Vida pregressa

Revista pode escrever sobre passado de condenados

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11 de maio de 2011, 10h34

A liberdade de imprensa é garantia constitucional. Não pode de forma alguma ser adjetivada, reduzida ou condicionada, conforme previsto no artigo 220 da Constituição Federal de 1988. Com base neste entendimento, os integrantes da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foram unânimes em acatar o recurso de apelação da Editora Abril e do jornalista Alexandre Oltramari. A Abril e o jornalistas foram representados pelos advogados Alexandre Fidalgo e Claudia Pinheiro David, do escritório Lourival J. Santos.

O TJ gaúcho julgou improcedente a ação de reparação de danos. Assim, reformou a sentença condenatória que havia sido proferida na Comarca de Santa Cruz do Sul. O julgamento ocorreu no dia 31 de março, com a presença desembargadores Túlio de Oliveira Martins (relator), Jorge Alberto Schreiner Pestana e Paulo Roberto Lessa Franz. Cabe recurso.

Edgar Silveira da Rosa ajuizou ação de reparação por danos morais contra a Editora Abril e o jornalista Alexandre Oltramari por causa de reportagem publicada na edição 2066 da Revista Veja, de 25 de junho de 2008, sob o título ‘‘O Xerife da Ética’’. A reportagem afirmava que ele ‘‘é um reconhecido ladrão da região’’. O autor da ação sustentou que as palavras publicadas traduzem inverdades, de cunho malicioso e indecoroso, provocando abalo e constrangimentos nas suas relações familiares e de trabalho.

Ele afirmou que a grande circulação da revista amplifica seus danos. Alegou também que a notícia tratava da condenação criminal e cumprimento de pena de três anos e nove meses em regime semiaberto, pela prática de crime patrimonial, por fato cometido há mais de 20 anos. Acrescentou sentir-se estigmatizado e submetido a um ‘‘apartheid social por seus antecedentes’’.

A Abril e o jornalista contestaram. Argumentaram que o texto não se destinava ao autor, mas ao deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), então presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. Dentre os questionamentos à conduta do parlamentar, havia um em que ele era acusado da receptação de jóias — as quais eram roubadas pelo autor. Por estes fatos, o autor foi condenado criminalmente, sendo incontroversos e notórios em Santa Cruz do Sul. A menção ao fato que envolvia o autor era necessária para a configuração da reportagem, segunda a revista.

O jornalista e a revista acrescentaram que, também por isso, outros nomes foram referenciados. Pontuaram que a intenção do autor foi contextualizada no tempo em que se sucedeu o evento que o atingiu, época em que era um conhecido ladrão. Mencionaram a liberdade de imprensa, o direito de crítica e a ausência de comprovação de dano.

Em primeira instância, a pretensão foi julgada procedente. A Editora Abril e o jornalista foram condenados a indenizar o autor no montante equivalente a 80 salários mínimos por danos morais. Inconformados, ambos apelaram ao Tribunal de Justiça.

O relator da apelação, desembargador Túlio Martins, destacou que o caso envolve a garantia da liberdade de expressão e de sua consequência lógica — a circulação de ideias e notícias. Segundo ele, a reportagem jornalística reportava a vida pregressa de Sérgio Moraes, sendo o texto bastante claro ao narrar os acontecimentos no tempo pretérito, bastando uma simples leitura para que fique claro que, à época dos fatos, Edgar era de fato ‘‘um conhecido ladrão da região’’.

Além disso, acrescentou o relator, os acontecimentos são absolutamente verdadeiros, pois Edgar foi preso, processado, condenado e cumpriu pena por crime contra o patrimônio. ‘‘Lembrar o episódio dentro de um contexto jornalístico, em que tal informação é importante, não implica, nem de longe, julgar novamente o autor’’, ponderou o desembargador Túlio. ‘‘Contudo, simplesmente, ignorar um fato incontroverso crismado dentro do devido processo legal e observado o contraditório, seria virtualmente ignorar a luz do sol’’, complementou.

O relator lembrou uma frase do escritor argentino Jorge Luiz Borges: ‘‘o passado é eterno’’. Acrescentou que ‘‘fosse o demandante heroi de guerra, gostaria de ser assim saudado. A contrariu sensu, tendo um dia sido condenado, igualmente terá tal carga imaterial incorporada a seu currículo’’, ponderou. E concluiu que ‘‘o autor não teve sacrificada sua honra ou intimidade pela notícia jornalística; isso aconteceu por força de seu passado e dos episódios que o levaram à Justiça e à prisão’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.  

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