Modelo alterado

Lei de resíduos demanda mudança na gestão pública

Autor

  • Antonio Fernando Pinheiro Pedro

    é advogado e consultor ambiental formado pela USP sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados membro do Comitê de Energia e Sustentabilidade da Câmara de Comércio Internacional e membro da Comissão de Direito Ambiental do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros). Foi consultor do Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura dos Transportes) integrando o Centran (Centro de Excelência de Engenharia de Transportes do Exército Brasileiro — Fundação Trompowsky EB.

4 de março de 2011, 15h35

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei Federal 12.305 de 2 de agosto de 2010 e recém-regulamentada pelo Decreto Federal 7.404 de 23 de dezembro de 2010, dispõe sobre a gestão integrada e o gerenciamento dos resíduos sólidos, determinando as responsabilidades do poder público e dos geradores.

Mais do que suprir lacuna legislativa sobre o assunto, a PNRS altera o modelo de gerenciamento existente, introduzindo conceitos como a diferenciação entre resíduos e rejeitos, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e a logística reversa, impondo novas obrigações e formas de cooperação entre o poder público e o setor privado.

A PNRS determina, no Artigo 54, que deverá ser implantada a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, num prazo de até quatro anos a partir da publicação da lei. A própria PNRS define como rejeitos os “resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e tecnicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada” (artigo 3º, XV). Vale dizer que, o cumprimento do prazo legal depende da reengenharia, desde já, na coleta, transporte, transbordo, tratamento e destinação final dos resíduos e, por fim, disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

Embora incumba aos Municípios e ao Distrito Federal a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios, nos termos do artigo 10º da PNRS, compartilham da responsabilidade pelo ciclo de vida do produto os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes e consumidores. Cabe a todos os agentes da cadeia exercer esforços voltados à não-geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento de resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.

É nesse contexto da responsabilidade compartilhada que a PNRS estabelece a obrigação da logística reversa para determinados bens de consumo, definindo-a como “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final adequada” (artigo 3º, inciso XII). Estão obrigados a estruturar sistemas de logística reversa os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos elencados nos incisos do artigo 33 da PNRS, dentre eles, pilhas e baterias, pneus e produtos eletroeletrônicos.

A lei, no entanto, não esgota o rol de obrigados a desenvolver o mecanismo do take back. O Decreto Federal 7.404/10 tornou obrigatória a implementação dos sistemas de logística reversa para produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e aos demais produtos e embalagens, “considerando-se prioritariamente, o grau e a extensão do impacto à saúde pública e ao meio ambiente dos resíduos gerados”, nos termos do parágrafo 1º do artigo 33 da PNRS.

Novos arranjos institucionais e novos sistemas de logística e processamento de produtos e resíduos ocorrerão face à complexa e necessária adaptação do mercado à nova exigência legal.

A responsabilidade compartilhada dos agentes envolvidos na cadeia de produção e consumo irá aprimorar a fiscalização de serviços públicos, praticamente transferido-a para particulares, transformando contratos de fornecedores de insumos e coletores de resíduos industriais e comerciais.

A diferenciação entre resíduos e rejeitos há de impor todo um processamento prévio do que for coletado e a segregação do que for destinado a aterros. A prestação de serviços eminentemente públicos, como o manejo de resíduos domiciliares, desde logo já estarão afetados.

Face a esse novo quadro legal, haverá a necessidade de municípios passarem a contar com os estados e o setor privado, buscando novos recursos para a concessão tradicional de serviços, ou firmando Parcerias Público-Privadas.

A PPP permite que se imponham metas qualitativas e quantitativas como condicionante para o pagamento do concessionário, além de concentrar seu foco nos resultados, sem o engessamento da forma de atuação.  Mais que nunca torna-se esse instituto um importante instrumento para o atendimento do novo padrão de gestão dos resíduos sólidos urbanos, pois permite a divisão dos riscos do negócio, o que se encaixa com perfeição aos moldes da PNRS.

A PPP é aplicável a obras e serviços que superem o valor de R$ 20 milhões, com prazo mínimo de prestação de serviço de cinco anos. Por esse instituto, de concessão diferenciada, o Poder Público se obriga a arcar com parte (em uma PPP Patrocinada), ou com a totalidade (em uma PPP Administrativa) da remuneração devida pelo serviço, que poderá ser complementada por receitas extraordinárias a serem aferidas pelo próprio parceiro privado, nas atividades agregadas que vier a desenvolver no bojo do serviço (da geração de energia à prestação de serviços ao cumprimento dos acordos setoriais para a logística reversa, por exemplo).

Estudo encomendado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais apontou as vantagens da PPP em relação à concessão tradicional e aos recorrentes contratos emergenciais no setor de gerenciamento de resíduos sólidos. Nosso escritório teve a oportunidade de realizar o estudo e apresentá-lo ao setor recentemente.

O novo quadro legal demanda fortes mudanças no sistema atual de gestão dos resíduos e, por óbvio, já afeta a situação dos contratos em vigor. Não raro concessões com prazos de até trinta anos de duração, ainda que em vigor, uma vez que não atendam ao novo cenário, deverão ser necessariamente revistas. 

Ainda que ocorra um prazo para elaboração e implementação dos Planos Diretores de Gestão de Resíduos Sólidos pela União, Estados e Municípios, há todo um direito público subjetivo relacionado à proteção ambiental, redimensionamento de responsabilidades e, sobretudo, eliminação dos riscos de contaminação e danos ambientais correlatos, surgindo em todo esse processo, novos passivos, antes ocultos.

Fica a questão: há espaço nas Administrações Públicas municipais e dos estados, para esta profunda modificação na forma de pensar o serviço de manejo de resíduos sólidos? A resposta deverá constituir a preocupação dos atuais concessionários.

Não é exagerado, portanto, afirmar que a Administração Pública terá de se reinventar para comportar a maior participação do setor privado no gerenciamento de resíduos sólidos e cumprir os objetivos e exigências da PNRS.

A reestruturação dos setores públicos responsáveis pelo gerenciamento de resíduos sólidos deverá, portanto, refletir as mudanças de paradigma, ditadas pela legislação atual, formando uma nova economia e cadeia de valor.

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