Livro Aberto

Os livros da vida da defensora Daniela Cembranelli

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9 de março de 2011, 10h39

Daniella Cembranelli - Spacca - SpaccaSpacca" data-GUID="daniella-cembranelli-spacca.png">A defensora-geral de São Paulo Daniela Cembranelli esteve na Abadia de Fontevraud, na França, por, pelo menos, duas vezes. Em uma delas, viajou até o local com o pai, o ex-subprocurador-geral da República Paulo Sollberger. Porém, antes disso, pôde “visitar” e conhecer a riqueza histórica escondida nos edifícios que compõem o antigo complexo religioso por meio dos livros. “O que realmente me fez ter gosto pela literatura foi unir a leitura com a minha paixão por conhecer a história do mundo. Foi aí que nunca mais deixei de ler”.

Não é a primeira vez que alguém diz que os livros permitem viver outras experiências, como uma forma de viajar por outros mundos. Mas, no caso de Daniela, isso deixa de ser um clichê. Passa a ser um momento de transformação. Por meio dos livros, ela diz, estreitou cada vez mais o relacionamento com o pai.

“Sempre tive uma paixão muito grande por história, por entender como as coisas aconteceram, e dividia isso com meu pai”. Foi por volta dos 17 anos que a defensora-geral começou a ler romances históricos, seu gênero favorito até hoje. Mas suas viagens literárias não se restringiram apenas às páginas das coleções que tinha em casa. “Viajei com meu pai para muitos dos lugares que serviram de cenário para aqueles contos. Nós conversávamos sobre tudo o que tínhamos lido e refletíamos sobre a história onde ela tinha acontecido”.

A Saga dos Plantagenetas, de Jean Plaidy

Daniela tornou-se uma leitora voraz na adolescência e passou a ler coleções de livros sobre literatura histórica. A primeira que lhe marcou foi A Saga dos Plantagenetas, da inglesa Jean Plaidy. “Ela trata da história da Inglaterra em 14 volumes, começando com o primeiro rei da Inglaterra, Guilherme, O Conquistador, passando por Henrique II, até o início da dinastia Tudor. Sempre fui muito interessada pela Idade Média. Embora tenha sido uma época de total obscurantismo, foi também um período muito produtivo”.

Outra coleção de destaque na trajetória literária de Daniela é Os Reis Malditos, do francês Maurice Druon, que conta a história dos reis da França. As coleções, entre outros pontos, também foram importantes para despertar na defensora o interesse pelo Direito. “Em 1215 temos o embrião do que seria a primeira constituição, que é a Carta Magna inglesa, imposta ao rei João Sem Terra, filho de Henrique II e irmão de Ricardo Coração de Leão. Esse segmento da literatura foi, de certa forma, base para a minha formação humanística”. Outro ponto foi a admiração que sentia pelo pai. “Sempre fomos muito próximos, muito amigos, trocávamos muitas informações”.

Depois que assumiu a Defensoria-Geral, onde é responsável por cerca de 2,5 mil profissionais, entre defensores, servidores e estagiários, ficou difícil manter o prazer da leitura. Até porque Daniela também precisa se desdobrar para dar conta da casa e dos filhos, trabalho que divide com o marido, o promotor Francisco Cembranelli. O último livro que pegou para ler foi 1822, do escritor e jornalista Laurentino Gomes, que faz um relato sobre a Independência do Brasil, entre a volta da corte portuguesa de Dom João VI a Lisboa e a morte do imperador Dom Pedro I, em 1834. “Já tinha lido o 1808, do mesmo autor, e são duas leituras fantásticas. É uma forma diferente de saber o que aconteceu para entender melhor onde chegamos”.


Reprodução
Os Três Mosqueteiros, do francês Alexandre Dumas - Reprodução

Infância  
A infância de Daniela foi marcada pelos tempos em que brincava na rua, em Brasília, e os livros escolares. Mas, além das obrigações da escola, aproveitava o tempo com livros sobre as aventuras do Rei Arthur e de Alexandre Dumas. Entre eles, os Três Mosqueteiros.

Hoje, ela tenta despertar nos filhos Guilherme e Rafael a mesma paixão que sente pela literatura, resgatando com os dois a relação que tinha com o pai. “Hoje em dia, com computador, televisão, videogame e tantas outras tarefas, é difícil a criança pegar um livro por conta própria. Mas nós tentamos incentivar, reservando um tempo para ler com eles ou mesmo oferecendo livros que tratam dos assuntos que eles gostam, como o futebol”.

Apesar de entender que a leitura deve ser um prazer, e não somente uma obrigação, a defensora tenta mostrar aos filhos que é importante dosar as facilidades da pesquisa pela internet com o ritual da leitura. “O computador nunca vai substituir o suporte físico. Eu gosto muito de marcar as páginas, fazer anotações e sempre leio com um lápis na mão. Além disso, a pesquisa pelos livros te faz encontrar assuntos que você nem imaginava. Pode parecer bobagem, mas eu incentivo meus filhos a fazer pesquisas para escola em enciclopédias”.


