Ideias do Milênio

"Bin Laden matou muita gente, mas fracassou"

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20 de maio de 2011, 7h23

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Entrevista do jornalista britânico  Robert Fisk ao correspondente da Globo News em Beirute Mounir Safatli para o programa Milênio, transmitido originalmente no dia 9 de maio. O Milênio é  um programa de entrevistas do canal de televisão por assinatura Globo News, que vai ao ar às 23h30 de segunda-feira, com repetições às 3h30, 11h30 e 17h30 de terça; 5h30 de quarta; e 7h05 de domingo. Leia, a seguir, a transcrição da entrevista:

O entrevistado desta edição do programa Milênio é o jornalista britânico Robert Fisk, que se encontrou com Osama Bin Laden em três ocasiões. Na primeira delas, Osama estava exilado no Sudão, logo depois de ter sido expulso da Arábia Saudita, no início dos anos 1990. Os outros dois encontros foram a pedido do próprio Bin Laden e aconteceram na Afeganistão, país no qual Osama se refugiou depois que a ONU pressionou o governo do Sudão a expulsá-lo de lá.

Robert Fisk é o mais premiado correspondente estrangeiro do Reino Unido e considerado um dos maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio. Vive no Líbano desde 1976, e cobriu a ocupação militar dos soviéticos no Afeganistão, a Guerra Irã-Iraque, as duas guerras do Golfo Pérsico. Fisk é hoje um dos principais colunistas do jornal britânico The Independent. Os bastidores dos encontros de Robert Fisk com Osama Bin Laden são o tema desta conversa com o correspondente da Globo News em Beirute, Mounir Safatli.

