Ações de massa

TJ-RS dá o pontapé inicial para a conciliação

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21 de março de 2011, 10h15

Spacca
Trabalhista - home - SpaccaO Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul firmou, este mês, um termo de adesão com voluntários para dar vida ao projeto de conciliação no segundo grau. Os conciliadores — que chegarão a 50 nesta primeira fase — estão sendo recrutados, preferencialmente, entre magistrados, membros do Ministério Público, procuradores do Estado e defensores públicos, todos aposentados, além de bachareis de Direito das Escolas da Ajuris (Associação dos Juízes do RS) e Superior do Ministério Público. Nenhum deles é advogado militante.

Os voluntários que confirmarem sua adesão à iniciativa irão participar, nos dias 14 e 15 de abril, do Módulo I do Curso de Introdução aos Meios Alternativos de Solução de Conflitos. O curso tem múltiplos objetivos: promover a conscientização sobre a política pública de tratamento adequado de conflitos; trazer à reflexão o conflito e seus vários aspectos; desenvolver habilidades na área de comunicação; informar sobre panorama nacional e internacional dos meios alternativos de solução de conflitos  e principais métodos existentes; e informar normatização sobre o tema. O conteúdo do curso foi desenvolvido graças a uma parceria entre o TJ-RS e a Associação dos Juízes do Estado. As aulas serão ministradas na Escola da Ajuris, em Porto Alegre.

Antes, o TJ-RS havia lançado edital conclamando as entidades de direito público e privado a encaminharem propostas para a inclusão no Projeto Conciliação em Segundo Grau. Foram convidadas todas as entidades que possuem ações de massa em tramitação no tribunal — tanto de competência originária quanto recursos de apelação, embargos infringentes, recursos ordinários, extraordinários ou especiais. A Coordenadoria de Supervisão do Núcleo de Conciliação fará um pente-fino para resolver se as propostas se encaixam ou não no plano de trabalho.

Encaminhada a solução para o modus operandi, a Justiça estadual do Rio Grande do Sul dá o pontapé inicial para enfrentar os milhares de processos movidos contra bancos privados, operadoras de telefonia, convênios médicos, administradoras de cartões de crédito, estabelecimentos de ensino, questões previdenciárias, leis salariais relativas a servidores públicos, diferença de URV para funcionalismo, dentre outros, que vêm levando o sistema judicial ao colapso. Dados de fevereiro mostravam que 3,9 milhões de processos aguardavam julgamento no Judiciário estadual — o dobro de uma década atrás.

As ações cíveis iniciadas em 2010 somaram 702.779, a maioria relacionada a demandas de serviços, como fornecimento de energia elétrica, de água e de medicamentos — logo, ações de massa. Só as ações das Leis Britto (ex-governador que não reajustou o salário de parte do funcionalismo, em 1996) somam mais de 100 mil processos.

‘‘Embora o colegiado trate de matérias repetitivas, para análise de mérito, na prática, cada processo é julgado como se fosse único. Uma demanda de previdência, por exemplo, nunca é padrão – já que depende de dados muito particulares, como data da aposentadoria, data de falecimento, a lei em vigor na época etc’’, pondera o presidente da 3ª Câmara Especial Cível de Direito Público, desembargador Almir Porto da Rocha Filho. A Câmara foi criada em 2007 para trabalhar só com demandas de massa.

A questão não preocupa apenas os magistrados, que trabalham no limite de sua saúde para vencer a demanda, mas estimula também o empresariado a propor soluções – afinal, todos perdem com a morosidade processual. No dia 22 de fevereiro, uma comitiva de empresários visitou o TJ gaúcho com o propósito de levar a sua visão de conciliação. O vice-presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul) e da Associação Comercial de Porto Alegre, André Jobim de Azevedo, apresentou detalhes da parceria que sua entidade e o Serviço de Apoio às Pequena e Microempresas (Sebrae) pretendem firmar com o Poder Judiciário para estimular a conciliação. Integrou a comitiva Guilherme Giussani, coordenador do Posto Avançado de Conciliação Extraconjugal (Pace), da Associação Comercial e Industrial de São Paulo, que falou do projeto em funcionamento há três anos naquele Estado. O Pace faz 500 audiências conciliatórias por mês, em média — o Poder Judiciário local homologa 75% destes acordos.

O desembargador José Aquino Flôres de Camargo, primeiro vice-presidente da Corte e presidente do Núcleo de Conciliação do Segundo Grau do TJ-RS, prometeu indicar um integrante para estudar o projeto executado pelos paulistas. No dia anterior à visita da comitiva, José Aquino havia reunido mais uma vez o seu staff, para afinar a implementação do Projeto de Gestão Estratégica das Ações de Massa. O encontro serviu para identificar e desenvolver mecanismos que permitam mapear os tipos de demandas de massa, para dar-lhes encaminhamento específico. 

“O Tribunal de Justiça busca criar alternativas para dar maior celeridade por meio de vários indicadores e informações que serão fundamentais para implementar o projeto”, afirmou. Uma das alternativas aventadas durante a reunião prevê a criação de câmaras específicas para julgar ações de massa. “Estas ações necessitam de tratamento especializado, inclusive através de assessorias qualificadas, para dar maior agilidade aos processos”, explicou o dirigente. Também foi discutida a criação de um banco de ações coletivas, com o objetivo permitir maior controle a partir dos registros deste tipo de demanda.

