Mudanças jurisprudenciais

Na Semana do TST, jurisprudência é revista

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26 de maio de 2011, 13h22

No dia 1º de março do ano de 1943, como se sabe, Getúlio Vargas, em um gesto grandiloquente, anunciava a promulgação de uma Carta de Direitos dos Trabalhadores, no Estádio de São Januário. A Consolidação das Leis do Trabalho, além de compilar o resultado da intensa produção legislativa ocorrida na década anterior, supriu os claros normativos deixados pela normatização trabalhista pulverizada por categorias profissionais, como se recorda.

Passados quase 70 anos da sua edição, pode-se dizer que o texto dá sinais de uma certa fadiga, muito embora, entre os seus preceitos, possa ser identificado um núcleo de direitos e garantias fundamentais reputados atemporais e mesmo universais, por espelharem um patamar mínimo de dignidade assegurado aos trabalhadores.

Seja como for, é inegável que o texto está a exigir uma depuração das suas principais obsolescências, sobretudo quanto às incompatibilidades que se divisam entre os seus dispositivos e a atual Carta Constitucional, tanto no tocante ao Direito Material do Trabalho – como ocorre no caso do percentual do adicional de horas extras (v.g. o artigo 59, parágrafo 1º, da CLT, que fixa o adicional de horas extras em 20%, enquanto o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição estabelece um adicional mínimo de 50% para o serviço extraordinário), do capítulo da estabilidade decenal (especialmente o artigo 492 que assegura tal garantia de emprego substituída pelo regime do FGTS positivado constitucionalmente) , do aviso prévio de 8 dias (artigo 487 da CLT fala de um aviso prévio de 8 dias e o artigo 7º, inciso XXI, da Constituição prevê o mínimo de 30 dias) -, como em relação ao processo do trabalho – como se dá no caso da referência que ainda se faz às Juntas de Conciliação e Julgamento (em todo o Capítulo II do Título VIII da CLT), órgãos colegiados e paritários que desapareceram com a Emenda Constitucional 24/1999, a qual selou o fim da representação classista na Justiça do Trabalho.

Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho não se furtou à sua missão institucional de uniformizar a interpretação da legislação federal trabalhista, o que exigiu não só a fixação do alcance semântico, mas a própria atualização de sentido das normas trabalhistas consolidadas. Para isso, aprovou, no curso de sua existência, mais de 1.000 verbetes, computadas as então 425 súmulas (agora, passarão a 429), 694 orientações jurisprudenciais (13 do Tribunal Pleno, 411 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais ou SbDI-1, 76 transitórias, 156 da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais ou SbDI-2, 38 da Seção de Dissídios Coletivos – SDC), e 119 precedentes normativos (serão 120, a partir da próxima semana).

Convém notar que, suprindo a inércia do legislador, a jurisprudência da Corte Superior Trabalhista gestou e passou a albergar novos institutos, como as conhecidas “horas in itinere” os minutos residuais, contemplados, inicialmente, apenas em textos sumulares (Súmulas 90 e 366 do TST) e que, posteriormente, migraram para o artigo 58, em seus respectivos parágrafos 1 º, 2º e 3º, da CLT.

Em virtude da dispersão dos temas entre os vários instrumentos de cristalização jurisprudencial e do natural processo de desatualização a que foram submetidos, com o advento de alterações legislativas supervenientes, no ano de 2003, o Tribunal houve por bem proceder a uma abrangente revisão de sua jurisprudência, o que resultou em uma ressistematização de seus verbetes, com a reunião de orientações jurisprudenciais e súmulas que versavam sobre as mesmas matérias (tal como se verificou, ilustrativamente, com a redação conferida à Súmula 6 sobre equiparação, a qual incorporou várias orientações jurisprudenciais), além de conduzir à edição e cancelamento de diversas súmulas.

Após quase uma década, no dia 16 de maio deste ano, inaugurou-se a “Semana do TST”, que foi saudada como uma nova oportunidade para que os ministros pudessem fazer uma reavaliação de sua jurisprudência consolidada, desta vez de uma maneira mais pontual – em que foram debatidas apenas as questões mais polêmicas -, assim como de suas normas institucionais.

O presente texto tem por escopo oferecer uma primeira e ainda perfunctória apresentação dos principais aspectos que foram objeto de modificação apenas no plano jurisprudencial.

Qualquer avaliação sobre os impactos das medidas adotadas, naturalmente, revela-se precipitada. Ainda é muito cedo para aquilatar os desdobramentos de tal “reforma” jurisprudencial, mas podem ser inferidas algumas inclinações a partir das alterações introduzidas.

No tocante ao direito material, pode-se afirmar, de início, que se acentuou a ênfase protetiva no concernente aos limites da negociação coletiva, particularmente em matéria de segurança e saúde do trabalho, o que se pode extrair do cancelamento[1] da Súmula 349 e do item II da Súmula 364 e da Orientação Jurisprudencial Transitória 4 da SbDI-1.