Mounir Safatli — Quantas vezes o senhor entrevistou Bin Laden? Como marcou essas entrevistas? Quanto tempo precisou esperar pela confirmação?
Robert Fisk — No total, falei com ele três vezes. A primeira, foi no Sudão, onde ele estava exilado. Depois, duas vezes no Afeganistão, onde nos encontramos em diferentes acampamentos. No caso do nosso primeiro encontro, um ex-soldado saudita no Afeganistão, que havia enfrentado os russos com Bin Laden, tinha virado jornalista e era amigo meu. Ele disse: “Quero apresentá-lo a alguém.” Bin Laden já era conhecido, a essa altura. Já estava na “lista de terroristas” dos EUA. Dirigimos por horas a fio pelo deserto passando por antigas pirâmides do Sudão, até chegarmos a uma aldeia aonde Bin Laden havia levado máquinas e tratores para construir estradas para o povoado. Era uma boa ação. Ele estava sentado lá, enquanto o povo cantava, aplaudia e o agradecia. Crianças dançavam na frente dele. Foi então que ele viu o homem ocidental chegando. Ele não sabia da minha visita, mas ficou feliz de ver seu velho colega de exército. Enfim, eles se abraçaram, e logo Jamal me apresentou. “Este é Robert Fisk, meu bom amigo. Ele queria conhecê-lo.” Conversamos assim por um tempo, e ele afinal concordou. Bin Laden perguntou: “Quer conversar sobre o quê?” Falei que não ia insistir no assunto de terrorismo e disse: “Quero que você diga como foi lutar contra os russos no Afeganistão.” Conversamos por meia hora, até a força de segurança do Sudão aparecer. Eles interromperam a conversa. Enfim, ele contou sobre os russos, e isso foi muito importante. Voltarei a falar disso. Nos dois encontros seguintes, ele estava no Afeganistão e pediu para falar comigo. Ele gostou da matéria que escrevi sobre a luta dele contra os russos. Para o segundo encontro, recebi uma ligação da Suíça. Disseram que “meu amigo do Sudão” queria conversar. “Você sabe onde ele está agora.” Respondi que sim. Sabia que ele voltara ao Afeganistão após ser expulso. Perguntei onde, e ele respondeu: “Vá a Jalalabad.” Fiquei muito assustado, porque achei que o homem ao telefone podia ser um agente de segurança dos egípcios ou dos paquistaneses. Alguém que poderia me levar a Jalalabad e me matar para culpar Bin Laden. Esse era o meu medo, eu não temia Bin Laden de modo algum. Isso foi depois do ataque aos soldados americanos em Dhahran [na Arábia Saudita, em 2001]. Ele tinha feito um ataque sério contra os americanos desde nosso encontro anterior. Portanto, eu respondi: “Não posso confiar em alguém pelo telefone. Preciso ter certeza de que você é quem diz ser.” Fui a Londres, me hospedei no Sheraton Belgravia e disse a ele onde estava. Esperei dois ou três dias, até que me ligaram. Eu estava escrevendo no meu quarto, e ligaram da recepção dizendo que havia um homem esperando por mim no lobby. Isso foi em Londres em um hotel chique. Desci à recepção. Estava cheio de homens fumando charutos, mulheres lindas e tal… No canto, vi um homem com uma enorme barba negra, vestido com uma túnica branca e com sandálias de plástico. Na hora, pensei: “Só pode ser esse cara.” Era ele mesmo, e conversamos por meia hora. Ele me convenceu de que era autêntico. Era de fato um representante de Bin Laden. Portanto, voei a Jalalabad. Eu me hospedei no hotel Spinghar. Não fui imediatamente. Se ele queria falar comigo, podia esperar. Robert Fisk, do jornal The Independent, não corre para o avião só porque Bin Laden chamou. Também sou ocupado e tenho coisas a fazer. Esperei umas semanas e fui a Jalalabad. Avisei ao me contato quando chegaria, é claro. Esperei no hotel por dois ou três dias. Certa tarde, eu estava lendo no quarto, quase dormindo, quando ouvi alguém batendo na janela. Era um homem de roupa cáqui. Eu estava no térreo. Ele disse: “Sr. Robert, venha.” Eu saí e vi um caminhão cheio de árabes, todos vestidos com trajes afegãos. Dirigimos por 12 horas, madrugada afora. Cruzamos campos minados e povoados destruídos por bombas russas onde vimos crianças nuas brincando… Foi surreal. Uma hora, cruzamos uma aldeia no escuro. Estava amanhecendo, na verdade. Quando chegamos ao outro lado, atravessamos um rio a pé. No outro lado do rio, havia um campo cheio de camas ocupadas por homens armados da Al Qaeda. Fui guiado sem vendas. Vi exatamente onde estávamos. Andamos pelo campo e, quando o sol estava nascendo, surgiu um homem saindo de uma cabana de barro com seus dois filhos. Era Bin Laden com um lampião de parafina. Ele foi muito educado e amigável. Até tomamos café da manhã juntos. Comemos queijo, iogurte e naan, que é um pão típico do Afegnistão. Tomamos chá açucarado bem quente…

Mounir Safatli — O senhor diria que ele era carismático?
Robert Fisk — Sem dúvida. Veja bem, eu já conheci muita gente. Ele era carismático com aqueles a seu redor. A vez seguinte em que o encontrei foi muito mais interessante, pois, antes, ele já repudiava os sauditas e a corrupção da família real saudita. Mas, nesse outro encontro no Afeganistão… Novamente, recebi um ligação. Dessa vez, fui levado ao alto das montanhas acima de Jalalabad. No desfiladeiro de Cabul. Estava de noite, e carros piscavam os faróis lá em cima para avisar: “Já vimos vocês, podem subir.” Muita gente da Al Qaeda inspecionou minha câmera. Novamente, não fui vendado. Fui tratado bem. Um deles era claramente um guarda-costas pessoal. Eu disse “Salaam Aleikum”, e ele nem respondeu. Isso é muito incomum. Então chegamos a outro campo de treinamento, com um abrigo antiaéreo com paredes de oito metros construído dentro da montanha. Esperei em uma barraca até Bin Laden entrar. Novamente, foi muito educado. Sentou-se no chão à minha frente e colocou seu rifle Kalashnikov no chão. Foi assim que nos contatamos. Após os ataques de 11 de setembro, ele pediu para falar comigo de novo. Quando cheguei ao Afeganistão, ele ainda estava lá. Coincidiu com a batalha em Tora Bora [batalha inaugural da Guerra do Afeganistão, em dezembro de 2001]. O Talibã estava aguardando para me levar a Bin Laden. Estávamos em uma longa estrada, e os EUA, de repente, atacaram uma aldeia à nossa frente. Ela foi simplesmente erradicada. Havia fogo, fumaça e pedaços de gente morta. Pedi ao Talibã para contornar. “Sigam pelo deserto. Depois voltamos à estrada.” Eles se recusaram. Os próprios talibãs sentiram medo de morrer. Eu estava disposto a correr esse risco para ver Bin Laden novamente. Depois disso, nunca mais nos encontramos. Mantive contato indireto através de agentes da Al Qaeda que eu conhecia no Paquistão. Era onde ele estava, naturalmente. Estava em Karachi grande parte do tempo. Eu me comuniquei com ele através deles, mas nunca mais vi Bin Laden em pessoa.

