Função dúplice

Deputado não está proibido de prestar consultoria

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27 de maio de 2011, 17h45

O Ministério Público Federal no Distrito Federal já abriu investigação para apurar se o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, enriqueceu ilicitamente ao prestar consultoria enquanto foi deputado federal. Em meio ao alvoroço político, especialistas em Direito Público avisam: não é proibido que parlamentares sejam consultores, e a ilicitude do aumento do patrimônio de que Palocci é acusado pode acontecer independentemente do deputado ser consultor, empresário, advogado ou médico, como a maioria deles é.

O jornal Folha de S. Paulo revelou que o ministro multiplicou seu patrimônio por 20 em quatro anos (2006-2010), quando acumulou as funções de deputado federal e consultor. No ano passado, sua empresa de consultoria, Projeto, teve um faturamento bruto de R$ 20 milhões.

De acordo com Silvio Garrido, do Leite, Tosto e Barros advogados, não há nenhum impedimento para parlamentares exercerem outra profissão em paralelo ao mandato.

Quanto a isso, o professor de Direito Econômico do Mackenzie, Felipe Chiarello, defende que exista uma profissionalização do parlamentar, que determine que no período da legislatura "só se dedique ao cargo, para que não seja procurado apenas pelo poder que os colegas da mesma classe não têm".

Nesse aspecto, reconhece que ser parlamentar atribui um status diferente em todas as profissões. "Infelizmente no Brasil não há regulamentação que afaste essa função de legislador da esfera profissional." Além disso, o professor defende que exista quarentena para as funções de governo, como de ministro de Estado. Menciona, por exemplo, o benefício que um ex-consultor da Receita Federal terá, em relação a seus concorrentes, ao deixar o cargo e passar a prestar consultoria tributária.

Rafael Maffini, do Rossi, Maffini & Milman Advogados, explica que as limitações constitucionais aos deputados constam do artigo 54 da Constituição Federal. Segundo ele, "da leitura gramatical desse dispositivo a vedação à consultoria não é ali referida". Ele observa que o artigo é praticamente reprodução do Código de Ética da Câmara dos Deputados. O advogado pensa que seria conveniente a existência de uma quarentena, "nos moldes do que ocorre com magistrado e com dirigentes de agências reguladoras", mas observa que mesmo com as normas jurídicas vigentes, o caso do ministro merece algumas ponderações.

O advogado explica que a situação pode ensejar alguns tipos de responsabilização, se demonstrado que a atividade de consultoria não ocorreu, "tendo os pagamentos destinados à pessoa jurídica servido para qualquer tipo de burla, por exemplo, à legislação eleitoral". Nesse sentido, supõe: "Imagine-se, por exemplo, pagamentos feitos por uma concessionária de serviços públicos, que não pode fazer doações de campanha, caso comprovado que nenhum serviço foi prestado. Do mesmo modo, poderia restar caracterizada infração penal e político-administrativo, caso demonstrado que tais valores foram pagos, não para remunerar determinado serviço de consultoria, mas como contraprestação a ‘serviços’ prestados em determinada situação de advocacia administrativa".

Jacintho de Arruda Câmara, professor de Direito Administrativo da PUC-SP, e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), também concorda que estabelecer a existência de um período de quarentena seria importante, mas entende que no caso de Palocci não é essa a questão. Isso porque o problema é saber se ele usou ou não a influência que ainda tinha no governo quando prestou a consultoria, "e isso não é impedido por quarentena, mas pela lei, que proíbe corrupção passiva".

Nesse ponto, lembra que no tipo penal da corrupção passiva é incluído o recebimento de vantagens indevidas, "ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela".

Colegas
Felipe Chiarello chama atenção para o fato que, além de não haver restrição a exercer outra profissão junto com a de deputado, vários parlamentares, inclusive dos partidos que denunciam Palocci, também o fazem.

Nesse sentido, lembra que entre 2006 e 2008 ACM Neto (DEM-BA) quase dobrou seu patrimônio, que evoluiu de R$ 820 mil para R$ 1,6 milhão. A assessoria do deputado declarou à época que o aumento é compatível com o rendimento do parlamentar e que também foi fruto da venda de bens da família.

Por conta disso, diz que essa acusação contra Palocci "pode ser tiro no pé" por acreditar que "se formos investigar no Congresso Nacional quem teve muito enriquecimento vai ser muita gente". O especialista em Direito Público acredita que deve ser feita uma investigação mais completa e ampla no Congresso, nesse sentido.

O "MPF tá aí pra isso", observa, dizendo que o órgão tem função de fiscalizar esse tipo de conduta, em que ocorre falta de decoro parlamentar.

Hipóteses
O vice-presidente da SBDP explica que como não é proibido parlamentar prestar consultoria, para que algum ilícito penal ou administrativo seja identificado na sua conduta deve ser demonstrado que ele exerceu algo como tráfico de influência, concedeu informação privilegiada, ou intercedeu no governo para favorecer alguma empresa.

Sobre o pedido dos parlamentares de que Palocci esclareça os serviços prestados pela empresa e os respectivos clientes, o professor explica que o Congresso Nacional pode convocar, se aprovado na comissão competente, qualquer ministro de Estado pra prestar esclarecimento, mas observa que esse é o caso de um controle de índole política.

Jacintho Câmara diz que se ao comparecer após essa convocação os esclarecimentos do ministro forem considerados insuficientes, o Congresso pode constituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o caso, e a comissão tem poderes como colher depoimento de outras pessoas e solicitar quebra de sigilo.

Chiarello, por sua vez, deixa claro que se descobertos indícios de atividades irregulares da consultoria, não seria o caso de acusação por improbidade administrativa, já que não exerceu função administrativa nessa situação. Se provado favorecimentos, acredita que seria caso de acusação por prevaricação.

Público e privado
Chiarello critica outra situação que não a do ministro, mas que considera incompatível. Aquela em que ministros de Estado, que exercem função administrativa, também assumem funções privadas. Nesse aspecto, cita o ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, que continuava fazendo shows enquanto assumia o cargo público.

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