Fora dos autos

Juízes defendem direito de expressar suas opiniões

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5 de março de 2011, 7h40

Houve um tempo em que a frase "o juiz não fala fora dos autos" era repetida à exaustão pelos magistrados. Mesmo com a abertura do Judiciário, nos últimos anos, é comum se deparar com juízes que evitam os meios de comunicação. Outros, como pode comprovar a internet e suas redes socias, opinam, criticam, defendem seus pontos de vistas sobre os mais variados assuntos.

Qual o limite para a manifestação do juiz? Nesta semana, a ConJur noticiou a exceção de suspeição proposta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra o juiz Rubens Roberto Rebello Casara. Pouco depois de ter sido deflagrada a operação policial no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, o juiz criticou, em entrevistas concedidas à imprensa, as irregularidades denunciadas pelos moradores do conjunto de favelas.

Operadores do Direito, ouvidos pela reportagem, defenderam o direito de juízes expressarem sua opinião. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que o juiz é um cidadão. Desde que não se pronuncie antecipadamente sobre uma causa que esteja relatando ou prestes a dar uma decisão, afirmou, não pode ser amordaçado. "Pode haver a suspeição se o juiz antecipar um ponto de vista da causa." Causas, explicou o ministro, que envolvem direitos subjetivos e individuais entre partes. "A linha divisória é a causa que ele virá a julgar", explicou.

Marco Aurélio, ele próprio membro da mais alta Corte do país e que não se furta às perguntas que lhe são feitas, constantemente, pelos jornalistas, afirma que o juiz não pode antecipar seu ponto de vista em matérias que irá julgar. No mais, diz, vale a liberdade de expressão que é a tônica maior da democracia. "O meu receio, em termos de democracia, de Estado de Direito, é o silêncio, a apatia." O juiz só está impedido, diz, quanto à controvérsia que terá de julgar. "Se não for assim, nós, juízes, perdemos a cidadania."

"O juiz não pode antecipar opinião e fazer pré-julgamento", disse o ministro Gilmar Mendes, também do Supremo. Ressalvando não conhecer o caso concreto e falar em tese, o ministro citou a Lei Orgânica da Magistratura, que proíbe o juiz de se manifestar sobre casos que estejam julgando. Mas isso não quer dizer, explica, que o juiz não possa alertar para determinadas condutas. O ministro lembrou que ele e outros integrantes do Supremo já criticaram muito operações da Polícia Federal, mas sem apontar uma específica.

Gilmar Mendes foi alvo de críticas durante todo seu mandato como presidente do Supremo e do CNJ, justamente porque nunca deixou de dar a sua opinião, muitas vezes, polêmica. Pouco antes de terminar sua gestão, defendeu que o presidente da mais alta Corte de Justiça do país tem um papel amplo, de liderança no Poder Judiciário, e portanto, o dever institucional de se manifestar.

"O direito de crítica é inerente à função do juiz. Ele é um agente político, além de ser cidadão", disse o juiz federal Ali Mazloum, de São Paulo. "A tentativa de reduzir a magistratura a uma espécie de repartição pública", continua, "atenta contra a Constituição Federal e o Estatuto da Magistratura".

No caso específico, diz Mazloum, o juiz tinha direito de fazer críticas genéricas à atividade policial. Para o juiz federal, o juiz tem o direito e o dever de criticar. "O MP precisa tentar exercer sua função de forma mais responsável e parar de fazer patrulhamento ideológico contra juízes", completou.

O próprio juiz federal já foi investigado em uma operação da Polícia Federal, sendo que a denúncia foi trancada pelo Supremo por ser inepta. Ali Mazloum moveu ações contra promotores e delegados. Já condenou e absolveu delegados em processos que foram distribuídos à 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, da qual é titular. Em nenhum dos casos, a defesa arguiu a suspeição do juiz por ele estar à frente do feito, supondo que estaria impedido por já ter ele mesmo sofrido uma persecução penal que restou infundada e por ter acionado os autores desse processo criminal.

