Condutas que violam a liberdade sexual do empregado não estão restritas apenas às hipóteses de intimidação por superior hierárquico, conforme contempla a tipificação legal. No Direito do Trabalho, o assédio sexual deve ser visto sob ótica mais ampla. Esta é a síntese do entendimento da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, ao confirmar decisão de primeira instância que condenou revendedora de veículos a indenizar uma funcionária por danos morais decorrentes de assédio sexual praticado por colega do mesmo nível hierárquico. O julgamento foi realizado no dia 3 de março. Cabe recurso.
Quem interpôs recurso ordinário ao TRT-RS foi a revendedora, inconformada com a sentença proferida pela juíza Odete Carlin, da Vara do Trabalho de Cruz Alta (RS), que julgou procedente em parte a ação de assédio sexual movida pela empregada. A autora da ação se dizia assediada por outro vendedor por meio do MSN — programa de mensagens instantâneas, via internet, usado na empresa como meio de comunicação entre os empregados.
Em depoimento, um gerente da revenda informou que a reclamante apresentou a ele o histórico impresso das conversas do MSN. O assediador estava presente e argumentou que tudo não passou de simples brincadeira. O mesmo gerente também confirmou que o vendedor foi despedido devido ao episódio.
O empregador argumentou que a sentença restou amparada “mais na teatral atuação da recorrida, em audiência, do que na prova efetivamente produzida nos autos”. Alegou que o que efetivamente balizou a decisão proferida foi o choro da empregada, e não a documentação trazida aos autos — a qual demonstrava a igualdade de condições hierárquicas entre o dito assediador e a autora — fato que desqualificaria o ato de assédio.
Nas suas razões preliminares, o empregador aduziu a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciação do feito e a carência de ação por ilegitimidade passiva. No mérito, insurgiu-se contra as condenações por danos morais, decorrente de assédio sexual, e multa prevista no artigo 477, parágrafo 8o, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
O relator da matéria no TRT-RS, desembargador Fabiano de Castilhos Bertolucci, inicialmente, enfrentou as razões preliminares empunhadas da empresa, rejeitando-as. Quanto à arguição de incompetência, em razão da natureza da matéria, sustentou que, nos termos do artigo 114, inciso I, da Constituição, observada a nova redação decorrente da EC 45/04, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as lides decorrentes da relação de trabalho, fixando-se critério material e objetivo de competência. ‘‘De forma mais específica, o inciso VI do referido artigo dispõe a cerca da competência para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.’’
O desembargador também não reconheceu o argumento de ilegitimidade passiva brandido pela empresa, que alegou ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente ação, postulando sua extinção sem análise do mérito. ‘‘Também é matéria de mérito o exame da situação funcional da reclamante e do outro empregado indicado na inicial como assediador’’, entendeu o desembargador.
Pelo exposto, o relator disse que a sentença de primeiro grau não merece reparos. ‘‘Os elementos de prova dos autos apontam para a ocorrência do episódio de assédio sexual no contexto do contrato de trabalho, em afronta à liberdade sexual da empregada e demais direitos de sua personalidade.” O desembargador Fabiano Castilhos Bertolucci destacou que embora o assédio sexual, normalmente, decorra da relação de poder entre as partes, isto não é essencial para sua configuração. Mesmo assim, sublinhou, o preposto da reclamanda confirmou que o assediador tinha uma posição diferenciada na empresa, por ser o mais antigo. Ele orientava outros vendedores e tinha influência até mesmo na admissão de empregados.
Comentários de leitores
10 comentários
Bloqueio?
Igor Zwicker (Serventuário)
Não vejo essa possibilidade de "bloqueio" que alguns "comentaristas" apontaram, visto que, como a própria notícia destacou, o programa era "usado na empresa como meio de comunicação entre os empregados", o que se permite concluir que o MSN era funcional, isto é, próprio do contrato de trabalho.
Ora, sendo próprio do contrato, não haveria "autonomia" da empregada em "excluir" ou "bloquear" alguém, sob pena de - ela - ser considerada faltosa para/com algum de seus deveres, como o da subordinação jurídica, simplesmente.
Ademais, a reportagem também demonstrou que a empregada não deixou de agir e que levou o caso à empresa, tanto que o assediador foi demitido por isso. É cediço que incumbe à empresa manter um meio ambiente de trabalho salutar e que cabe a ela (empresa) os riscos do negócio.
Não entendo o porquê de tanto ranço com a Justiça do Trabalho por parte de algumas pessoas. Ou era preferível voltar à época do Estado Liberal e do "laissez faire et laissez passer, le monde va de lui même"?!?
Perpetuação...
Mig77 (Publicitário)
A Justiça do Trabalho foi feita para ficar para sempre mesmo.Os juizes assim são orientados para que essa enorme e inútil instituição dure para sempre.Alí, certamente, a justiça não é igual para todos, daí sua ilegitimidade.Este é mais um absurdo, incompreensível na essência e na forma.A Justiça do Trabalho acabará com o Brasil.Vemos nas ruas, nas cadeias e na sociedade o subproduto gerado por essa justiça apátrida.Se o RS é o melhor do judiciário, como foi dito, recomendo aos gauchos, a arbitragem em primeiro lugar ou o combinado no boteco, o jogo de poquer,luta livre, o palitinho (todos com direito a recurso) para decidir suas diferenças.
Sem dúvida...
Sergio Melo (Consultor)
Os pontos relatados abaixo, sobre o bloqueio e alimentar as esperanças do colega é algo que em qualquer outro lugar diferente do Brasil seria considerado, fora que, como se comprova conversas pelo msn, tendo em vista que o conteúdo gravado é totalmente burlável? Trata-se de um arquivo texto no formato HTML que só fica armazenado no computador do próprio usuário. Mas a honestidade - difícil hoje entre os réus - foi o principal motivo da condenação, sendo assim, só resta saber, por que a empresa está envolvida? E se existe algo combinado entre o acusado e a vítima? Só aqui mesmo.
Comentários encerrados em 23/03/2011.
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