Também pode ser observada uma maior reverência ao princípio protetivo na alteração da redação da Súmula 291, com a inserção da possibilidade de indenização pela supressão de horas extras habituais mesmo na hipótese de supressão parcial.

Entre os temas mais controvertidos no âmbito material, figurava a questão da responsabilidade trabalhista em caso de terceirização e de contrato de empreitada, a respeito dos quais versavam a Súmula 331 e a Orientação Jurisprudencial 191 da SbDI-1.

Em relação ao primeiro verbete, a principal discussão residia na definição do impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal no ADC 16, em que se reconheceu a constitucionalidade do artigo 71 da Lei 8.666/1993, que, em tese, isentaria os entes públicos da responsabilidade pelos créditos trabalhistas não adimplidos pelas empresas prestadoras de serviços contratada por meio de procedimento licitatório. Entretanto, em face da própria sinalização do STF no sentido de que, não obstante o reconhecimento da constitucionalidade do aludido dispositivo legal, seria possível a responsabilização da Administração Pública, em caso de demonstração de culpa “in vigilando” ou “in eligendo", os julgamentos no TST que se seguiram à referida decisão do STF mantiveram, em regra, a imputação de responsabilidade à Fazenda Pública, nos casos em que as instâncias ordinárias consignaram a existência de culpa. Nessa mesma direção, seguiu a alteração que se verificou no texto da Súmula 331 do TST, que incorporou a diretriz estabelecida pela Suprema Corte, nesse particular. Além disso, na esteira do entendimento já consensual de suas Turmas e mesmo da SbDI-1, foi definido o alcance da responsabilização subsidiária, que abrange todas as verbas trabalhistas devidas pelo prestador de serviços. Releva assinalar, ainda, que foi rejeitada a proposta de incorporação à Súmula 331 da Orientação Jurisprudencial 383 da SbDI-1, que trata da isonomia entre terceirizados e empregados do tomador de serviços.

Já quanto à Orientação Jurisprudencial 191 da SbDI-1, que trata da responsabilidade do “dono de obra” em contrato de empreitada, permaneceu praticamente incólume, mesmo depois de intensos debates em torno de seu possível cancelamento. A única modificação em sua redação refere-se à alusão ao objeto específico da empreitada, que seria a construção civil, para justificar a isenção de responsabilidade do “dono de obra”.

No plano processual, percebe-se a reafirmação de um certo rigor formal na análise dos pressupostos processuais dos recursos trabalhistas, com a edição da Súmula 426 do TST, que exige o recolhimento do depósito recursal, necessariamente, na Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social – GFIP, afastando a possibilidade de se utilizar a “Guia para Depósito Judicial Trabalhista” para esse fim (procedimento cuja validade já contava com alguns precedentes no TST), embora admita o depósito judicial “realizado na sede do juízo e à disposição deste, na hipótese de relação de trabalho não submetida ao regime do FGTS”.

Um ponto de grande impasse relativamente às regras processuais trabalhistas foi a proposta de cancelamento da Súmula 219 do TST acerca dos requisitos para a concessão dos honorários advocatícios, na Justiça do Trabalho. Ao fim dos debates, findou-se por manter a restrição extraída da Lei 5.584/1970 quanto à necessidade de reconhecimento dos benefícios da justiça gratuita e de assistência sindical. Foi, contudo, alterado o item II da súmula, para se passar a admitir a concessão de honorários em ação rescisória, além de ter sido acrescido o item III, referendando-se a previsão da Instrução Normativa 27/2005 quanto às lides não-empregatícias, nas quais os honorários podem ser deferidos em face da simples sucumbência, além de se autorizar a concessão na substituição processual realizada por entidade sindical.

Em relação à distribuição do ônus da prova, é de se notar que, se de um lado, o encargo probatório quanto aos requisitos para concessão de vale-transporte deixou de ser imputado, necessariamente, ao empregado, com o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 215 da SbDI-1, de outro lado, pode não incumbir mais, de forma absoluta, ao empregador a prova do recolhimento do FGTS, graças ao cancelamento da Orientação Jurisprudencial 301 da SbDI-1.

Para uma melhor e mais panorâmica compreensão das mudanças jurisprudenciais aqui aludidas, são apresentadas, de forma tópica e em um quadro comparativo, as inovações mais relevantes que foram aprovadas na última Sessão do Tribunal Pleno do TST, ocorrida em 24 de maio de 2011.


[1] Sobreleva notar que o mero cancelamento de uma súmula ou orientação jurisprudencial não autoriza a conclusão de que, inexoravelmente, houve a adoção de tese em sentido contrário pela Corte, mas a possibilidade de os seus órgãos jurisdicionais fracionários poderem decidir de forma mais livre, uma vez desvinculados da disciplina judiciária que os obrigava a observância da diretriz antes fixada.

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