Direito ao trabalho

Pirelli é condenada ao acionar ex-empregado

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9 de março de 2011, 9h54

Ao acionar cláusula de não-concorrência contra um ex-empregado e exigir devolução e multa de R$ 160 mil, a Pirelli Pneus não só teve o pedido rejeitado, como também acabou condenada a ressarcir descontos indevidos de R$ 27 mil feitos na rescisão contratual. A sentença, proferida pela Justiça do Trabalho de Santo André (SP), tornou nulo o pacto de não-concorrência, que impedia o empregado de trabalhar em outra empresa do ramo pelo prazo de dois anos. O empregado não pode ser impedido de trabalhar, a não ser que receba compensação financeira equivalente, de acordo com a Justiça. Cabe recurso.

O caso envolve uma sequência de rescisões e admissões feitas no Brasil e na Itália. O empregado, engenheiro responsável pelo desenvolvimento de pneus para motocicletas na Pirelli, rescindiu seu contrato com a subsidiária brasileira da empresa para, no dia seguinte, assinar com a matriz italiana. Lá, prestou serviços por cerca de dois anos em um projeto de criação de produtos, período em que esteve sob efeitos da cláusula de não-concorrência. Concluído o trabalho, ele rescindiu o contrato e voltou ao Brasil para novamente assinar com a Pirelli brasileira. Menos de dois anos depois, pediu demissão e entrou na Pneus Levorin, concorrente da Pirelli na área de pneus para motos.

A ex-empregadora brasileira acionou a cláusula firmada na Itália, alegando que o vínculo com o grupo era contínuo, e não dividido em diferentes contratos. De acordo com o documento, o empregado não poderia trabalhar em outra empresa da área pelo prazo de dois anos depois da sua saída, caso contrário, teria de devolver o valor que recebeu como compensação — € 30 mil, equivalente hoje a cerca de R$ 69 mil —, além de pagar indenização por danos morais.

No entanto, a juíza Dulce Maria Soler Gomes Rijo, da 2ª Vara do Trabalho de Santo André (SP), entendeu que a quarentena jamais poderia ter sido exigida. “O direito ao trabalho é direito fundamental constitucional, sendo a ordem econômica embasada na valorização do trabalho. O empregado não pode ser impedido de trabalho”, disse ela na sentença, publicada em fevereiro. A condição só poderia ter sido imposta, segundo a juíza, caso a empresa remunerasse proporcionalmente o empregado pelo período exigido — ou seja, com o valor mensal equivalente ao recebido na Itália, de € 5.365, ou R$ 12,4 mil em valores atuais.

“Se pensarmos na remuneração no Brasil, da mesma forma não temos compensação financeira razoável: a última remuneração foi de R$ 8.350, o que corresponderia em dois anos a R$ 200.400. Porém, o reclamante recebeu R$ 80.266,95”, compara a juíza. Segundo ela, o valor sequer teve como objetivo indenização pela proibição de trabalhar, já que foi pago juntamente com o salário enquanto o contrato de trabalho na Itália estava vigente.

A defesa do ex-empregado alegou, ainda, que o direito de acionar a cláusula estava prescrito, por ter vigorado apenas durante o período de trabalho na Itália, onde o contrato foi assinado. Se a rescisão na Europa foi assinada em dezembro de 2007, e foi constatado em 2010 que o empregado era contratado da Pneus Levorin, o período de dois anos foi respeitado. “Caso contrário, se não houve rescisão do contrato na Itália, então o empregado tem direito a receber adicional de transferência de 25% sobre o salário desde que saiu do Brasil, além das verbas que compensem a redução salarial que sofreu quando voltou ao país, o que não foi pago”, disse o advogado Alexandre Lencione, do escritório Guimarães e Mello Ferreira Advogados Associados, que defendeu o reclamado. Segundo ele, na maioria dos casos, esse tipo de cláusula é imposta por coação aos empregados.

Curva escorregadia
Segundo a Pirelli, o ex-empregado afrontou o que havia firmado em contrato, já que a sua admissão pela concorrente era conhecida pelo mercado desde 2008, embora de maneira informal. Segundo a empresa, um tabelião foi acionado para comprovar a presença do trabalhador na sede da Levorin. A prestação de serviços ficou comprovada em 2010.

Do ponto de vista concorrencial, foi um golpe para a Pirelli. “Entre as principais atribuições do réu podemos destacar relação técnica com todas as montadoras de motos da América Latina, desenvolvimento de produtos a partir de especificações de marketing dessas montadoras e conexão interna das equipes de desenvolvimento na busca da melhor solução tecnológica para os projetos de co-design com as montadoras”, explicam na petição os advogados Sólon de Almeida Cunha, Rodrigo Takano e Juliano Barra, do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados. Além disso, ele era o link da indústria — inclusive para a criação de novos produtos — com as montadoras Honda e Yamaha, que mantêm com a Pirelli contrato de fornecimento de pneus para suas linhas de montagem.

O setor de motocicletas e bicicletas é responsável por 15% do faturamento da empresa no Brasil, de acordo com os advogados. Segundo eles, a Pirelli tem “centenas de executivos e funções técnicas vinculadas por meio de uma garantia mínima do empregador, que é o pacto de não-concorrência estabelecido por dois anos e mediante compensação”.

Clique aqui para ler a sentença.

Processo 00444003920105020432

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