Mounir Safatli — Lembra alguma coisa que ele disse que deixou uma impressão forte?
Robert Fisk — Claro, muitas coisas. Ele ameaçou a Grã-Bretanha e a França, além dos EUA. Lembro-me da última coisa que ele me disse. Estávamos nas montanhas sobre o desfiladeiro de Cabul. A conversa era sobre política de modo geral. Ele era muito ignorante em termos de política mundial. Achou que haveria uma guerra civil nos EUA. Afirmei que não seria o caso. Depois, ele disse que os EUA iriam à falência fazendo guerra no Oriente Médio. Há uma certa verdade nisso. Enfim, a última coisa que ele me disse foi: “Sr. Robert, desta montanha onde estamos sentados, derrotamos o exército soviético e destruímos a União Soviética.” Apesar de um certo exagero, há mérito na declaração. A seguir, ele disse: “Agora oro ao bom Deus que ele nos permita transformar os EUA em uma sombra do que são.” Ainda guardo meus cadernos dos encontros com Bin Laden, e, na margem da página, marquei duas linhas e acrescentei a pergunta: “Retórica?” Não foi pura retórica. No dia 11 de setembro, eu estava sobrevoando o Atlântico. É lógico que meu avião voltou à Europa, mas, quando cheguei e vi a cena na televisão, com Manhattan coberta de fumaça, chamas e poeira, pensei: “Agora Nova York é uma sombra do que foi.” Não tive a mínima dúvida de que havia sido Bin Laden. Outra coisa que lembro do terceiro encontro foi algo honestamente arrepiante. Quando ele apareceu, foi amigável como de costume. Sempre uso uma mochila em vez de uma pasta. Então, Bin Laden viu que eu tinha jornais árabes e pegou todos eles. Ele passou meia hora lendo no canto da barraca. Vivia completamente desligado. Não tinha rádio, televisão ou nada desse tipo. Ele nem sabia que o ministro do exterior iraniano estava na Arábia Saudita, seu próprio país. Incrível. Depois, ele começou dizendo: “Um de nossos irmãos teve um sonho, sr. Robert. No sonho, você veio a cavalo.” Um símbolo de nobreza e honra. “Apareceu vestido como um imã. Isso significa que é um bom muçulmano.”

Mounir Safatli — Ele tentou recrutá-lo.
Robert Fisk — Certo. Não tive dúvidas de que essa era a intenção. Fiquei horrorizado. Afinal, estava cercado por soldados armados da Al Qaeda que me olhavam, aguardando uma resposta. Não podia ofendê-lo, obviamente. Porém, também precisava deixar perfeitamente claro que aquilo não funcionaria.

