Papel do órgão

CNJ é capaz de iniciar processos contra juízes

Autor

  • Gilson Dipp

    é advogado e consultor jurídico. Ministro aposentado do STJ foi ministro do TSE corregedor nacional de Justiça e presidente do TRF-4.

19 de março de 2011, 13h32

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo neste sábado (19/3)]

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é criação da reforma do Judiciário em resposta a diferentes reclamos de variados setores da sociedade. Assim, foi criado com a participação de juízes e promotores estaduais e federais de todos os graus, advogados e cidadãos indicados pela Câmara e pelo Senado.

Incluído no âmbito do Poder Judiciário como seu órgão de cúpula e sujeito apenas ao controle do Supremo Tribunal Federal, o CNJ recebeu a missão de controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e do cumprimento dos deveres dos juízes.

Para tanto, foram-lhe atribuídos, entre outros, os poderes de zelar pela legalidade e moralidade dos atos administrativos de órgãos da Justiça, podendo revê-los ou desconstituí-los e, principalmente, resolver reclamações contra os mesmos ou avocar processos dos tribunais aplicando sanções administrativas, conforme estabelece a Constituição Federal no art. 103-B, parágrafo 4º, incisos II e III.

Cabe ao corregedor nacional de Justiça, quando for o caso, preparar a instauração do processo administrativo disciplinar.

O sistema constitucional assim emendado reformatou o Poder Judiciário, preservando a autonomia dos órgãos de Justiça locais e conferindo ao CNJ legitimidade ordinária autônoma concorrente para promover, ele próprio, a apuração e a sanção disciplinar.

Com base nessa inteligência, o CNJ foi chamado a apreciar, por exemplo, caso envolvendo um ministro de tribunal superior. São inúmeras as situações de magistrados de tribunais e de primeiro grau que respondem diante do conselho, algumas por provocação de pessoas comuns do povo, certamente confiantes na legitimidade desse controle externo da magistratura.

Audiências públicas promovidas pela Corregedoria Nacional de Justiça em vários Estados permitiram também que juízes e tribunais contribuíssem com sugestões para correção e aprimoramento de serviços.

Tem o CNJ autoridade suficiente para, sem prejuízo da autotutela dos tribunais inferiores, realizar averiguações por sua iniciativa.

Reforçam-na a regra da Constituição que autoriza o CNJ a aplicar a pena de remoção ou aposentadoria por interesse público (art. 93, VIII), as disposições da Lei da Ficha Limpa (lei complementar 135/2010) que mandam o CNJ responsabilizar juízes e tribunais eleitorais por descumprimento de prazos, e a Lei da Mini-Reforma Eleitoral (lei 12.034/ 2009), ao atribuir-lhe o controle do cumprimento dos prazos de registro de candidaturas.

Sustentar entendimento diverso seria contrariar a razão e a função do controle externo. As objeções suscitadas com base na regra da subsidiariedade, de que o CNJ só poderia atuar depois dos órgãos locais, contradiz seu significado lógico e prático. Mesmo assim, o CNJ enviou às corregedorias locais, entre agosto de 2008 e agosto de 2009, 521 reclamações, o que equivale a 90% do total remetido ao conselho.

Algumas ressalvas legais não diminuem as atribuições do conselho e não impedem a avocação de processos quando lhe parecer necessário. O poder de avocação é desdobramento natural do de instaurar originariamente investigações e procedimentos, quando as circunstâncias recomendarem.

Foram diversos os casos em que o envolvimento dos investigados, com processo já instaurado ou não, justificava desde logo a apuração originária. A Suprema Corte, ao se reservar o poder de reavaliar a oportunidade ou necessidade da iniciativa, indiretamente, tem reconhecido a competência originária do conselho, visto que esse juízo situa-se fundamentalmente no âmbito das atribuições administrativas do CNJ.

Autores

  • Brave

    é ministro do Superior Tribunal de Justiça, ministro suplente do Tribunal Superior Eleitoral e ex-corregedor nacional de Justiça.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!