Posição do Supremo

O direito à sustentação oral em julgamento de AI

Autor

  • Leonardo de Faria Beraldo

    é advogado professor de Processo Civil Arbitragem e Direito Civil mestre em Direito Privado pela PUC Minas e especialista em Processo Civil. Membro do Conselho Deliberativo da Camarb – Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil.

1 de março de 2011, 15h00

Dedico este artigo aos ministros do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, porque foram os únicos que tiveram a sensibilidade e a apurada visão no julgamento das duas ações diretas de inconstitucionalidade referidas neste estudo, pois vislumbraram que o objeto, em ambas, não atingia a parte do inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94, que dispõe sobre o direito de o advogado proferir sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial.

O Código de Processo Civil (CPC) dispõe, no artigo 554, que “na sessão de julgamento, depois de feita a exposição da causa pelo relator, o presidente, se o recurso não for de Embargos Declaratórios ou de Agravo de Instrumento, dará a palavra, sucessivamente, ao recorrente e ao recorrido, pelo prazo improrrogável de 15 (quinze) minutos para cada um, a fim de sustentarem as razões do recurso”.

Já a Lei 8.906/94 estabeleceu, no seu artigo 7º, IX, o seguinte: “são direitos do advogado: IX – sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, em instância judicial ou administrativa, pelo prazo de quinze minutos, salvo se prazo maior for concedido”.

É evidente que essa última revogou, tacitamente, o artigo 554 do CPC, pois é lei posterior e regula a mesma matéria. Não interessa o fato de o CPC ser lei especial (regula o processo civil) e a Lei 8.906/94 ser uma lei geral em relação ao Código, porque, quando surge esse tipo de antinomia, certamente deve prevalecer a lei posterior. O Estatuto da OAB é uma lei especial, pois regula a atividade advocatícia, e, por ser o seu artigo 7º, IX, incompatível com o artigo 554 do CPC, tem-se que ocorreu a revogação. Esse é o melhor entendimento, pois deve-se partir da premissa de que o legislador sabia da existência da norma anterior e, por meio da norma posterior, quis revogar a última.

Cumpre registrar ainda que foram ajuizadas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), no Supremo Tribunal Federal, sob os números 1.105 e 1.127, por duas entidades diferentes, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94.

Por fim, conforme se verá a seguir, ocorreram uma série de equívocos que nos permitem afirmar, sem qualquer dúvida, que a parte do inciso IX do artigo 7º do Estatuto da OAB que dispõe sobre o direito do advogado de proferir sustentação oral em todos os recursos na esfera judicial está plenamente em vigor.

A seguir, vamos trazer breves fatos acerca das duas ações que estão tramitando no STF, versando sobre o dispositivo legal já citado. A ADI 1.105 foi proposta em agosto de 1994 pelo procurador-geral da República (PGR) e foi requerida a declaração de inconstitucionalidade do artigo 7º, IX, da Lei 8.906/94.

Na petição inicial de três laudas, à disposição no site do STF, pode-se vislumbrar que o inconformismo do PGR foi apenas em relação a duas partes do dispositivo legal, quais sejam, aquela que diz que a sustentação oral vem após o voto do relator e também da garantia de sustentação nas esferas administrativas. Não se discorreu sobre “sustentação oral em todos os recursos”, isto é, não faz parte da causa petendi.

No dia 3 de agosto de 1994, por maioria de votos, o Pleno do STF deferiu liminar para suspender a eficácia do dispositivo legal em comento até o julgamento final, tendo sido publicado o acórdão apenas em 27 de abril de 2001. Contra essa decisão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) interpôs, em 4 de maio de 2001, recurso de Embargos de Declaração, com excelentes argumentos jurídicos, no entanto, não foi conhecido, sob o fundamento de que é vedada a intervenção de terceiros nos procedimentos regidos pela Lei 9.868/99. No dia 17 de maio de 2006, o STF, também por maioria de votos, julgou procedente o pedido e declarou a inconstitucionalidade do artigo já referido. Todavia, apenas no dia 4 de junho de 2010 foi publicado o acórdão da decisão, contra o qual foi interposto o recurso de embargos de declaração pela OAB. E, segundo o site do STF, ainda não foram julgados os aclaratórios.

