Evolução protetiva

Direito Penal deve proteger bens difusos

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30 de maio de 2011, 9h31

A pertinência do tema reflete-se na necessidade de aprofundamento dos estudos sobre a eficácia da proteção dos bens difusos pelo Direito Penal, que pelo princípio da subsidiariedade só deve atuar como ultima ratio. Importa, neste aspecto, uma investigação sobre a mudança de paradigmas na dogmática do Direito Penal brasileiro a partir da globalização e do alastramento da necessidade de proteção dos interesses difusos.

Essa mudança de paradigma implica necessidade de se analisar o Direito Penal sob uma nova visão. Todavia, não se pode regredir quanto às conquistas humanísticas do Direito Penal nos últimos tempos, impulsionadas por rupturas principiológicas. Logo, é preciso encontrar uma forma de se atender aos novos anseios da sociedade sem, contudo, hipertrofiar o Direito Penal.

Os bens difusos são de extrema importância e a discussão sobre sua proteção cresce no nosso cotidiano. Em decorrência desta relevância, deve ser protegido da melhor forma possível. Ocorre que a solução dos problemas específicos da sociedade de risco tem sido imposta ao Direito Penal, muitas vezes de forma equivocada. É preciso refletir como o Direito Penal deve ser utilizado para se alcançar uma proteção eficaz dos bens difusos.

Os bens difusos e a tutela penal têm sido alvo de análises de juristas no decorrer dos tempos e será objeto de reflexões mais fecundas no interior do projeto de pesquisa. Observe-se o conceito de bens jurídico-penais de natureza difusa exposto por Gianpaolo Poggio Smanio[1],

Os bens jurídicos penais de natureza difusa, que também se referem à sociedade como um todo, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar a coletividade. São, igualmente, indivisíveis em relação aos titulares. Os bens de natureza difusa trazem uma conflituosidade social que contrapõe diversos grupos dentro da sociedade, como na proteção ao meio ambiente, em que os interesses econômico industriais e o interesse na preservação ambiental se contrapõem, ou na proteção das relações de consumo, contrapostos os fornecedores e os consumidores, na proteção da saúde pública, no que se refere à produção alimentícia e de remédios, na proteção da economia popular, da infância e juventude, dos idosos etc. (Grifos do autor).

Desse contexto, conceituam-se bens jurídicos penais difusos como aqueles concernentes à sociedade como um todo, dos quais os seus membros, individualmente considerados, não possuem disponibilidade, que são indivisíveis e traduzem uma conflituosidade social, como por exemplo, o meio ambiente e as relações de consumo.

Diversos autores afirmam a necessidade de tutela dos bens difusos pelo Direito Penal, mesmo observando o seu caráter subsidiário. Veja-se o que afirma Ivete Senise Ferreira.

O Direito Penal, parte integrante desse ordenamento jurídico, não pode assim deixar de oferecer a sua contribuição para essa missão salvadora, justificando-se a sua intervenção não somente pela gravidade do problema e pela sua universalidade, mas também porque o direito ao meio ambiente, na sua moderna concepção, insere-se entre os direitos fundamentais do homem, os quais incumbem tradicionalmente ao Direito Penal defender, como ultima ratio.[2]

Convém demonstrar que a proteção dos bens difusos pelo Direito Penal deve se realizar sem ferir o princípio da subsidiariedade. Entretanto, é preciso ter cautela na criminalização de determinados ilícitos, sob pena de não só violar os princípios penais, como também violar as garantias constitucionais. É preciso que o legislador e os juristas estejam bastante atentos ao utilizar o Direito Penal no amparo destes bens, para não se criar um diploma legislativo inaplicável e ineficaz.

Há sustentáculo doutrinário para a proteção dos bens difusos pelo Direito Penal, inclusive há autores que afirmam ser essencial essa proteção para o presente e o futuro do Direito Penal. É o caso de Figueiredo Dias que ao criticar a restrição dos bens jurídico-penais a interesses puramente individuais aduz.

