Consultor Jurídico

Mandado genérico de busca e apreensão em escritório é inválido

20 de maio de 2011, 19h06

Por Marília Scriboni

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As provas colhidas no escritórios de advocacia, contra seus clientes, só terão valor legal quando forem fruto de mandado de busca e apreensão específico, e não genérico. O entendimento é da desembargadora federal Cecília Mello, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que invalidou todo material colhido em favor de um antigo cliente do Oliveira Neves Advogados, durante a famigerada Operação Monte Éden, da Polícia Federal. Com isso, a Ação Penal está suspensa.

Deflagrada em 2005, a operação buscou apurar a participação de membros da banca, pertencente ao advogado Newton José de Oliveira Neves, em um esquema de blindagem patrimonial. Na época, a 5ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, por meio de mandado genérico, determinou que inquéritos policiais autônomos investigassem a atuação de cerca de 200 empresas que usufruíam dos serviços do escritório.

Durante o processo de busca no Oliveira Neves, agentes da Polícia Federal descobriram documentos que indicavam a suposta participação do proprietário da Icec Indústria de Construção Ltda., uma das empresas suspeitas. No entanto, o nome da empresa não estava entre os investigados e, portanto, não constava na ordem de busca e apreensão.

No Habeas Corpus levado à Justiça Federal de São Paulo, como informa a decisão da desembargadora Cecília Mello, "o paciente, na qualidade de sócio e diretor presidente, foi surpreendido por medida cautelar de busca a apreensão em sua residência para apuração dos fatos envolvendo suposta conduta ilícita daquele escritório de advocacia".

Diante dos fatos, o empresário rescindiu o contrato com a banca. Nas palavras da desembargadora, "diante da lisura e seriedade das orientações jurídicas prestadas pelo aludido escritório, contratou renomado escritório de advocacia para avaliação jurídica das operações realizadas pela empresa".

Mesmo com o nome do paciente não tendo sido citado na ordem de busca e apreensão, a Procuradoria da República encaminhou ofício à Delegacia da Polícia Federal em Brasília, com documentos encontrados durante a Operação Monte Éden. A empresa Icec Indústria de Construção é acusada dos crimes tipificados no artigo 22 da Lei 7.492, de 1986, no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137, de 1990, e no artigo 299 do Código Penal — evasão de divisas, omissão de informação falsa às autoridades fazendárias e falsidade ideológica, respectivamente.

De acordo com a decisão do TRF-3, "os elementos de informação que deram ensejo à instauração do inquérito policial em detrimento do paciente foram obtidos ao arrepio de garantias constitucionais, porquanto, no momento em que aconteceu a busca e apreensão, a empresa e seu representante não estavam sendo investigados formalmente".

No pedido de Habeas Corpus, o advogado do empresário, o criminalista Antonio Sérgio Pitombo, alegou violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal, decorrentes da ilegalidade da prévia investigação legal. Segundo ele, sob a alegação de que os supostos delitos teriam ocorrido em São Paulo, o caso foi transferido do Rio de Janeiro para a 6ª Vara Federal Criminal do estado, que na época ficava sob a responsabilidade do juiz federal Fausto De Sanctis. Nesse período, conta, o acusado nunca teve acesso às diligências investigatórias e nem ao resultado integral delas.

"Alegam os impetrantes", explica a desembargadora, "que durante mais de um ano realizou-se investigações por meio de procedimentos ilegais, como abertura de dados contidos no HD do servidor do escritório, quebra de sigilo e interceptação das comunicações por e-mail". Um exemplo disso estaria nas provas presente nos autos — ou na falta delas. Isso porque o material não foi juntado, impossibilitando a discussão de eventual ilicitude nos meios de sua produção.

Ainda de acordo com os advogados, a Justiça Federal do Rio de Janeiro não poderia ter aceitado as denúncias, dada a ausência de provas essenciais ao entendimento do caso, como a íntegra dos documentos apreendidos no Oliveira Neves Advogados Associados e a decisão judicial que determinou a quebra do sigilo e interceptação das comunicações por e-mail.

Obra do acaso
A inviolabilidade dos escritórios de advocacia, do sigilo profissional e do exercício da profissão é tratada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, a Lei 8.906, de 1994. O caso do Oliveira Neves Advogados Associados não foi isolado. No mesmo ano em que a Polícia Federal adentrou a banca, vasculhando dados dos cerca de 1,5 mil clientes, outros escritórios Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná, Alagoas e Distrito Federal, também foram visitados.

Em 2010, durante análise de um Habeas Corpus, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça excluiu da investigação criminal todos os documentos apreendidos em um escritório do qual os ex-suspeitos eram todos clientes. "A busca e apreensão tornou-se ilegal a partir do momento que extrapolou os limites da decisão judicial que deferiu a medida", anotou o colegiado, "passando a recolher elementos de informação do paciente que, à época, sequer era suspeito da prática dos ilícitos que hoje são alvo de investigação pela autoridade policial".

Segundo a desembargadora Cecília Mello, "a prova flagrantemente ilícita deu ensejo a todo o desenrolar das investigações, pode e deve, se for o caso, ter a sua ilegalidade, reconhecida de pronto, especialmente se essa eiva se projetar nos atos processuais subseqüentes de maneira a submeter o investigado, já denunciado, a atos de inegável constrangimento ilegal".