Com relação ao mérito dessa ADI, o que se percebe, facilmente, é que no voto de todos os ministros não se debateu absolutamente nada acerca do “direito do advogado de proferir sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial”. Isso porque os ministros, certamente, se ativeram apenas às colocações estabelecidas na petição inicial da ação, e, nela, como já asseverado anteriormente, só se questionou dois pontos, que são “sustentação após o voto do relator” e “sustentação nos processos e recursos administrativos”.

E aqui é exatamente onde reside toda a nossa discordância, pois, apesar de nem a petição inicial do PGR nem os votos dos ministros terem tocado no ponto do “direito do advogado de proferir sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial”, o pedido contido na exordial foi julgado totalmente procedente e, consequentemente, foi decretada a inconstitucionalidade do inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94. Trata-se de decisão inválida e que não pode prosperar.

A ADI 1.127 foi proposta em setembro de 1994 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e nela se requereu a declaração de inconstitucionalidade de diversos dispositivos legais da Lei 8.906/94, inclusive do artigo 7º, IX, da Lei 8.906/94.

Na extensa petição inicial, à disposição no site do STF, pode-se vislumbrar que, nos dois únicos parágrafos em que são tecidos comentários acerca do mencionado dispositivo legal, só se coloca em xeque o fato de a “sustentação oral ser após o voto do relator”; nada mais que isso. Prova maior disso é que o pedido que consta da exordial é apenas para se retirar do texto legal a frase “após o voto do relator”.

Em setembro de 1994, foi deferida liminar para suspender a eficácia de vários artigos da Lei 8.906/94, porém, nada se falou sobre o inciso IX do artigo 7º da já referida Lei. Doze anos depois, em maio de 2006, o Pleno decidiu colocar em pauta para julgamento essa ADI. No que concerne ao tema desse estudo, reitera-se que nada se falou sobre “direito do advogado de proferir sustentação oral em todos os recursos e processos na esfera judicial”, pois os votos dos ministros só discutiram a expressão “após o voto do relator”. A propósito, às folhas 236 do acórdão, o ministro Marco Aurélio indaga a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, sobre o objeto da ADI, lembrando-a – e aos demais, claro – que só se discutiu o ponto relativo à expressão “após o voto do relator”. Todavia, na ementa ficou estabelecido que o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94 foi declarado inconstitucional, o que não ocorreu. Como se pode demonstrar, apenas parte dele foi tido como contrário à nossa Constituição, e é justamente a parte com a expressão “após o voto do relator”.

A conclusão a que se pode chegar é que essa ADI só versou sobre a expressão “após o voto do relator”, nada mais que isso. Em outras palavras, os advogados continuam tendo o direito de sustentar oralmente em qualquer recurso e processo na esfera judicial.

O artigo 293 do CPC estabelece que “os pedidos devem ser interpretados restritivamente”, ou seja, não se pode dar interpretação ampliativa ou extensiva, sob pena de a decisão ser ultra ou extra petita.

No tocante aos requisitos, é uníssono na doutrina e na jurisprudência que o pedido deve ser certo, determinado e concludente. Certo quer dizer expresso, não podendo ser vago nem ambíguo. Determinado implica delimitação qualitativa e quantitativa. Concludente significa que o pedido deve, obrigatoriamente, estar de acordo com a causa de pedir (fatos e fundamentos de direito) da ação ajuizada.

Na falta de qualquer um desses requisitos, significa que a petição é inepta, contudo, antes de ser aplicada essa sanção ao autor, deve o magistrado conceder-lhe prazo de dez dias para emendar a petição inicial, sob pena de extinção do feito. Feita essa introdução, passemos às ADIs objeto do nosso estudo.