Mounir Safatli — Sentiu medo nessa hora?
Robert Fisk — Não, não. Nunca senti medo na presença de Bin Laden. Ele havia me convidado. Eu era hóspede de um árabe e devia ser bem tratado. Nessa ocasião, jantei com ele novamente. Foi a mesma comida que no café da manha, claro. Enfim, minha resposta foi a seguinte: “Xeque Osama, não sou muçulmano. Sou jornalista, e meu dever é contar a verdade.” Rápido como um raio Bin Laden retrucou. “Isso é o mesmo que ser um bom muçulmano.” Que alívio, fui salvo! Deu tudo certo, ele entendeu o recado. Todos sorriram na hora, e ficou tudo bem, mas foi um momento arrepiante, pois era necessário ser muito educado enquanto deixava claro que aquilo não daria certo. Depois, eu pensei: “Será que ele queria um inglês pilotando o avião?” Dá para ver a vantagem. Para ele.

Mounir Safatli — Em um certo ponto no segundo ou terceiro encontro, o senhor disse que os seguidores de Bin Laden o tratavam como uma espécie de Messias.
Robert Fisk — Isso. Um Messias, ou Mahdi. Eles veneravam cada palavra, como se fosse um Messias. Acreditavam mesmo nele. Tinham tremenda confiança em Bin Laden, em parte devido à própria autoconfiança dele e parte devido ao seu moralismo. São duas qualidades muito perigosas em pessoas violentas: autoconfiança e moralismo. Quando eu fazia perguntas a ele, em vez de responder o que viesse à cabeça, como a maioria costuma fazer, já que ele não queria parecer tolo, ele pausava por um minuto, ou até mesmo três minutos, para elaborar a resposta. Enquanto isso, ele limpava os dentes com um graveto de miswak [ramo de árvore usado como escova de dentes pelos muçulmanos]. Depois, ele respondia em frases completas. Sem pausas, sem hesitações, ou “quero dizer…” Sabia exatamente o que queria dizer. Ele deixou bem claro para mim que, por ele, o mundo árabe seria um califado islâmico.

Mounir Safatli — Se pudesse perguntar algo mais a Bin Laden, o que seria?
Robert Fisk — Desde o fim de janeiro, tem uma coisa que eu queria saber dele, mas, agora, nunca terei uma resposta, é claro. Ele queria um califado islâmico no Oriente Médio, um governo regido pela sharia, a lei islâmica. A Al Qaeda pretendia destruir os ditadores pró-Ocidente e os ditadores anti-islâmicos no Oriente Médio. Os Mubaraks [ex-presidente do Egito] e os Ben Alis [ex-presidente da Tunísia] da vida, gente como Saleh [Ali Abdullah Saleh, presidente do Yemen] e Assad [Bashar Al Assad, presidente da Síria]. Porém, no final das contas, foram os egípcios e tunisianos, com uma revolução secular por democracia e liberdade, e não o califado, que depuseram os ditadores. Bin Laden fracassou. Não conseguiu seu califado. Quem depôs Mubarak foi o povo egípcio, não ele. Assim como o povo da Síria tenta se livrar de Assad, e o Iêmen tenta remover Saleh. Assim como metade do povo líbio quer a saída de Kadafi. O mais extraordinário é que ele fracassou em tudo que tentou. A pergunta que eu estava ansioso para fazer era: “Quando viu as fotos da praça Tahrir e percebeu que estavam erguendo a bandeira nacional do Egito em vez da bandeira verde do Islã, o que você pensou?” Nunca poderei perguntar a ele. Nunca terei minha resposta. Talvez alguém estivesse lá e possa me contar. Ainda visito o Paquistão.

