Lei do futuro

Fux vota contra aplicação da Ficha Limpa em 2010

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23 de março de 2011, 17h17

Nelson Jr./SCO/STF
Ministro Luiz Fux durante sessão do STF. (23/03/2011) - Nelson Jr./SCO/STF

"Não resta a menor dúvida de que a criação de novas inelegibilidades em ano da eleição inaugura regra nova no processo eleitoral." Foi o que entendeu o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, ao decidir que a Lei da Ficha Limpa não poderia ter sido aplicada nas eleições de 2010.

Se nenhum dos ministros mudar seus já conhecidos votos até o final do julgamento, o que dificilmente acontecerá, o Supremo decidirá, por seis votos a cinco, que as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que permitiram a aplicação da Lei da Ficha Limpa no mesmo ano que foi sancionada feriu o artigo 16 da Constituição Federal. A regra constitucional determina que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".

Fux começou o voto afirmando que a Lei da Ficha Limpa "é um dos mais belos espetáculos democráticos" que já assistiu. E acrescentou: "Dos políticos espera-se moralidade no pensar e no atuar. Isso gerou um grito popular pela Lei da Ficha Limpa". Como os advogados bem sabem, quando as suas sustentações orais são muito elogiadas pelo juiz, geralmente é porque ele votará contra seu processo. Foi exatamente o que aconteceu.

O ministro ressaltou que o intuito de estabelecer a moralidade que vem com a lei é de todo louvável, "mas estamos diante de uma questão técnica e jurídica, que é saber se a criação de critérios de inelegibilidade em ano de eleições viola o artigo 16 da Constituição Federal". Para Fux, não há dúvidas que a nova lei alterou o processo eleitoral, quando a Constituição proíbe isso.

Luiz Fux afirmou que o princípio da anterioridade eleitoral representa a garantia do devido processo legal e a igualdade de chances. E, citando o voto do ministro Gilmar Mendes, o que fez em diversas passagens, disse que a carência de um ano para a aplicação de lei que altera o processo eleitoral é uma garantia constitucional das minorias, que não podem ser surpreendidas com mudanças feitas pela maioria. "Tem como escopo evitar surpresas no ano da eleição", disse.

Para o ministro Luiz Fux, o processo eleitoral a que se refere a Constituição é a dinâmica das eleições, desde a escolha dos candidatos: "Processo eleitoral é tudo quanto se passa em ano de eleição". Fux ainda disse que a iniciativa popular é sempre salutar, mas tem de ter consonância com a Constituição. "Surpresa e segurança jurídica não combinam", afirmou. E, neste caso, de acordo com o ministro, deve prevalecer sempre a segurança jurídica para que as pessoas possam "fixar suas metas e objetivos e de formular um plano individual de vida".

De acordo com o ministro, os candidatos foram surpreendidos por regras que não poderiam ter sido aplicadas no mesmo ano da eleição porque implica em desigualdade nas regras do jogo. "A Lei da Ficha Limpa é a lei do futuro", disse. E completou: "É aspiração legítima da nação brasileira, mas não pode ser um desejo saciado no presente", porque isso fere a Constituição Federal.

Antes do ministro Luiz Fux, Gilmar Mendes, relator do recurso em discussão, também votou contra a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa. O ministro disse que a missão do STF é aplicar a Constituição Federal, ainda que seja contra a opinião da maioria. Leia aqui o voto de Gilmar Mendes.

No começo do julgamento, os ministros reconheceram a repercussão geral do recurso. Ou seja, se decidirem que a lei não se aplicava em 2010, a decisão se refletirá nos recursos de todos os candidatos que tiveram o registro de candidatura indeferido com base na Lei da Ficha Limpa. Basta que os candidatos requeiram a extensão dos efeitos da decisão.

Nelson Jr./SCO/STF
Ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF. (23/03/2011) - Nelson Jr./SCO/STF

Gilmar Mendes fez um estudo da jurisprudência do Supremo. O ministro lembrou que quando o STF decidiu pela aplicação imediata da Lei Complementar 64/90, que instituiu um sistema de inelegibilidades novo, o quadro institucional do país era diferente. A recém-promulgada Constituição de 1988 requeria um sistema de inelegibilidades que não existia, por isso não se enquadrou no princípio do artigo 16 da Constituição.

No caso da Lei da Ficha Limpa, de acordo com Gilmar Mendes, ela alterou regras que já existiam. Logo, deveria se submeter ao prazo de carência de um ano. Como foi publicada em 7 de junho de 2010, só poderia valer de fato a partir de 7 de junho de 2011. Na prática, só se aplicaria aos candidatos a partir das eleições municipais de 2012.

"A tentativa de aplicar o precedente ao tema atual levaria a conclusão diametralmente oposta", afirmou Gilmar Mendes. O ministro fez uma analogia com o princípio da anterioridade tributária. O contribuinte não pode ser cobrado no futuro por um imposto que não existia no passado. Da mesma forma, o candidato não pode ser penalizado por regras que não existiam quando decidiu se candidatar.

O ministro voltou a classificar a lei como casuística e disse que "não se pode distinguir casuísmos bons e casuísmos ruins". E completou, citando Machado de Assis: "A melhor forma de apreciar o chicote é ter o cabo nas mãos. Mas o chicote muda de mãos". Para o ministro, o "processo eleitoral não começa com as convenções. E até as pedras sabem disso". A fase pré-eleitoral começa em outubro do ano anterior, com a obrigação da filiação partidária.

E, apesar de estar bem mais calmo do que nos julgamentos anteriores, não deixou de alfinetar os defensores da lei: "Para temas complexos há sempre uma solução simples. E, em geral, errada". Para Gilmar, "a Lei da Ficha Limpa tem uma conotação que talvez tenha escapado a muitos ditadores".

O caso em julgamento é o do candidato Leonídio Bouças (PMDB), que, no ano passado, disputou uma vaga de deputado estadual para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O relator do recurso é o ministro Gilmar Mendes.

O candidato foi barrado por ter sido condenado por improbidade administrativa, sob acusação de usar a máquina pública em favor de sua candidatura ao Legislativo mineiro nas eleições de 2002, quando era secretário municipal de Uberlândia. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendeu seus direitos políticos por seis anos e oito meses.

Leia aqui a íntegra do voto do ministro Gilmar Mendes.

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