Na ADI 1.105, a brevíssima causa de pedir (fatos + fundamentação) existente guarda relação apenas com “a sustentação oral após o voto do relator” e “sustentação oral nas esferas administrativas”. O pedido, por sua vez, é para que o STF declare a inconstitucionalidade de todo o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94.


A pergunta que naturalmente vem agora é a seguinte: o pedido, na ADI 1.105 é concludente? Claro que não! A amplitude do pedido não condiz com a restrita causa petendi. Logo, é ilegal requerer a declaração de inconstitucionalidade de todo um dispositivo de lei se a fundamentação não lhe alcança a integralidade.

Com toda certeza, pode-se dividir o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94 em pelo menos cinco partes, quais sejam: (i) sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo nas sessões de julgamento; (ii) após o voto do relator; (iii) em instância judicial ou administrativa; (iv) pelo prazo de 15 minutos; (v) salvo se prazo maior for concedido.

Ratificando-se o que já foi vastamente demonstrado, a exordial da ADI 1.105 impugnou apenas a constitucionalidade dos itens ii e iii, por conseguinte, no entender da própria parte requerente, os demais itens são constitucionais. E o que foi que fez o augusto STF, por maioria de votos? Declarou a inconstitucionalidade de todo o dispositivo legal. Com efeito, não nos resta qualquer dúvida de que o acórdão é nulo, pois julgou procedente um pedido nulo e inadequado.

Já com relação à ADI 1.127, o problema é ainda mais grave, uma vez que o pedido foi certo, determinado e concludente para se declarar apenas a inconstitucionalidade da expressão “após o voto do relator”. E o que fez o nobre STF? Decretou a inconstitucionalidade de todo o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94.

Sendo assim, pode-se concluir que, na ADI 1.105, o pedido não foi concludente e, mesmo assim, a decisão do STF passou desapercebida por isso. Na ADI 1.127, apesar de o pedido ter sido correto, a decisão judicial extrapolou, e muito, os limites do pedido formulado na petição inicial. Desse modo, em ambos os casos, o acórdão é nulo, devendo ser reparado até mesmo ex officio pelo STF.

Conclui-se essa parte citando-se a ementa da ADI 259/DF, cujo relator foi o ministro Moreira Alves, na qual se decidiu, com muito acerto, que “é necessário, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, que venham expostos os fundamentos jurídicos do pedido com relação às normas impugnadas, não sendo de admitir-se alegação genérica de inconstitucionalidade sem qualquer demonstração razoável”.

De acordo com a melhor doutrina, é imprescindível a coerência entre a fundamentação e a conclusão da decisão judicial, pouco importando se é decisão interlocutória, sentença ou acórdão. Assim, “não basta que a decisão judicial seja clara e direta; é necessário que ela seja concludente, é dizer, que haja uma vinculação lógica entre tudo o que se narrou no relatório, os fundamentos lançados na motivação e a conclusão alcançada no dispositivo” (DIDIER, Fredir et al. Curso de direito processual civil. v. 2. 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 337). Em outras palavras, “ao fundamentar a sua decisão, a exposição feita pelo magistrado precisa retratar fielmente a coerência e a logicidade do raciocínio que traçou na análise das alegações de fato, das provas e dos argumentos jurídicos” (Op. cit., p. 338).

Conforme já mencionado, a falta de conformidade entre a fundamentação da decisão e a sua parte dispositiva importa em nulidade, passível de ser sanada. A decisão judicial incoerente é inválida porque o ordenamento jurídico não admite que se possa decidir algo sem fundamentação. Dentre as várias normas sobre o tema, destaca-se o artigo 93, IX, da Constituição Federal.

Na ADI 1.105, a decisão é nula porque é incoerente. Nos itens anteriores, restou provado o seguinte: (i) na petição inicial não se falou, em momento algum, da possibilidade de se proferir sustentação oral em todos os recursos na esfera judicial, e, mesmo assim, o pedido formulado foi pela inconstitucionalidade de todo o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94; (ii) a fundamentação do acórdão não discorre sobre a possibilidade de se proferir sustentação oral em todos os recursos na esfera judicial, todavia, decretou-se a inconstitucionalidade de todo o dispositivo, acolhendo-se o pedido inepto da exordial.

