Brincadeira no tribunal

Suprema Corte dos EUA leva Hamlet a julgamento

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27 de março de 2011, 7h47

Sócrates foi condenado por perverter a juventude ateniense. Enquanto isso, Thomas Jefferson e Napoleão estiveram no banco dos réus acusados de conspirarem pela destruição da cultura francesa no Novo Mundo. A distância dos julgamentos com os fatos históricos não impediu que a Suprema Corte dos Estados Unidos levasse os casos aos tribunais, por meio dos júris simulados.

O The Wall Street Journal, em reportagem publicada no último 14 de março, explica com detalhes e em tom espirituoso como juízes e advogados encaram a brincadeira. Enquanto a corte dispensa 99% dos 100 mil casos que chegam todos os anos, muitos juízes americanos dedicam parte de seu tempo livre fazendo justamente o trabalho do dia a dia.

No último júri notável, advocacia e magistratura se debruçaram sobre a obra de Shakespeare. Em pauta, a peça teatral Hamlet e a contribuição do protagonista na morte de Polônio. Para o julgamento foram convocados grandes nomes do Direito na vida real: a advogada da atriz Lindsay Lohan e ganhadora do Oscar Helen Hunt para ser jurada. A produção ganhou até nome: "O Julgamento de Hamlet pelo juiz Anthony M. Kennedy".

A ideia de transportar Hamlet para o banco dos réus veio do juiz Kennedy. Ele conta que, no começo da década de 1990, psiquiatras revisaram definições sobre doenças mentais. Para ele, um exame sob o ponto de vista forense de Hamlet teria muito o que ensinar sobre o assunto.

Para muitos juízes, o prazer desse tipo de julgamento começa bem antes do tribunal. "Enquanto você lê todos esses casos", diz a juíza Ruth Bader Ginsburg, apontando para uma pilha de processos, "é agradável tirar um tempo pra ler algo prazeroso". E, se a diversão começa antes de a corte se reunir, acaba bem depois disso, em jantares depois das audiências, como explica a juíza: "Eu tomo uma ou duas taças de vinho. Isso seria impensável no ambiente da corte real".

A diferença com a vida real não para na quantidade de vinho consumida. A Suprema Corte não abre os seus julgamentos. Mas, no caso dos fictícios, o esquema é diferente. Eles são transmitidos desde 1987. Há quem discorde do empenho e questione a importância social desses julgamentos.

"Acho que seria bem mais importante se o público visse, na corte, um caso Bush versus Al Gore”, opina o senador aposentado Arlen Specter na reportagem publicada pelo The Wall Street Journal. "Eles deveriam relegar Hamlet para o Ensino Médio."

O preparo para esse tipo de simulação conta, muitas vezes, com a ajuda da arte. Foi esse caminho que a advogada Blair Berk escolheu. Durante os preparativos, procurou orientação com um de seus clientes, o ator Mel Gibson, que chegou a interpretar o príncipe da Dinamarca em Hamlet, de 1990.

O próximo julgamento de mentira já está marcado: acontece em abril. Na ocasião, a juíza Sonia Sotomayor, ao lado de outros dois, deve decidir como a senhora Cheveley, criada pelo escritor Oscar Wilde, será lembrada pelos futuros leitores do livro O Marido Ideal.

O Brasil também tem história nos julgamentos simulados. Teria Capitu traído Bentinho com o amigo Escobar? A pergunta, que se repete desde a publicação da obra machadiana Dom Casmurro, já tem resposta. Por falta de provas ou de fatos reais, os sete jurados do 2º Tribunal do Júri de Goiânia decidiram que Capitu não se enquadrava no crime de adultério, previsto, na época em que o enredo se desenvolve, no artigo 240 do Código Penal de 1940.

No julgamento fictício, a defesa da moça ficou por conta de Hélio Moreira, escritor e atual presidente da Academia Goiana de Letras, e a acusação ficou com Eurico Barbosa, imortal da entidade.

A reportagem do The Wall Street Journal pode ser lida aqui (em inglês).

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