Crédito regulado

Operadores preveem possíveis mudanças no novo CDC

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21 de maio de 2011, 9h08

O anteprojeto de reforma do Código de Defesa do Consumidor, elaborado pela comissão de juristas designada pelo Senado, ainda é guardado a sete chaves. Em junho, termina o primeiro prazo para a entrega do texto final, mas ele pode ser prorrogado. Porém, os principais envolvidos já vislumbram as principais mudanças. Regimes diferenciados de tratamento a superendividados são a pauta do dia. O tema foi debatido em congresso de Direito Bancário organizado pela Federação Brasileira de Bancos nestas quinta e sexta-feiras (19 e 20/5), em São Paulo.

Palestrante convidado, o presidente da comissão, ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, enviou ao evento seu discurso em vídeo. Entre as razões da necessidade de uma revisão no código, ele destacou a presença crescente da internet — que sequer era tímida quando a norma foi criada, em 1990 — e as operações de consumo feitas por meio eletrônico. Um dos principais mentores do código, Benjamin afirmou que o tema do crédito, que debutará no texto legal após a revisão, não constou na primeira versão porque ela já era "tão complexa que não se deveria tratar detalhadamente" do assunto.

Ele também afirmou que, apesar de ser um problema, o superendividamento decorre, entre outros fatores, de índices positivos no país, como a democratização do crédito e "o acesso de milhões de brasileiros a contas bancárias e a um relacionamento mais duradouro com as instituições financeiras". No entanto, segundo ele, o quadro atual exige intervenções.

Na opinião do promotor de Justiça José Augusto Peres, que atua na defesa de consumidores no Rio Grande do Norte, embora a ideia da comissão seja fazer pequenos ajustes no texto em vigor, a proposta pode ser usada pelo Congresso para rever vantagens que os consumidores já obtiveram, mas que nem empresários nem parlamentares tinham noção dos efeitos na prática, quando da criação da Lei 8.078/1990. "No Congresso, uma microcirurgia pode virar uma mudança de sexo", alertou. Segundo ele, a nova lei também não pode deixar para o Judiciário a solução de problemas de superendividados. "Há Juizados que levam três meses para distribuir o processo, e outros três para fazer a primeira audiência. Uma pessoa nessas condições não pode esperar tanto", diz.

Para o advogado e professor da FGV-SP Ricardo Morishita Wada, ex-diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, o perigo de o sistema não se ajustar por si mesmo e lançar sobre o Legislativo a tarefa de regular o crédito pode sair pela culatra. "O Estado, quando regula, tem muita dificuldade em acertar", afirma. Ele defendeu a criação de práticas mais sadias por instituições financeiras, como a prestação de informações mais claras ao tomador de crédito, a introdução de uma fase de "aconselhamento" e de um "prazo de reflexão" antes que a dívida fique incontrolável.

Morishita também criticou a publicidade do setor. "Por que admitimos propagandas insinuando que crédito é gratuito?", questionou. Segundo ele, é justamente a ideia contrária, de que nada é de graça no mercado, que disciplinará o consumidor, o que pode ser incluído na proposta de revisão. "O que é fácil é o acesso ao crédito, mas ele não é de graça." No caso do devedor já em situação irreversível, o professor defendeu a renegociação global das pendências, levando em conta um "mínimo existencial" a ser parametrizado, e uma restruturação do passivo.

Vice-presidente do Itaú-Unibanco e da Febraban, Marcos Lisboa listou iniciativas que as instituições vêm tomando para reduzir os efeitos das superdívidas. "Bancos grandes fazem mais de 30 mil renegociações por mês", afirmou. Ele também citou iniciativa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que disse tentar levar a Procons de outros estados. A instituição consegue dos credores tratamento especial a quem reúne as seguintes condições: tem mais de 50% da renda comprometida, sofreu um infortúnio financeiro grave e demonstre dificuldade em compreender o funcionamento de produtos de crédito. "Mas o cidadão precisa levar carteira de trabalho, holerite e contas de telefone, para submeter suas finanças a um acompanhamento especial dos defensores", explica.

Segundo ele, a falta de informação sobre o tomador de crédito é justamente o que impede os bancos de avaliar corretamente as condições de pagamento. "Se não sabemos qual a renda e quantas dívidas a pessoa tem de forma confiável, como poderemos ajudar?" A dificuldade, ele diz, encarece ainda mais os produtos. "Se um não paga, os outros que são adimplentes arcam com o prejuízo, como num condomínio", compara.

A demora da Justiça na execução de dívidas é outro fator complicador, segundo Lisboa. "Uma pesquisa em 129 países publicada em 2007 mostra que quanto mais rápida é a execução de garantias, maior a participação do crédito no PIB, e menor é o spread bancário." No Brasil, de acordo com o executivo, a taxa média de juros bancários por ano é de 4%, o dobro da média mundial de 2%.

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