O juiz Antônio Augusto de Toledo Gaspar, 2º vice-presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj), afirma que a Loman e o Código de Ética, aprovado pelo Conselho Nacional de Justiça, impedem que o juiz se manifeste sobre processos que estejam sob seu crivo ou que possam ser distribuídos a ele. No Direito Penal, explica, as condutas são tipificadas. Para que o juiz fique impedido ou suspeito, tem de se manifestar sobre a conduta. 

O 2º vice-presidente da Amaerj lembrou, ainda, que o juiz é vigiado 24 horas por dia pela sociedade. Tem de ter cuidado ao se pronunciar sobre temas que estão dentro do limite territorial onde atua. Entretanto, diz, se ele não se pronunciar de forma cabal sobre um fato que está sob o crivo dele, não há porque estar impedido ou ser suspeito.

Em relação ao caso concreto, Gaspar disse que o juiz Rubens Casara é conhecido como garantista, além de ser professor e doutrinador. Todo mundo sabe qual é a posição dele, diz. "Eu também sou professor da Emerj e digo qual é a série de balizamentos para a condenação por dano moral. Nem por isso eu ficaria impedido de julgar casos que envolvam a matéria", afirmou. 

O juiz de Direito Gervásio dos Santos, do Maranhão, entende que o juiz se expressou na condição de cidadão. "Sequer tinha ideia de que processos gerados pela operação chegariam até ele", disse. Para Gervásio, querer afastar o juiz desses processos pelas declarações dadas equivale a tolher a capacidade do magistrado de ser cidadão e poder se expressar sobre fatos gerais.

Ele afirmou que a operação policial no Alemão, que reuniu não só as Polícias Civil e Militares do estado, como a Polícia Federal e as Forças Armadas, foi muito repercutido não apenas no Rio de Janeiro. Juízes, de outras cidades inclusive, falaram sobre a operação, apontando pós e contras, críticas e elogios. "Apresentar exceção de suspeição contra um juiz que, na condição de cidadão, expressa sua opinião, parece exagero", afirmou.

O secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, disse que há uma diferença entre expressar a opinião e fazer pré-julgamento. "O pré-julgamento é prejudicial ao processo, diferente de apenas uma opinião."

Para o advogado, o caso reforça a tese de que não só o juiz como o próprio Ministério Público deveria ter prudência ao anunciar suas conclusões sobre uma matéria. "É preciso ter cautela no sentido de que as declarações sejam feitas de forma adequada", diz. Ao comentar o caso concreto, o secretário-geral da OAB disse que o juiz afirmou ser contra arbitrariedades. "Todos têm opinião", disse.

O advogado estranhou, ainda, a postura do Ministério Público, já que seus membros costumam comentar sobre os casos que estão sob seus cuidados nem que por isso fiquem suspeitos. "O fato de alguém ser acusado não quer dizer que ele seja culpado", lembrou.

Crítica à abuso
Na exceção de suspeição apresentada contra o juiz fluminense, o Ministério Público diz que o juiz teria sua imparcialidade comprometida por declarações dadas à imprensa na época da deflagração da operação policial nas comunidades da Penha. Em um dos trechos, publicados em entrevista na revista Carta Capital, o juiz diz: "as notícias que chegam são de que estão invadindo casas, prendendo pessoas para averiguação e usando uma série de atos completamente desassociados do projeto constitucional".

O juiz tece críticas em relação ao modo como se deu a operação policial. Ele disse ver com preocupação a atuação do Estado, já que, na tentativa de combater os que violam a lei, o próprio Estado a estava violando. "O que estimula a ilegalidade é toda uma cultura autoritária, com institutos e práticas que desrespeitam o outro e estão descompromissados com a democracia", disse na ocasião.

Em dois dos cerca de oito processos distribuídos ao juiz, já houve sentença. Os aspectos legais da prisão dos réus nem chegaram a ser discutidas, já que o Ministério Público pediu a absolvição dos acusados.

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