Mounir Safatli — O senhor acha que Bin Laden ainda era o líder da Al Qaeda?
Robert Fisk — Olha, Bin Laden foi o fundador da Al Qaeda. Na visão dele, esse foi seu grande feito. Sua personalidade dominava a Al Qaeda, mas o que ele criou efetivamente foi uma instituição inédita neste mundo. Não tinha lista de sócios. Você poderia acordar de manhã no Brasil ou em Londres e dizer: “Sou membro da Al Qaeda.” Pronto. Nem precisava falar com Bin Laden. Obviamente, ele tinha influência. Mas a Al Qaeda nunca teve líderes militares. Agora, vivem perguntando: “Será que Zawahiri assumirá o posto de Bin Laden?” Talvez ele distribua alguns vídeos, mas a Al Qaeda não tem liderança militar. Esses líderes surgem em Bradford, na Inglaterra, ou na Espanha, ou em qualquer lugar. Em muitos casos é gente que nunca foi ao Afeganistão e certamente nunca conheceu Bin Laden. Certa vez, fui ao campo palestino de Ayn AL Huwah encontrar um membro de um dos grupos fundamentalistas, que disse que havia conhecido Bin Laden até perceber que eu conhecia bem o Bin Laden. Aí, ele deixou a história de lado. Acho que ele nunca havia falado com Bin Laden. 

Mounir Safatli — Falando de Ayman al-Zawahiri, o senhor acha que ele conseguirá manter a Al Qaeda unida?
Robert Fisk — Não sei ao certo se a Al Qaeda já foi unida. Al-Zawahiri fez uma declaração pedindo ao povo egípcio para se livrar de Mubarak uma semana depois de Mubarak deixar o governo. Ele está desligado do mundo. Certamente, o método dele era mais prático comparado ao de Bin Laden. Porém, na minha primeira visita ao Afeganistão, Bin Laden instruiu Zawahiri a me mostrar onde sua família estava hospedada no acampamento. Zawahiri foi muito gentil comigo. Ele é egípcio, é médico e foi torturado no Egito pela polícia secreta de Mubarak. Isso é parte do crescimento na Al Qaeda. Comigo, ele foi muito amigável. Mas ele não me pareceu especialmente carismático. Não vejo al-Zawahiri como importante. Escrevi para The Independent, meu jornal em Londres, no dia da execução de Bin Laden. A palavra é essa, pois ele estava desarmado e foi executado. Eu disse que Bin Laden era um insignificante de meia idade. Ele fracassou em tudo que tentou. Politicamente, a Al Qaeda estava morta porque não fez acontecer a revolução no Oriente Médio. Matou muita gente, mas fracassou. A Al Qaeda não está em conflito com o Talibã. O Talibã está sozinho. Eles até gostavam da Al Qaeda, mas não adoravam Bin Laden. Acredito que essa gente ficou para trás, até certo ponto. A Al Qaeda ainda existe, e ainda teremos notícias dela, especialmente na Argélia, imagino. Pode haver represálias. Pode ter certeza de que alguém já está inventando a “Brigada do Mártir Osama Bin Laden”. Sem dúvida. Porém, a história real é essa revolução no Oriente Médio. O Despertar Árabe, ou Levante Árabe. Pode escolher o nome. Isso anulou toda a base política da Al Qaeda. O povo está destruindo os regimes. A Al Qaeda não tem nada a ver com isso.

Mounir Safatli — Comparando as entrevistas no Sudão e Afeganistão, qual foi mais complicada? Em qual delas o senhor se sentiu mais ameaçado?
Robert Fisk — Não me senti ameaçado em nenhuma delas. Bin Laden era um árabe com um hóspede convidado. Eu sabia que seu dever era me proteger. Nunca fui vendado ou ameaçado. Fui vê-lo no Afeganistão por escolha própria, assim como no Sudão. Ele disse a seu filho Omar, que escreveu um livro sobre o pai, que confiava em mim. Além disso, ele sempre usou as duas mãos para apertar a minha e, após nosso último encontro, quando, bem cedo no dia seguinte, desci do acampamento nas montanhas, ele providenciou uma escolta com três homens armados para me proteger e me acompanhar a Jalalabad. Dois deles eram membros da GIA [Grupo Islâmico Armado] da Argélia. Conversei com eles em francês fluente. Não precisavam falar em árabe. Eles eram soldados da Argélia. Foram muito educados comigo e me levaram direto à entrada do meu hotel. Portanto, nunca me senti ameaçado. Fui convidado e hóspede dele e fui tratado com toda a gentileza. Mesmo quando minhas perguntas eram duras de ouvir. 