Na ADI 1.127, o acórdão é nulo porque é extra petita, isto é, decidiu-se fora do pedido, uma vez que foi requerido apenas a declaração de inconstitucionalidade da expressão “após o voto do relator” do dispositivo em comento.

Nas duas hipóteses a invalidade pode e deve ser sanada, inclusive ex officio, e, para tanto, basta apenas um pouco de boa vontade do colendo STF. Não estamos sustentando que deveria ser decretada a nulidade de todo o processo. Não, não é isso. Com base nos princípios da instrumentalidade, da razoabilidade, da efetividade, da economia processual, da razoável duração do processo e pas de nullité sans grief, seria absurdo pensar nisso. São duas ações que já tramitam há mais de 16 anos, sendo viável e lícita a retificação a fim de recolocar as decisões nos trilhos da legalidade.

Caso alguém venha a sustentar que o STF, no controle concentrado de constitucionalidade, não está adstrito aos argumentos trazidos pela parte requerente (dentro todos os precedentes, confira-se a ADI 2.396/MS, de 2001), não há como pensar diferente, até porque essa premissa é válida para toda e qualquer ação, mesmo que iniciada em primeiro grau de jurisdição. Entretanto, não pode o STF tomar nenhuma das seguintes medidas: (i) alterar a causa de pedir para poder ampliar o pedido e seu alcance, e nem mesmo (ii) julgar pedidos que não foram solicitados pelo propositor da ADI. A adoção de qualquer uma dessas duas medidas, além de ser um desrespeito a todas as regras elementares de processo civil, significa violação à Constituição Federal, uma vez que o STF não figura no restrito rol dos legitimados a ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade. A utilização de qualquer uma das ideias acima significa ainda a não observância da vontade do proponente da ação. Àqueles defensores de que o pedido pode ser criado, ex officio, pelo STF, pedimos vênia para discordar, pelas razões já apresentadas e a seguir expostas.

Apenas para ratificar o que foi afirmado no parágrafo anterior, uma coisa é o STF valer-se de argumentos não trazidos à baila, pelo autor da ação, para chegar ao mesmo resultado por ele almejado, porém, outra coisa, completamente diferente, é a ampliação da causa petendi para, com isso, justificar o alargamento do pedido. Não bastasse, caso isso fosse possível, haveria violação ao princípio da constitucionalidade (pois se desrespeitou a Constituição), da segurança jurídica, do contraditório e da ampla defesa (porque não teria como argumentar contra os novos fundamentos criados e utilizados pelo STF).

É sempre importante lembrar que o processo, no Estado Democrático de Direito, deve ser visto como um procedimento em contraditório, e, ao mesmo tempo, como uma garantia do jurisdicionado; se não há contraditório, resta prejudicada a ampla defesa. Sem ambos, não há devido processo legal e, consequentemente, adeus segurança jurídica. Mudar o pedido, de ofício, significa permitir-se que o STF seja um legitimado a propor ADIs, quando, na verdade, sabe-se que no artigo 103 da Constituição Federal, não há tal previsão. Ao STF cumpre o julgamento, e, não, a postulação.

Portanto, é certo dizer que corrigir os vícios de validade apontados, sem que seja aplicada a todo o processo a sanção de nulidade, é o mais correto para a presente situação, uma vez que se estará respeitando as regras processuais e constitucionais, sem, contudo, criar qualquer tipo de prejuízo para as ADIs, para o ordenamento jurídico e para a nossa sociedade. Muito pelo contrário. Esse é o anseio de toda a comunidade jurídica.

As soluções que estão ao alcance do STF e da OAB seriam as seguintes: o STF poderia julgar o pedido de ambas as ADIs parcialmente procedente, para se retirar do inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94 apenas a expressão “após o voto do relator”, pois apenas isso foi objeto da fundamentação dos acórdãos, sem falar que foi o único pedido constante na ADI 1.127.