Na verdade, bem antes de o empresariado gaúcho propor este tipo solução de conflitos com a direção da Corte, o compromisso com a conciliação já estava inserido do Planejamento Estratégico do Tribunal. O Projeto Conciliação em Segundo Grau é uma iniciativa que vem sendo discutida e aperfeiçoada desde a gestão do então presidente Armínio Rosa, que começou em 2008. Tal como o modelo paulista, visa a oferecer uma alternativa para os conflitos, acelerar a prestação jurisdicional e, principalmente, reduzir a montanha de processos que entope o Judiciário estadual.

Hoje, o comandante desta operação é o primeiro vice-presidente José Aquino Flôres de Camargo, que preside o Núcleo de Conciliação no Segundo Grau. Integram o Núcleo os desembargadores Ivan Balson Araújo e Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, além das desembargadoras Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak e Liselena Schifino Robles Ribeiro (terceira vice-presidente).

A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, que integra a 13ª Câmara Cível, falou sobre a iniciativa à revista Consultor Jurídico. Sua Câmara é uma das mais assoberbadas do Tribunal e é conhecida pela alta produtividade de seus membros.

Leia entrevista:

ConJur  Qual o principal objetivo do Projeto Conciliação no 2º Grau? 
Desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak — É oferecer uma via alternativa para a solução de conflitos, favorecendo o diálogo e o consenso entre os litigantes. E, com isso, conferir celeridade à prestação jurisdicional, na medida em que se atinge uma solução mais rápida e efetiva e se reduz o volume de recursos encaminhados a julgamento. Num primeiro momento, o projeto vai cuidar das demandas que estão tramitando hoje no Tribunal. Isto vai desafogar um número invencível de recursos e processos que tratam de matérias repetitivas — que congestionam as pautas do Tribunal.

ConJur — Quais são as principais ações?
Desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak — A principal ação consiste na formação e consolidação de uma política institucional permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígio. Propiciando uma solução rápida e efetiva dos conflitos, se estará prestando um melhor serviço ao cidadão. Outras ações importantes são: a formação de um grupo qualificado de conciliadores e servidores e a elaboração de planos de trabalho que efetivamente venham desafogar as áreas de maior congestionamento de recursos no Tribunal.

ConJur — Como foi a implementação do projeto? Houve dificuldades?
Desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak — O projeto foi muito bem aceito. Gostaria de ressaltar que se tratou de uma construção democrática, pois, no âmbito do Tribunal de Justiça, todos os desembargadores tiveram conhecimento prévio da proposta, com oportunidade para formular críticas e apresentar sugestões. As demais instituições que conosco atuam, tais como Ministério Público, OAB, Defensoria Pública, Escola da Magistratura e Ajuris, também participaram da elaboração do projeto.

ConJur — Em que fase de execução está o projeto?
Desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak — Estamos trabalhando na implementação do Núcleo. Isto significa a organização do espaço físico, adaptação do sistema de informática, a formação e a qualificação do quadro de conciliadores e servidores, dentre outras providências estruturantes. Também estamos tratando da regulamentação de seu funcionamento e da elaboração do plano inicial de trabalho. Nossa expectativa é de que a conciliação comece a funcionar em abril.

ConJur — E qual o próximo passo?
Desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak — O próximo passo envolve justamente a nomeação dos conciliadores e sua capacitação nos moldes exigidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o que será realizado com o apoio da Corregedoria da Justiça e da Escola da Magistratura. Também estaremos oportunizando à comunidade, especialmente nas ações de massa, que as instituições e entidades interessadas em formar parcerias para a solução consensual dos conflitos em segundo grau apresentem propostas à Coordenadoria de Supervisão do Núcleo. Devidamente analisadas, poderão resultar em planos de trabalho, objetivando a solução imediata e eficaz de inúmeras demandas repetitivas.

ConJur — Além de desafogar o Judiciário, que melhorias este projeto trará à sociedade?
Desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak — O incentivo à cultura da paz. Os litigantes terão uma nova chance de diálogo, com vistas a uma composição consensual do conflito, depois de existir um pronunciamento judicial proferido em primeiro grau. Favorece que se logre uma solução mais rápida e efetiva, diminuindo o tempo de tramitação dos processos nos Tribunais e atendendo de forma mais adequada aos interesses de todos os envolvidos. Outro aspecto importante a ser destacado é a implantação de uma gestão mais democrática da Justiça, na medida em que o órgão máximo da Justiça estadual abre suas portas para a sociedade, oferecendo mecanismos alternativos para a solução de controvérsias.

ConJur — Que melhorias este projeto trará ao trabalho de magistrados e servidores?
Desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiak — O que se pretende com a implementação e consolidação desta política de conciliação é facilitar o trabalho de todos, principalmente daqueles que lidam diretamente com as ações de massa, onde há uma demanda excessiva de processos, que impõe uma carga de trabalho desumana e praticamente invencível.

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