Figurando solenemente na segunda posição entre os 100 maiores litigantes do Judiciário brasileiro, atrás apenas da União, o setor bancário deve o feito ao poder público. "Metade das ações em que os bancos estão no pólo passivo das ações se devem aos planos econômicos, em que só se cumpriu a lei", disse nesta sexta-feira (20/5) o diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos, Antônio Carlos de Toledo Negrão, em congresso promovido em São Paulo. "A outra metade são ações trabalhistas, em que o INSS recorre em 100% dos casos, mesmo quando há acordo, o que acontece em um terço dos processos."
Negrão foi um dos palestrantes do painel "Litigiosidade", juntamente com a juíza Morgana de Almeida Richa, membro do Conselho Nacional de Justiça, e o professor de Direito do Ibmec Jairo Saddi, presentes ao 8º Congresso Brasileiro de Direito Bancário da Febraban. Para o diretor da entidade, das ações em que os bancos estão no pólo ativo — cobrança de dívidas — dificilmente se poderia abrir mão, devido a uma barreira tributária. "Não se pode deduzir mais do que 30% das perdas como despesa operacional", disse. Segundo ele, o setor bancário é responsável por R$ 1,7 trilhão em créditos concedidos, o equivalente a metade do PIB brasileiro.
Na opinião do professor Jairo Saddi, uma das razões pelas quais os bancos estão entre os mais demandados é a ideia de que as instituições podem arcar com as indenizações. "Bancos são apenas intermediários, já que os recursos são dos poupadores, o que as pessoas ainda não entendem", afirmou.
Segundo números do CNJ, os 100 maiores litigantes do Judiciário respondem por 25% das ações em tramitação. O setor público federal encabeça a lista, com 38% desse total. Logo após vêm os bancos, grupo que inclui instituições sob controle do Estado, como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, maiores responsáveis pelo crédito imobiliário e rural no país. Na sequência vem o setor público estadual, com 8% dos casos entre os 100 maiores, as operadoras de telefonia, com 6% e o setor público municipal, com 5%. "O Estado é o maior demandante porque não se dá o direito de transigir", lembrou Saddi.
"A crise do Judiciário é a crise da prestação de serviços", disse a conselheira Morgana Richa, do CNJ. De acordo com o último levantamento Justiça em Números, divulgado pelo órgão em 2009, tramitam no Judiciário 86,5 milhões de ações, que causam uma taxa de congestionamento de 71%. "A efetividade da Justiça é de apenas 29%, o que preocupa", afirma Morgana. Só a Justiça estadual responde por 69,2 milhões.
Ela, no entanto, elogiou o ritmo da produção dos juízes. Segundo o levantamento, entram 25,4 milhões de processos por ano, e são julgados 25,1 milhões. A conciliação, recentemente estimulada pelo CNJ com a regra que contabiliza pacificações de conflitos como critério de promoção de magistrados, é uma das respostas que podem reduzir a litigiosidade. Nas contas do órgão, 47% dos 86 milhões de ações tramitando poderiam acabar pela conciliação. Nesse sentido vai a recém-criada Resolução 125 do CNJ, que em novembro determinou a criação de núcleos de conciliação nos 56 tribunais do país.
Para Morgana, o enorme volume de processos — um para cada brasileiro, considerando duas partes diferentes por demanda — se deve principalmente à dubiedade das leis, muitas vezes intencional. Ela relatou debate ocorrido no CNJ sobre o ajuizamento de ação criminal com base na Lei Maria da Penha, dúvida comum no meio jurídico. "Há correntes que entendem que a ação é incondicionada, outros que não. Mas buscando a origem da norma, descobrimos que essa foi a intenção de quem elaborou o texto final, devido à falta de consenso sobre o assunto", conta. "Os textos normativos são feitos para agradar a todo mundo. Como é possível construir um sistema seguro com esse grau de possibilidades?", critica a conselheira.