Inês de Minha Alma, de Isabel Allende

Li e recomendo  
Daniela demonstra uma predileção por escritores latino-americanos. Entre eles, Gabriel Garcia Márquez. Ela destaca a saga dos Buendía em Macondo, retratada em Cem Anos de Solidão, mas também os títulos do autor colombiano que giram em torno da paixão entre um homem e uma mulher de personalidade marcante, retratada em O Amor nos Tempos do Cólera, Do Amor e Outros Demônios e Memórias de Minhas Putas Tristes. “Esses três têm relação com o realismo fantástico, característica marcante de Cem Anos de Solidão, mas possuem uma nota muito peculiar entre eles. Uma paixão frustrada, platônica ou considerada pecado de um homem desinteressante por uma mulher forte, quase inatingível”.

Na mesma linha do colombiano, Daniela destaca Inês de Minha Alma, da escritora chilena Isabel Allende, que mistura o gosto da defensora por romances épicos e pela trajetória de mulheres corajosas. Considerado uma das obras mais ambiciosas de Allende, o título narra a história de Inés Suarez ao partir da Espanha em busca do marido, que foi para o Novo Mundo. Ao chegar na região onde hoje é o Chile, descobre que o marido está morto e se apaixona por Pedro de Valdivia, mestre de campo de Francisco Pizarro. “A escritora teve o cuidado de fazer uma pesquisa histórica bem consistente. É ainda uma história de amor que mostra como foi a colonização do Chile e fala sobre essa mulher fundamental para o desbravamento dessa região. Quem for para Santiago vai encontrar uma série de referências no livro”.


Divulgação
Elementos do Direito Administrativo – Celso Antonio Bandeira de Mello - Divulgação

Área Jurídica 
Para Daniela, é difícil indicar um livro jurídico, pois cada área tem um expoente. Particularmente, gosta dos títulos que tratam dos grandes tribunais do júri, devido ao período em que trabalhou como procuradora do Estado em defesas criminais no júri. Também destacou os livros sobre Direito Penal de Nélson Hungria, os quais foram importantes na época da faculdade. Ao assumir a Defensoria-Geral, porém, retomou os ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Mello sobre Direito Administrativo. “Temos de entender de administração, contrato, licitação, gestão. É um universo completamente diferente, por isso, voltei a estudar”.

Ela explicou que o defensor, sobretudo na área criminal, tem de ter uma visão humanística, o que não está atrelada apenas ao estudo do Direito. “Não diria que a literatura é mais ou menos importante que os livros jurídicos. Mas, antes de tudo, é importante ter experiência de vida, maturidade. O que se percebe hoje é que o profissional do Direito, seja quem julga, quem defende ou acusa, está chegando cada vez mais cedo ao mercado e, logo em seguida, parte para uma especialização. Ficar estreito apenas em uma área não é o ideal. A compreensão do mundo é necessária”.

Apesar dos inúmeros afazeres do dia-a-dia, a defensora tem vontade de escrever um livro sobre os casos que conheceu durante os 14 anos que atuou no júri, com o intuito de mostrar que o fenômeno do crime nem sempre está relacionado a pessoas “deformadas”, com algum desvio de caráter. “Pela minha mesa passaram muitas pessoas que realmente cometeram crimes, mas também muitos injustiçados. Ali lidamos com gente, com a natureza humana. Não que isso vá fazer a diferença no julgamento, mas percebi que as pessoas são iguais, têm os mesmos problemas que você, também têm família, têm sentimentos, fizeram de tudo para seguir sua vida corretamente, mas, por conta de uma circunstância qualquer, cometeram um crime”.

Isso não quer dizer que a Justiça não tenha de dar uma resposta a esses casos, mas sim que os julgamentos partam de uma leitura de que o réu é um ser humano dotado de todos os sentimentos e direitos. “Penso em tentar mostrar o lado humano dessas pessoas. E a única forma de elas serem olhadas de outra maneira é tendo uma defesa digna, com bons profissionais. E por isso a Defensoria é muito importante”.


Música e cinema
A defensora ficou encantada com Lemon Tree, do diretor israelense Eran Riklis, que assistiu há dois anos. Baseado em fatos reais, o filme conta a luta de uma viúva palestina na Justiça de Israel para que sua plantação de limões, considerada uma ameaça à segurança a seu novo vizinho, o ministro da Defesa, não seja destruída. “O interessante do filme é que a mulher do ministro, que passa a observar a vizinha de longe, se identifica com a palestina. As duas vivem vidas solitárias, mas se fortalecem com as dificuldades”.

Reprodução
Verde que te quero rosa, de Cartola - Reprodução

Na área musical, gosta de Caetano e Chico Buarque, mas é nos versos de Cartola que se emociona. “São músicas muito delicadas, que emocionam porque falam de coisas simples, do cotidiano das pessoas”. E se arrisca a cantarolar: “Alvorada lá no morro que beleza, ninguém chora, não há tristeza”.

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