Compras públicas

Vantagem de produto nacional cria impasse

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

22 de março de 2011, 4h18

Com a edição da Lei 12.349, no apagar das luzes de 2010, cresceu a insegurança jurídica para os estrangeiros, uma vez que o detalhamento das preferências de até 25% para os produtos nacionais nas licitações públicas ficou para regulamentação via decreto do Poder Executivo. Portanto, não haverá debate aberto.

Da mesma forma, ficaram a depender de decreto o conceito de “produtos manufaturados nacionais” e temas como “processo produtivo básico”, “regras de origem”, “serviços nacionais” (suas “condições”), o termo “sistemas de tecnologia de informação e comunicação considerados estratégicos” (para que uma licitação possa ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no país e produzidos de acordo com processo produtivo básico).

É evidente a impossibilidade de aplicação dessa norma, que surgiu da conversão da Medida Provisória 495/2010, mas que, até hoje, meses após a conversão em lei, ainda não possui a necessária regulamentação.

Aliás, por isso mesmo, ficou notório que não havia a menor urgência em algo tão inacabado, a não ser a vontade de acelerar o Programa Nacional de Banda Larga (Telebrás), para o qual, dois meses antes da própria Medida Provisória, já havia sido editado o Decreto 7.175/2010, definindo, nos exatos termos da futura norma de preferências, que aqueles serviços (de banda larga) seriam estratégicos.

Agora os estrangeiros se perguntam: como participar de licitações no Brasil em 2011 diante de tanta insegurança, indefinições e da possibilidade de casuísmos em um ou outro segmento ou atividade, bem ou serviço?

A resposta já está trilhada.

A nova lei ainda não está pronta para ser aplicada sem decreto, pelo menos quanto às preferências e discriminações. Mas ocorre que, mesmo antes disso ocorrer, a guerra já começou, inclusive, impulsionada pelas empresas brasileiras que trabalham com produtos importados para vendas ao governo.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por exemplo, no último dia 2 de fevereiro, nos autos do processo TC-153/002/11, decidiu acolher pleito de medida cautelar de uma microempresa que argumentou a ausência do decreto regulamentador como obstáculo à inserção da preferência nacional de 25% em um edital licitatório. Neste caso, a licitação tinha por objeto o “registro de preços para a aquisição de pneus com câmaras e protetores para diversos veículos e máquinas da municipalidade”, sendo decidido pelo Tribunal que o edital não poderia conter cláusula no sentido de que, para fins de julgamento, seria aplicada a regra prescrita nos parágrafos 5º e 7º da Lei federal 12.349/2010, prevendo “margens de preferência de até 25% a maior sobre os produtos importados”. Também foi destacado que o artigo 3º da Lei de Licitações veda, expressamente, o tratamento diferenciado entre empresas brasileiras e estrangeiras, exceção feita à eventual critério de desempate.

Esse é apenas um dos primeiros precedentes, sendo certo que, quando o decreto chegar estará aberta a possibilidade de novas ações judiciais, em massa, mesmo uma para cada edital de licitação. Segue-se idêntico princípio das ações contra normas tributárias inconstitucionais — cada um pode buscar o seu direito no caso concreto.

Os fundamentos dos questionamentos são vários, mas alguns deles são evidentes.

A Lei 12.349 (decorrente de uma MP) já nasceu inconstitucional a começar por não atender ao requisito básico da urgência. No mérito das normas de preferências nacionais (de até 25%), o governo trilhou caminho errado, quebrando pressupostos constitucionais, entre outros, o de “igualdade de condições a todos os concorrentes”. E não adianta comparar de forma genérica o texto com o do “American Buy Act”, que é bastante diferente e decorre de motivos diferentes.

No âmbito externo, a norma declara guerra comercial e instiga retaliações, a recaírem sobre empresas brasileiras que participem de licitações em outros países, especialmente na Europa e nos Estados Unidos. No âmbito interno, abre a porta da desigualdade e incentiva a falta de competitividade (menos concorrentes), o atraso tecnológico (reserva de mercado) e o sobrepreço (pagando-se mais caro), relegando ainda os princípios da eficiência e da economicidade.

Na verdade, se a pretensão era estimular o desenvolvimento nacional, o governo deveria ter incentivado os estrangeiros a trazerem recursos e investir no Brasil para aqui gerar emprego, renda e tecnologia, inclusive, com incentivos fiscais e outros, para a instalação de unidades produtivas.

Nesse ponto, tem-se um registro a fazer. Em paralelo às ações judiciais, que certamente serão movidas, as empresas estrangeiras estão se antecipando como podem: várias já compraram cotas de capital em empresas brasileiras, para obter dividendos dos contratos governamentais e outras estão buscando joint ventures com brasileiras e enviando partes de componentes do exterior para produtos a serem nacionalizados no Brasil, para fins de vendas aos órgãos públicos.

Esse é o cenário de alternativas para as empresas estrangeiras em 2011: ações na Justiça e iniciativas no plano comercial. Tudo para contornar essa nuvem de insegurança que o governo espalhou.

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