Como nas duas ADIs, a invalidade é notória, pode o relator chamar o feito à ordem ou, nos Embargos de Declaração que estão pendentes de julgamento, decretar a nulidade de parte do acórdão, especialmente porque tal medida deve ser tomada até mesmo de ofício pelo magistrado. Basta que se retifique o acórdão para que a declaração de inconstitucionalidade seja apenas da expressão “após o voto do relator”, ou seja, suprimi-la do texto legal, ao invés de se decretar a inconstitucionalidade de todo o dispositivo legal.


Das duas ideias acima, a que mais nos agrada é a do julgamento dos aclaratórios já manejados pela OAB. Caso seja arguida preliminar de impossibilidade de intervenção de terceiros em sede de ADI, por suposta violação do artigo 7° da Lei 9.868/99, e, por conseguinte, pretender não conhecer do recurso, ainda assim é juridicamente correto a declaração de nulidade do acórdão, com a retificação do que for necessário, haja vista o dever de se conhecer da nulidade ex officio.

Como a lei ainda está em vigor, é possível o ajuizamento, pela OAB, de Ação Declaratória de Constitucionalidade referente ao artigo 7°, IX, da Lei 8.906/94, que seria distribuída por dependência às demais ADIs, em face da conexão existente. Apenas relembrando, o artigo 103 do CPC dispõe que há conexão entre duas ou mais ações sempre que lhes for comum o objeto ou a causa de pedir. In casu, o objeto é idêntico, uma vez que está em jogo o futuro do mesmo dispositivo legal dentro do nosso ordenamento jurídico.

Acresça-se a isso o fato de que nem a Constituição Federal nem a Lei 9.868/99 criam entraves para o sucesso dessa medida.

Impetrar Mandão de Segurança no próprio STF também é uma opção legítima e viável, uma vez não ser possível o manejo da ação rescisória em sede de ADI, ex vi do disposto no artigo 26 da Lei 9.868/99. Ademais, o artigo 102, I, ‘d’, da Constituição Federal tem previsão expressa sobre isso. É claro que alguém vai dizer que essa medida é impossível, porque esbarraria na Súmula 268 do STF, que dispõe que “não cabe Mandado de Segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado”. No entanto, essa regra vem sendo flexibilizada. Senão, vejamos.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu que é lícito o uso do writ contra as decisões transitadas em julgado dos Juizados Especiais, para a realização do seu controle de competência, uma vez que a Lei 9.099/95 veda o uso da ação rescisória no seu âmbito (STJ, 3ª T., RMS n. 30.170/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 05/10/2010).

Qual foi o raciocínio por detrás dessa decisão? Muito simples. Foi o de não deixar uma injustiça convalidar-se no tempo, só por causa de uma filigrana processual. Entre permitir que a ilicitude convalescesse, só porque não se pode ajuizar ação rescisória nos Juizados Especiais, ou encontrar uma saída razoável para a solução do problema, optou-se por utilizar-se essa última.

Até mesmo a coisa julgada já vem sendo relativizada, em casos excepcionais, quando demonstrado que a sentença, acobertada pela res iudicata viola diretamente o texto constitucional.

Desse modo, por que não se permitir o manejo do mandado de segurança para se contestar a nulidade dos acórdãos das duas ADIs? Ora, caso o STF não mude seu posicionamento ex officio ou pela provocação dos Embargos de Declaração aviados nas duas ADIs, e caso a ADC seja rejeitada, tem-se como uma boa e correta opção a impetração de mandamus pela OAB, haja vista a discrepância indesejável cometida pela maioria dos ministros do STF. E, para se por em prática tal medida, não é preciso nem mesmo aguardar o trânsito em julgado de qualquer uma das ADIs.

Por fim, na hipótese de todas as outras medidas terem fracassado, ainda resta o direito de petição, assegurado pelo artigo 5º, XXXIV, ‘a’, da Constituição: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”.

É, destarte, uma saída a mais para que o STF possa rever o posicionamento adotado nas duas ADIs, mas, para que funcione, é importante que se peticione antes do trânsito em julgado dos processos, para se evitar eventual resposta do Judiciário no sentido de que a prestação jurisdicional já se exauriu.

