Trabalho sem lei

Legislativo terá de regulamentar terceirização

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20 de maio de 2011, 13h14

O fechamento para balanço decretado pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen, fomentou debates pelo aprimoramento da jurisprudência. Desde o dia 16, a corte reavalia posições para alinhar entendimentos, e deve concluir o trabalho nesta sexta-feira (20/5). Enquanto isso, as principais incongruências foram tema de palestra promovida pela Federação Brasileira de Bancos nesta quinta-feira (19/5), em São Paulo, em seu 8º Congresso de Direito Bancário. De acordo com os participantes, a terceirização ainda é a principal fonte de confusão nos tribunais.

"O TST precisa modificar o que ainda não está claro em sua jurisprudência", diz o desembargador Sérgio Pinto Martins, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo. Pode soar óbvio, mas não é. Para se ter uma ideia, diversos pontos da Súmula 331 da corte estão em xeque diante da realidade atual do trabalho prestado por terceiros. A decisão do Supremo Tribunal Federal contra a responsabilização do poder público sem que fique comprovada a culpa por falta de fiscalização complicou ainda mais as coisas. No fim do ano passado, os ministros do STF consideraram constitucional dispositivo da Lei de Licitações que afasta a responsabilização subsidiária da administração pública em caso de inadimplência de empresa contratada como prestadora de serviços em relação a verbas trabalhistas.

Um dos pontos a serem revistos, na opinião do desembargador, está no primeiro inciso da súmula, que afirma ser ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta. "Não vejo ilegalidade na contratação de empresa interposta, a não ser que haja fraude à lei, o que precisa ser provado, não pode ser presumido", defende. Um dos exemplos de fraude na terceirização, no entendimento do Judiciário trabalhista, é a contratação de mão-de-obra, por meio de prestadora de serviços, para exercer as mesmas atividades que os funcionários da tomadora. Nesse caso, se o salário pago aos prestadores for menor do que o que recebem os vinculados pela CLT, está configurado o drible à lei.

Para o desembargador, o Judiciário é desnecessariamente rígido ao estereotipar determinadas formas de trabalho. É o caso, por exemplo, dos serviços contratados junto a cooperativas. "Muitas empresas contratam cooperativas como única forma de viabilizar a atividade. Isso não é errado, desde que não estejam presentes nas relações com o tomador características de CLT. Alguns trabalhadores até preferem", admite.

Ao elencar as atividades que podem ser contratadas junto a terceiros, a Súmula cita vigilância, conservação e limpeza e demais serviços ligados à atividade-meio do tomador. Mas o conceito é contraditório, na opinião de Martins. "Há como dizermos que limpeza é um serviço especializado?" O mesmo inciso III que traz a previsão proíbe também a terceirização de atividade-fim do contratante. "De onde isso foi tirado? Não há qualquer lei proibindo isso, e a Constituição Federal prescreve a livre iniciativa", critica.

Segundo ele, a dificuldade em se definir o que é atividade-fim e atividade-meio é o que mantém às vistas de todos práticas teoricamente conflitantes com a jurisprudência. "A indústria automobilística terceiriza atividade-fim desde 1950, ao fracionar suas linhas de montagem, o que a construção civil também faz", lembra.

Dessa forma, a solução que vem sendo encontrada é o uso, por analogia, do artigo 581 da CLT. Diz o parágrafo 2º do dispositivo entender-se "por atividade preponderante a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam". O objetivo da regra é definir para qual sindicato o empregador deve recolher, mas a Justiça é obrigada a usá-la justamente devido à falta de regulamentação adequada. "No caso das concessionárias de veículos, qual a principal atividade: comercialização ou prestação de serviços? Concluímos, pelo faturamento maior, que é a comercialização", exemplifica o desembargador.

Também sem definição legal precisa, a escolha entre responsabilização solidária ou subsidiária por inadimplemento de verbas trabalhistas também divide as cortes. Segundo Sérgio Pinto Martins, a falta de definição permite que diferentes turmas dos tribunais se posicionem de formas diametralmente opostas. "Mas o advogado não consegue explicar isso para o cliente, que acha que ele é incompetente", solidariza-se. Para ele, é a lei quem deve dizer que tipo de responsabilização deve ser aplicada, e não a jurisprudência.

Função do Legislativo
Por isso, esperanças também são depositadas nos projetos de lei que correm sobre os temas no Congresso Nacional. Mais de três mil já passaram pelo Legislativo, nas contas do advogado Marcial Barreto Casabona, sócio do escritório Casabona & Monteiro Advogados Associados, mediador do debate. Desses, apenas três têm potencial para acabar com as dúvidas, na opinião do diretor de Relações do Trabalho da Febraban, Magnus Apostólico.

O PL 4.330/2004, do deputado federal Sandro Mabel (PR-GO), é o que está mais adiantado, segundo o diretor. Mas as esperanças também se dividem entre o PLS 87/2010, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), e o PL 6.832, do deputado Paulo Delgado (PT-MG), que "com algumas emendas, pode atender a todos os requisitos", diz Apostólico.

Os dois últimos tratam ainda de trabalho temporário, estendendo o período máximo de três para seis meses, ainda prorrogáveis, inclusive em áreas rurais, o que hoje é proibido. "Beneficiaria empregadas grávidas, que poderiam ficar afastadas por 120 dias e não por apenas três meses, assim como doentes", reconhece o desembargador Sérgio Pinto Martins.

Porém, a mistura de dois temas no mesmo projeto foi ponto de divergência entre a Febraban, representante das confederações empresariais, e a CUT em grupo montado com o Ministério Público do Trabalho para discutir a proposta. Segundo Apostólico, o trabalho temporário, que já tinha uma regulamentação normativa, deveria ser objeto de outro PL, uma vez que a terceirização ainda não tem norma específica. "Negociamos com o MPT durante dois anos, e o anteprojeto foi entregue à Casa Civil para que chegasse ao Congresso por iniciativa do Executivo", conta o diretor. Segundo ele, as centrais sindicais se retiraram do grupo. "Fomos pegos de surpresa em janeiro do ano passado, quando o Ministério do Trabalho anunciou que adotaria o projeto da CUT."

Outra ideia que gerou discussões no grupo organizado pelo MPT foi a sugestão de aplicação da norma coletiva da tomadora dos serviços também para os empregados da prestadora de serviços. "Provamos, na prática, que isso é impossível, já que o mesmo trabalhador pode estar cada dia em uma empresa diferente", explica Apostólico. 

Marcial Casabona lembrou ainda que se os funcionários da prestadora de serviço tiverem de receber os mesmos vencimentos da tomadora, a razão econômica para a contratação de terceiros perde o sentido. "Além dos motivos administrativos, reduzir custos é o objetivo da terceirização. A equiparação não tem lógica", afirma.

O problema atinge principalmente contratações no setor bancário, foco do congresso da Febraban. Para Magnus Apostólico, nem todos os funcionários ou terceirizados de bancos exercem atividades bancárias. "Qual o sentido de um analista de sistemas trabalhar oito horas diárias no comércio e na indústria, mas só poder trabalhar seis horas nos bancos, se a atividade é a mesma?", critica.

De acordo com o desembargador Sérgio Martins, o serviço bancário já não é o mesmo praticado anos atrás e não precisa ter jornada menor, "a não ser em atividades extenuantes, como a de caixa, mas não se pode generalizar", defende.

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