É, em meu juízo, no aprofundamento e esclarecimento do estatuto desta classe de bens jurídicos – cujo reconhecimento, de resto, não afetará a natureza em última instância "antropocêntrica" da tutela penal – que reside, no futuro próximo, a tarefa primária da doutrina que continue a fazer radicar a função exclusiva do direito penal na tutela subsidiária de bens jurídicos. [3]

O abrigo no Direito Penal, todavia, não é garantia de eficácia na proteção dos bens difusos. Não bastassem os excessos legislativos na criação de tipos penais, gerando uma hipertrofia do Direito Penal, bem como indo de encontro aos princípios norteadores deste ramo do Direito, há construções de natureza político-criminal que vislumbram no Direito Penal a solução dos problemas sociais.

Contudo, não se pode mais retroagir. As relações sociais na modernidade, com amplo desenvolvimento tecnológico, mega-estrutura de produção e consumo que, quando indevidamente aplicados, comprometem a existência dos seres humanos, da flora, da fauna, os recursos minerais, etc. Isto acaba por trazer a necessidade de se proteger esses bens de forma firme, e o Direito Penal que sempre resguardou bens destacadamente de outra natureza, assume um papel crucial nessa nova esfera protetiva.

Com a globalização surge a denominada sociedade do risco e o risco advindo de fenômenos da natureza ou produzido pela sociedade deve ser gerido pelo poder público.

A justificativa deste artigo reside exatamente na necessidade de se ponderar as garantias do Direito Penal para se proteger os bens difusos de forma eficaz, sem que com isso haja descumprimento dos princípios penais, principalmente, o da subsidiariedade. Daí a importância da abordagem científica desta temática que, decerto, contempla inúmeros desafios, merecendo uma cautelosa incursão na seara das teorias penais modernas e os reflexos das quebras de paradigmas no Direito Penal.

A relevância do presente estudo se justifica pela análise de uma problemática que está no núcleo das discussões do Direito Penal atual. Por outro lado, exige-se uma releitura do garantismo penal e do dito Direito Penal do risco. Faz-se necessário intentar um exame flexível das garantias do Direito Penal moderno, para que a proteção dos bens supra-individuais ocorra de forma eficaz.

Este trabalho projeta-se na tentativa de estabelecer paralelos entre aspectos principiológicos do Direito Penal e a eficácia da sua atuação diante da violação de bens difusos. Hodiernamente, não se concebe a salvaguarda de direitos sem uma interpretação hermenêutica compatível com os novos paradigmas axiológicos, apoiados, sobretudo, na constitucionalização do Direito Penal, presentes no esforço de reconstrução dos institutos peculiares ao Direito Público.

Trata-se, ademais, não somente de romper com determinados princípios da dogmática penal, em face de sua questionável validade, mas de remodelar a atuação do intérprete das normas à luz dos direitos de terceira dimensão.

Debate-se, deste modo, como inserir, permanente e continuamente, a tábua axiológica constitucional no Direito Penal, intensificado com o advento de novos diplomas legislativos, codificados ou extracodificados, concluindo que, o desafio do jurista atualmente é harmonizar as fontes normativas aos valores e princípios constitucionais.

Este estudo é estimulado pela evolução da proteção dos bens difusos e de uma quebra de paradigmas nas teorias criminalistas, que passam a enfrentar um mundo globalizado, no qual o Direito Penal precisa equilibrar e flexibilizar garantias individuais quando o sujeito ativo de um delito fere um bem supra-individual.

Destarte, por derradeiro, o tema requer estudo e análise do Direito Penal na proteção de bens difusos, para que os princípios penais sejam observados, com supedâneo das normas constitucionais. Caso, este artigo consiga despertar o estudo para o tema tratado, alcança-se já o seu mister.


[1] SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal dos interesses difusos. São Paulo: Atlas, 2000. p. 108.

[2] FERREIRA, Ivete Senise. A tutela penal do patrimônio cultural. São Paulo: RT, 1995. p. 67-68.

[3] FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Questões fundamentais do Direito Penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999. p. 74.

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