levaram a receber a denúncia, ou se, ao contrário, a absolvição sumária se impõe, como medida de realização de justiça e de respeito ao ordenamento jurídico, pois este não pode restar íntegro com a existência de ação penal carente de justa causa, a impor indevido e ilegal constrangimento ao acusado.

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