Ressocialização do detento

Estado do estrangeiro liberto precisa de regularização

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22 de maio de 2011, 5h50

O Brasil já há alguns anos tem sido visto como um principal ponto do eixo internacional do tráfico de drogas. No dia 4 de maio, a Polícia Federal deflagrou a Operação Niva, com o objetivo de desmantelar uma organização criminosa internacional ligada ao tráfico de drogas, instalada e estruturada no país, e formada em sua maioria por cidadãos sérvios.

Chama a atenção e à discussão o caso de um dos presos na aludida operação, um cidadão estrangeiro que se encontrava em cumprimento de pena no país, solto em virtude de progressão ao regime semi-aberto, e que seria parte atuante da organização criminosa, porém, sem indicação de família ou residência que justificasse a sua permanência no país.

Ressalte-se que milhares são os casos em que estrangeiros são liberados pelo Poder Judiciário brasileiro, sejam em livramento condicional ou regime semi-aberto, casos em que tais estrangeiros possuem em seu desfavor a Portaria Ministerial de Expulsão, emitida e publicada no Diário Oficial da União pelo ministro da Justiça, e que em sua grande maioria não possuem família, residência fixa ou possibilidade de conseguir emprego em condições dignas, já que não possuem permissão de trabalho ou de permanência regular no país, mas aqui devem permanecer por determinação judicial, até o cumprimento final de sua pena corporal imposta.

Tal situação atrai muitas vezes o estrangeiro ao retorno à marginalidade, ainda que por inexigibilidade de conduta diversa, já que soltos do sistema carcerário, a grande maioria ali foi inserida quando tinha ainda poucos dias no país, presa como “mula” do tráfico internacional de drogas, e aqui nada conhece, não tem onde morar, e sequer tem condições de conseguir alimentos para a sua subsistência no país, e soltos, são alvos fáceis de criminosos que os utilizam em novas empreitadas.

Não há de se desconsiderar aqui o importante papel de ONGs que atuam no sentido de ajudar tais estrangeiros, ao menos quanto à parcela feminina dos estrangeiros soltos em benefício na Execução, mas sabe-se que isso se dá por um período de tempo curto, já que muitas são as necessitadas nessas condições. Já na parcela masculina, tal situação não é atendida, e os recém liberados do sistema fechado, com pena a cumprir, devem prover sua própria subsistência, e permanecer no país, onde também muitas vezes por necessidade aderem ao trabalho informal, em condições não muito dignas, sem procurar a proteção das leis trabalhistas brasileiras, talvez por desconhecimento de sua condição universal de ser humano.

Veja-se que em muitos casos, os próprios estrangeiros (as) soltos do sistema prisional, mas em cumprimento final de pena, comparecem na sede da Polícia Federal em São Paulo e em outros estados, e imploram para serem expulsos para seu país de origem, pois não tem as mínimas condições de aqui permanecerem ante as situações acima expostas, e em alguns casos suas famílias no exterior até se oferecem para pagar suas passagens de retorno, mas a recusa é de praxe ante à negativa do Poder Judiciário neste sentido.

E não há que se falar aqui no instituto da transferência de presos, já que ali se exige a existência formal de acordo bilateral entre países, além de requisitos questionáveis, onde por exemplo, os requerentes devem desistir de suas apelações, já que não deve existir processo em curso para o deferimento da transferência pelo Ministério da Justiça, questão esta presente na grande maioria dos tratados de transferência de presos firmados pelo Brasil.

Alguma aproximação aos juízes da Execução em São Paulo já foi feita, por um grupo formado por Delegados Federais, advogados, representantes de ONGs, defensores públicos da União e dos estados, no sentido de se solicitar a expulsão daqueles estrangeiros que se encontravam em cumprimento final de pena, e como tal fora do sistema carcerário, e que tivessem em seu desfavor a publicação da Portaria Ministerial de Expulsão, mas segundo explicam alguns, principalmente na execução feminina onde a recusa é a regra, ouvido os representantes do Ministério Público, há a determinante idéia de que tal situação geraria um sentimento de impunidade no país.

E aqui se questiona: Qual é a impunidade aplicada a um cidadão estrangeiro que solto em benefício em execução, após permanecer recluso no sistema carcerário brasileiro, um dos piores do mundo, diga-se de passagem, restando apenas alguns meses para cumprimento final de pena, é expulso do país para aqui nunca mais regressar (artigo 338 do CP)?

E aliás, olhando-se por este lado, há que se analisar o sentido, ou a finalidade última da pena. Na visão clássica da finalidade da pena defendida por Cesare Beccaria, entre outros, na primeira metade do século XIX, a pena era um mal imposto ao indivíduo, que mereceria um castigo em vista de uma falta, considerada crime, involuntária ou conscientemente cometida. Desta forma punia-se o agente porque cometeu o crime. Da união da visão Clássica, Positiva, e outras posteriores, surge a Teoria Mista ou unificadora, adotada pelo Brasil (artigo 59 do CP) que unifica dois conceitos: a pena retributiva e ressocializadora (finalidade preventiva especial positiva). Assim a pena deve ter a finalidade preventiva e retributiva, com ênfase na ressocialização do indivíduo.

E aí novamente se questiona: Afinal, qual é o melhor lugar para o processo de ressocialização do estrangeiro solto em benefício em execução do que seu país de origem, onde ele entende o idioma, tem permissão para o trabalho, residência, e vive com seus entes queridos? Será que mantendo o estrangeiro no Brasil, nas condições anteriormente expostas, apenas por receio do sentimento da impunidade, é o mais adequado? Qual é o bem jurídico protegido que neste caso deve prevalecer, afinal deve a pena também ser reintegradora dos valores fundamentais da pessoa humana e da vida coletiva?

Ressalte-se que o artigo 67 da Lei 6.815/80, alterada pela Lei 6.964/81, traz o enunciado de que “Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação”, mas há que se lembrar que a lei em questão foi elaborada ainda no regime anterior, e que hodiernamente prevalece o princípio democrático de respeito às decisões emanadas pelos demais poderes, razão pela qual não deve o Executivo, embora possa, se conveniente ao interesse nacional, expulsar o estrangeiro do país sem a liberação pelo poder Judiciário.

A expulsão é por assim dizer um modo coativo de se retirar um estrangeiro do Estado onde ele de qualquer forma, atenta contra a segurança nacional, a ordem política e social, a tranqüilidade, a moralidade pública e a economia popular e se fundamenta na necessidade de defesa e conservação da ordem interna, ou na defesa das relações internacionais do Estado interessado. E de acordo com o artigo 66 da Lei 6.815/80, alterada pela Lei 6.964/81, cabe exclusivamente ao Presidente da República decidir quanto à conveniência e oportunidade da Expulsão ou sua revogação, e nos termos do artigo 22, XV da Constituição Federal de 1988, compete à União privativamente legislar sobre a Expulsão.

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