Como se pode ver ao longo desse pequeno tópico, há uma série de medidas, ao alcance da OAB, para fazer cessar o equívoco do egrégio STF no que diz respeito à incorreta declaração de inconstitucionalidade de todo o inciso IX do artigo 7º da Lei 8.906/94. Apesar de não concordarmos, a única parte desse dispositivo legal que pode ser tida como inconstitucional é a expressão “após o voto do relator”, cuja explicação já foi trazida a lume ao longo desse trabalho.

Com efeito, data venia, de nada adiantará a OAB tomar todas as medidas corretas se o STF não quiser entender a dúvida criada por ele próprio. É o juiz que diz, com o auxílio das partes, e por meio de decisões fundamentadas, o que a lei quer dizer, todavia, quando isso é feito com abuso de direito, então está se negando a prestação jurisdicional e violando-se diversas regras constitucionais, em especial o artigo 5º, XXXV, que consignou o princípio da inafastabilidade da jurisdição, e prega que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário.

Por fim, o que nos causa bastante surpresa é o fato de a Constituição Federal prever, no seu texto, a possibilidade de se tomar medidas para a revisão ou cancelamento de súmula vinculante, conforme reza o artigo 103-A, parágrafo 2º, contudo, não há nenhum instrumento similar para as decisões tomadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade e nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade. Por que isso? Por que esse tratamento diferenciado para dois institutos, diferentes, mas que possuem efeito final bastante similar?

Trata-se de uma enorme contradição, tendo em vista que, nos termos do artigo 103-A, que cuida das súmulas vinculantes, e do artigo 102, parágrafo 2º, que regula as ADIs e as ADCs, haverá a vinculação daquilo que se decidir. Em outras palavras, o poder de uma súmula vinculante ou de uma decisão em sede de ADI ou de ADC é muito mais forte e importante que a própria lei, na medida em que essa é passível de interpretação pelos magistrados e pela administração pública, já as demais, não. Fica, portanto, a recomendação para que seja modificada a nossa legislação, a fim de se criar mecanismos que possam permitir a revisão das decisões tomadas nas ADIs e nas ADCs, nem que seja por um curto espaço de tempo. Precisamos refletir sobre isso.

Com a crise do Poder Judiciário, cuja maior causa é o excesso de processos, tem-se que a sustentação oral é uma das mais importantes ferramentas ao alcance do advogado.

Nos tribunais, quem, em princípio, tem melhor conhecimento do objeto do recurso é o seu relator. O revisor e o vogal, por força do Regimento Interno dos tribunais, passam a ter maiores dificuldades na apreciação dos processos a que estão vinculados.

Outro fato de suma importância é o do grande volume de serviço que assola os nossos tribunais. Não bastasse, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem exigido que toda a magistratura julgue o maior número de processos possíveis (Meta 2) e que também adotem as súmulas dos tribunais superiores (artigo 5º, ‘e’, da Resolução 106/2010). A consequência do somatório desses dois fatos juntos é o de se ter, cada vez mais, magistrados mais preocupados com a quantidade, ao invés da qualidade e, para ajudá-los a fazer isso, poderão apenas transcrever os enunciados das súmulas dos tribunais superiores ou das ementas da jurisprudência dominante acerca do tema, sem se preocuparem com as particularidades da lide. Também deve ser ressaltado que, quanto maior o volume de processos, e menor o prazo para decidi-los, a chance de ocorrer algum tipo de erro cresce. O magistrado é um ser humano, logo, é suscetível de erro. Esse é, provavelmente, o principal fundamento do princípio do duplo grau de jurisdição.

Diante desse quadro difícil pelo qual atravessa o Judiciário brasileiro, vemos a sustentação oral como um meio de prova de grande excelência e presteza, pois, por pelo menos 15 minutos, há a certeza de que os membros julgadores no tribunal ouvirão as razões recursais de uma ou ambas as partes. Durante esse período, pode o advogado chamar atenção para os detalhes da lide, documentos importantes, testemunhos ou depoimentos aos quais não se deu o devido valor, ou até mesmo demonstrar que, ao caso concreto, não se pode aplicar determinada súmula ou jurisprudência dominante (distinguishing).