Mounir Safatli — O que o senhor viu de diferente em Osama Bin Laden antes e depois do ataque de 11 de setembro?
Robert Fisk — Nós todos mudamos conforme envelhecemos. Eu também! Quando conheci Bin Laden, ele estava vestido com um traje humilde. Sandálias de plástico e uma túnica simples. Em nosso encontro seguinte, havia um colete por cima da túnica. É um hábito afegão. Afinal, faz frio à noite e de manhã. Mais tarde, em seus vídeos, ele usava uma túnica bordada. Desde o início, ele me pareceu ser um homem vaidoso, e acho que essa vaidade cresceu. Ele sabia que havia gente vidrada em suas palavras. Quando há muita gente prestando atenção em você, como os árabes dizem, seu nariz cresce. Como nós dizemos, o ego cresce. Acho que, a certa altura, a vaidade subiu à cabeça dele. 

Mounir Safatli — Como o senhor imagina que os EUA encontraram Bin Laden? Em sua opinião, foi fruto de traição?
Robert Fisk — Sim, tenho certeza de que os paquistaneses o traíram. Eles sabem a localização de toda essa gente. O serviço de inteligência do Paquistão sabe o paradeiro de todos eles. Por exemplo, estive no Paquistão alguns meses atrás e tentei falar com um homem acusado de ser o responsável pela organização de massacres em Bombaim, na Índia. Contatei-o através de um amigo em Lahore, no Paquistão. Ele aceitou conversar comigo, pessoalmente. Nunca tinha visto ele antes, e ele agora é um dos “mais procurados nos EUA”. Enfim, fui até Lahore. Quando cheguei à casa dele, ele estava sendo protegido de ameaças por dois policiais paquistaneses, fardados e armados com metralhadoras. Portanto, é lógico que sabiam o paradeiro de Bin Laden! Se protegiam até aquele cara, sabiam do Bin Laden. Ao meu ver, Bin Laden estava aposentado. Ele não podia fazer nada. A agência de inteligência paquistanesa é dividida. Alguns são a favor da Al Qaeda e do Bin Laden, enquanto outros são a favor dos EUA e, lógico, são pagos pelos americanos. Imagino que ele simplesmente foi traído. Os americanos não têm liberdade de movimento no Paquistão. Não podem fazer reconhecimento passeando em carros. Seria preciso uma traição da parte dos paquistaneses. Agora, muita gente diz que, em Abbottabad, ele vivia a poucos quilômetros de uma escola militar. A questão não é essa. Conheço Abbottabad e estive lá várias vezes. É o quartel-general da 2ª Divisão do Exército do Norte do Paquistão. Há milhares de soldados lá, com seu próprio serviço de inteligência. É claro que sabiam que ele estava lá. O povo do Paquistão é muito inteligente. Ele foi traído.

Mounir Safatli — O senhor acha que haverá retaliação pela morte de Bin Laden? Gente em países como o Brasil precisa se preocupar?
Robert Fisk — Simplesmente não tenho a resposta. Não sei dizer. Planejar esses ataques leva tempo. Além disso, qual seria o objetivo? A fundação política da Al Qaeda desabou. Lutarão por que causa? Os americanos sairão do Iraque. O Talibã luta com grande sucesso no sul do Afeganistão contra os EUA e os britânicos. Os povos do mundo árabe demonstraram que não querem Bin Laden ou Al Qaeda. Não estão interessados. Eles querem uma democracia, não um califado. Afinal, haveria retaliação por que motivo? Para mostrar que ainda existem? Talvez, não é impossível. Neste ano todo, só houve um atentado que pode ser atribuído à Al Qaeda. Foi naquele restaurante em Marrakesh, no Marrocos, onde morreram vários estrangeiros. A maioria era de franceses, e acho que um era britânico. Só isso. Não imagino que vá haver outro 11 de Setembro, se a pergunta é essa. Sinceramente, conheço o Brasil. Já estive em São Paulo e, para vocês, acho que a máfia de São Paulo é um problema muito maior do que a Al Qaeda. 

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