Coluna do LFG

MPs perseguem os miseráveis e um pouco da violência

Autor

  • Luiz Flávio Gomes

    é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983) juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Fundou a rede de ensino LFG.

12 de maio de 2011, 14h24

Spacca
Luiz Flávio Gomes - Coluna - Spacca - Spacca

** O Ministério Público do Estado de São Paulo publicou relatório sobre a atuação do órgão durante o período compreendido entre o ano de 2002 a 2009 nas seguintes áreas: criminal, cível, infância e juventude e direitos difusos e coletivos.

No âmbito criminal, o Ministério Público de São Paulo ofereceu 1.047.525 denúncias e arquivou 1.169.940 inquéritos policiais ao longo dos oito anos em questão. O número exagerado de arquivamentos mostra a baixa qualidade informativa e investigativa da Polícia, cuja crise se agrava a cada dia (por falta de estrutura, baixos salários, corrupção etc.).

No tocante às denúncias por tipo penal, o delito mais denunciado foi o furto (177.454 denúncias de 2004 a 2009). O segundo colocado foi o roubo (113.413), na sequência vem o crime de tráfico de entorpecentes (95.932), arma (57.417), estelionato (43.996), uso de entorpecentes (38.636), homicídios dolosos (26.309), estupro (19.214) e outros (12.645).

A categoria “outros” significa um pouco mais que 1%. Uma pequena parcela desse minguado número retrata os crimes das estruturas econômico-financeiras, políticas, empresariais etc. A conclusão é simples: a grande criminalidade não faz parte das preocupações dos MPs estaduais, que, servos do inquérito policial, não conseguem superar a seletividade da Polícia Civil e Militar contra os crimes dos miseráveis. Tudo isso deveria mexer com a autoestima da relevante e nobre instituição do MP e dar-lhe luz para seu redimensionamento institucional.

Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo
Denúncias por Tipo Penal – 2004-2009 - Fonte: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apesar de o crime de furto ser o campeão, nota-se que houve uma queda sensível no número de denúncias. Observa-se também uma diminuição nas denúncias de estelionato, sendo a maior queda observada nos delitos de arma e homicídios dolosos. Do ano de 2004 e 2009, verifica-se que o índice caiu em 78,3% do crime de arma e 35% do delito de homicídio doloso.

Por outro lado, o número de denúncias que versavam sobre crimes de tráfico de entorpecentes e roubo aumentaram. De 2004 para 2009, houve um aumento 20,5% nas denúncias de roubo e 88,6% nas de tráfico de drogas. Este dado será objeto de análise do próximo artigo.

Vale destacar que, apesar de o sistema penal ser composto por aproximadamente 1.600 crimes, apenas os delitos de furto, roubo e tráfico de entorpecentes representam 66% das denúncias oferecidas durante os anos de 2004 a 2009.

O estudo demonstrou que o número de inquéritos policiais que resultaram em denúncias cresceu durante o respectivo período. Em 2002, a instituição registrou 133.639 denúncias, já em 2009 foram contabilizadas 142.616. Foi entre o ano de 2008 e 2009 que ocorreu a maior variação, houve um aumento de 12,3%.

Em relação aos arquivamentos, nota-se uma redução ao longo dos anos.

No ano de 2002, foram arquivados 152.256 inquéritos policiais contra 139.240 em 2009. A diminuição foi de 9,35% no período em análise. Vide tabela abaixo.

Ministério Público do Estado de São Paulo
Inquéritos Policiais - Ministério Público do Estado de São Paulo

A atuação dos MPs estaduais segue o mesmo compasso da desigualdade social. Quanto mais desigual é um país, mais crimes dos miseráveis irão ocorrer. Vivemos em uma sociedade que estimula um alto padrão de consumo e que, ao mesmo tempo, marginaliza pessoas que não se enquadram nesse modelo econômico. A saída para diminuir esses elevados índices de criminalidade está vinculada às reformas sociais e econômicas que são eternamente adiadas. O Brasil é uma democracia apenas formal. Do ponto de vista substancial continua sendo discriminatório, elitista, patrimonialista e excludente. É esse modelo de país que herdamos dos nossos antepassados e que, lamentavelmente, estamos preparando para as futuras gerações.

** Colaborou Roberta Calix Coelho Costa, advogada e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.

Autores

  • é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.

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