No afã de ter que decidir centenas de processos, em tão curto espaço de tempo, aumenta a chance de erro e diminui a chance de o desembargador verificar que a parte fática do caso concreto não se amolda à súmula ou à jurisprudência majoritária que pretende adotar. A possibilidade de o advogado da parte poder se dirigir, oralmente, aos julgadores do recurso, é um mecanismo de suma importância que não pode ser deixado de lado sob o pretexto de que haveria maior demora nas sessões de julgamento.

Do ponto de vista dos princípios constitucionais, restringir o direito à sustentação oral do advogado importa em grave restrição ao contraditório e à ampla defesa (artigo 5º, LV, da Constituição Federal). O contraditório garante a participação do advogado no processo e, ao mesmo tempo, o poder de influir no resultado da decisão. Já a ampla defesa, que permite a produção de todos os meios de prova lícitos em Direito, é o instrumento para a consecução do contraditório.

Dessa feita, quando não se permite a sustentação oral no Agravo de Instrumento, especialmente por estarmos na era das liminares, onde muitas vezes esse recurso é mais importante que a própria apelação, está certamente ocorrendo violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, na medida em que não está se permitindo a interferência no processo com todos os meios de prova que o advogado da parte entende devidos e necessários.

Finalmente, não é preciso que os tribunais de segundo grau de jurisdição e os tribunais superiores aguardem decisão final das ADIs para começarem a agir em prol do jurisdicionado. Os simples fato de se ter na Constituição, como garantias fundamentais, o direito ao contraditório e à ampla defesa, por si só, já bastariam para se permitir a sustentação oral nos Agravos de Instrumento. Todavia, se quiserem optar pelo caminho mais fácil, basta que deixe as coisas como estão e se escore na corrente aparentemente legalista que nega esse direito ao advogado com base no artigo 554 do CPC. Em suma: o julgamento de um Agravo de Instrumento, sem que seja permitida a sustentação oral do advogado, é violação às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, e, ao mesmo tempo, um desrespeito para com o jurisdicionado.

Não há a menor dúvida de que a sustentação oral é ferramenta indispensável do advogado para que possa galgar êxito nas suas lides. Especialmente com o grande aumento das antecipações de tutela, concedidas ou indeferidas, tanto nas ações comuns quanto nos Mandados de Segurança e ações coletivas, percebe-se que a chance de sucesso cresce com a possibilidade de sustentação oral no recurso de Agravo de Instrumento. Todavia, em razão do equivocado entendimento criado pela maioria dos ministros do STF, o jurisdicionado está ficando seriamente prejudicado. Por conseguinte, o acesso à Justiça não está sendo pleno, como deveria, e isso não está situado entre os melhores propósitos do Estado Democrático de Direito.

As duas ADIs propostas, ainda em tramitação, não podem prosperar no tocante à inconstitucionalidade total do inciso IX, do artigo 7º, da Lei 8.906/94. Se se quiser manter a decretação de inconstitucionalidade da parte do artigo que diz que “a sustentação oral será proferida após o voto do relator”, não é de todo errado, muito embora entendemos ser constitucional tal medida, especialmente porque o advogado poderá rebater eventuais equívocos do voto. Todavia, a constitucionalidade da regra de se poder sustentar em todos os recursos é gritante. Os diversos vícios já facilmente comprovados, que pairam sobre as duas ADIs, não podem ser ignorados pelo STF.

Portanto, o que se espera, com essas considerações, é que o STF reveja o seu posicionamento adotado até o presente momento e que a OAB continue lutando, firmemente, em prol da classe dos advogados, pois não existe democracia sem advogados, e tentar enfraquecer a nossa classe é um desrespeito ao adequado cumprimento dos direitos fundamentais. É a cidadania enaltecida.

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