Estratégia de defesa

Primeiro-ministro da Itália transforma leis em escudo

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2 de março de 2011, 14h47

Silvio Berlusconi - governo.it

Silvio Berlusconi é um homem de talentos. Como se já não bastasse ser proprietário da maior rede de televisão italiana, dono do principal time de futebol do país e uma das pessoas mais influentes da Itália, ele agora é especialista em uma nova arte: a de blindar o vidro do próprio telhado. Nessa sua nova especialidade, tem a lei como grande aliada. É nela que o primeiro-ministro italiano tem buscado proteção para se esquivar de prestar contas com a Justiça.

Até agora, o escudo tem sido poderoso e resistido a todos os ataques – e olha que não foram poucos. Dessa última vez, no escândalo já apelidado de Rubygate, o primeiro-ministro quase foi abandonado pela amiga legislação. Até que, estrategicamente, duas frentes de contra-ataque surgiram para livrá-lo da fúria da toga, sua inimiga temível e temida. A primeira partiu dos aliados, que tentam alegar a incompetência da Justiça ordinária para julgar Berlusconi. A segunda, ainda no forno, deve chegar do Conselho de Ministros em forma de mais um projeto de lei.

É uma corrida contra o relógio. Está marcada para o dia 6 de abril, em Milão, a primeira audiência no processo em que Berlusconi é acusado de sucumbir aos encantos da jovem marroquina apelidada de Ruby. De acordo com a Promotoria de Milão, ele fez sexo com Ruby enquanto ela ainda era menor de idade e usou o seu cargo para tirar a menina da prisão. Ele, claro, nega o sexo e defende a ajuda que deu para Ruby com desculpas mal digeridas. Ruby também nega ter feito sexo com o primeiro-ministro, mas foi da sua boca que saíram os relatos das animadas festas bunga-bunga, orgias que ela diz serem feitas na casa de Berlusconi e que já tiveram imagens divulgadas pela imprensa.

Para livrar o primeiro-ministro do banco dos réus, seus aliados começaram a agir. Na terça-feira (1º/3), deputados apontaram conflito de competência entre o Judiciário e o Legislativo. Eles afirmam que a Justiça de Milão está invadindo competência própria do Congresso Nacional italiano. Está lá no artigo 96 da Constituição italiana que tanto o primeiro-ministro como os demais ministros só podem responder por crimes cometidos no exercício do mandato com autorização prévia do Parlamento. Uma vez dada essa autorização, quem julga é um tribunal próprio, o tribunal de ministros.

A questão é definir se as acusações contra Berlusconi se enquadram no conceito de “crimes cometidos no exercício do mandato”. Encaixar aí a acusação de sexo com menor de idade é difícil, mas o uso do cargo para beneficiar essa menor facilita. Os aliados pedem que a Câmara dos Deputados leve o conflito para a Corte Constitucional decidir, o que pode adiar o acerto de contas do primeiro-ministro com a Justiça.

O grande obstáculo dessa estratégia é que, para a Câmara decidir levantar o conflito de competência, precisa primeiro da aprovação da sua presidência. Leia-se, aqui, Gianfranco Fini, uma vez aliado de Berlusconi e hoje um dos seus principais opositores. Cabe à presidência decidir se coloca a questão para votação no Plenário.

Plano B

Como a batalha na Câmara não está ganha, o primeiro-ministro da Itália já estaria assando uma segunda blindagem. Estratégia velha: modificar a lei para se proteger. Hoje, o artigo 68 da Constituição da Itália garante aos parlamentares suspeitos de crimes algumas prerrogativas, como imunidade quanto às opiniões expressas e contra prisão sem autorização legislativa, salvo quando for em flagrante ou com condenação transitada em julgado.

Não foi sempre assim. Até 1993, um parlamentar sequer podia responder a um processo sem autorização do Parlamento. É na volta dessa imunidade que estaria o plano B de Berlusconi. A imprensa italiana conta, com base em fontes não reveladas, que a proposta foi inserida no pacote de reforma constitucional da Justiça e já teria aprovação informal dos ministros. Tudo indica, no entanto, que o governo de Berlusconi vai esperar mais um pouco para por a estratégia em jogo. Nesta quinta-feira (3/3), o Conselho de Ministros se reúne, mas nem a volta da imunidade e nem a reforma da Justiça estão na pauta de discussões.

Imunidade amiga

A imunidade é uma velha conhecida de Berlusconi, nas suas mais diversas formas. Em 2008, o primeiro-ministro conseguiu que fosse aprovada uma lei que afastava a Justiça dos seus pesadelos. A norma suspendia os processos criminais contra os ocupantes dos quatro principais cargos políticos do país: da presidência da República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do Conselho de Ministros. Durante mais de um ano, o primeiro-ministro conseguiu que a lei barrasse processos contra ele por fraude fiscal, corrupção e caixa dois. Até que a Corte Constitucional declarou que a norma violava a Constituição italiana e a suspendeu.

Pouco depois, uma nova lei. Dessa vez, livrando o primeiro-ministro – e, consequentemente, os ocupantes dos outros três cargos de cúpula – de comparecer a audiências nos processos criminais. Pela lei, a justificativa da ausência era presumida, com base nos diversos compromissos da função política. A consequência disso foi, mais uma vez, a paralisação dos processos.

De novo, quem entrou em cena foi a Corte Constitucional, que suspendeu trechos da lei em janeiro deste ano. Com a decisão, voltaram a tramitar os hoje quatro processos contra Berlusconi – entre eles, o da Ruby. Nessa segunda-feira (28/2), aconteceria audiência no processo em que Berlusconi, enquanto proprietário da rede de TV Mediaset, é acusado de fraude fiscal. Ele não compareceu e nem mandou seu advogado, mas o juiz resolveu adiar para o dia 11 de abril a audiência.

Enquanto o temido abril não chega, a vida legislativa do país continua movimentada e Berlusconi, à espera da sua salvação. Na lista de projetos para votação, está o que institui o processo breve e define em números a razoável duração de um processo judicial. Para entender de que maneira este beneficiaria o primeiro-ministro italiano, basta somá-lo às várias suspensões que ele já obteve nos seus processos para chegar-se ao resultado prescrição. Não menos polêmico é o projeto que reformula as regras das escutas telefônicas e prevê penas duras, com prisão e multa, para jornalista que divulga resultado de grampo. E dá-lhe bunga-bunga sigilosa.

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