Teste de juízes

A prova do Senado para os novos ministros

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10 de maio de 2011, 18h31

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Os três indicados para cargos de ministros do Superior Tribunal de Justiça - agenciabrasil.ebc.com.br

Os advogados Antonio Carlos Ferreira, Sebastião Alves dos Reis Junior e Ricardo Villas Boas Cueva se tornaram, nesta terça-feira (10/5), os mais novos ministros do Superior Tribunal de Justiça. Os três indicados pela presidente da República, Dilma Rousseff, foram aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça e também pelo Plenário do Senado. Só falta agora o presidente da corte, ministro Ari Pargendler, marcar a data da posse.

A sabatina transcorreu sem sobressaltos, o que já era esperado. A maior parte dos senadores fez poucas perguntas, técnicas e genéricas, além da habitual exaltação ao currículo dos indicados. Coube aos senadores Demóstenes Torres (DEM-GO), Pedro Taques (PDT-MT) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) o papel dar legitimidade à sabatina no lugar de apenas chancelar a escolha do Executivo.

Foram os três que fizeram o maior número de perguntas e que pediram explicações aos advogados sobre notícias publicadas nas semanas que se seguiram às suas indicações. Os próprios candidatos manifestaram alívio diante da oportunidade de esclarecer algumas questões que ocuparam espaço na imprensa antes de assumirem suas cadeiras de ministros do STJ.

Os três advogados foram sabatinados juntos. A sabatina, que começou às 10h40 e se encerrou às 14h, foi dividida em dois blocos. No primeiro, seis senadores se inscreveram para questionar os indicados. Além de Demóstenes, Taques e Randolfe, falaram os senadores Vital do Rêgo (PMDB-PB), Renan Calheiros (PMBD-AL) e Lobão Filho (PMDB-MA).

No segundo bloco, apenas a senadora Marta Suplicy (PT-SP) fez perguntas. Os demais senadores inscritos se limitaram a elogiar os candidatos e pedir pressa no encerramento da sessão, já que a pauta do Senado tinha matérias importantes a serem analisadas.

Antes das perguntas, cada um dos candidatos fez uma breve exposição. Cueva, o primeiro a se apresentar, falou por oito minutos. Em seguida, Ferreira se apresentou em nove minutos. Sebastião Alves dos Reis, conhecido no meio jurídico como Sebá, usou dez minutos. Todos trouxeram apresentações escritas, que leram em suas exposições iniciais.

Perguntas e respostas

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Ricardo Villas Bôas Cueva - agenciabrasil.ebc.com.brO primeiro senador a questionar os candidatos foi Vital do Rêgo. Começou dizendo: "Certamente o Senado homologará a nomeação dos senhores para o Superior Tribunal de Justiça". Em seguida, questionou Cueva (na foto ao lado) sobre a PEC dos Recursos. O advogado lembrou que a Ordem dos Advogados do Brasil, entidade pela qual foi escolhido para integrar o STJ, tem algumas restrições à proposta do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso.

De acordo com Cueva, a OAB reconhece o mérito da proposta, mas ressalta que ela cria um risco de danos irreparáveis na esfera penal e em matérias de interesse satisfativo. Por outro lado, a proposta serve para fazer com que as decisões judiciais sejam mais efetivas. "O Parlamento saberá como conciliar esses dois valores", afirmou.

Para Antonio Carlos Ferreira, o senador perguntou se a flexibilização nos requisitos de admissibilidade dos recursos especiais não acaba premiando o advogado negligente, que não cumpre as formalidades necessárias para ter seu recurso admitido e discutido pelo STJ. Ferreira disse que não. Segundo ele, os ministros costumam flexibilizar os critérios de admissibilidade apenas nas causas que têm um potencial multiplicador. Com isso, é possível dar uma resposta mais rápida antes que os processos sobre determinado tema se multipliquem. "Essa atitude vem ao encontro da atribuição de pacificar os conflitos sociais do tribunal", afirmou.

O senador perguntou a Sebastião Alves dos Reis Junior sua opinião sobre a possível criação do incidente de demandas repetitivas. Algo que para os Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais teria o mesmo efeito que a Lei de Recursos Repetitivos teve para o STJ. Sebá afirmou que a ideia é boa para diminuir a sobrecarga da segunda instância, mas frisou que, por segurança jurídica, é necessário escolher bem os processos que servirão de paradigma para as ações idênticas. "É preciso ter a preocupação com a análise da questão que estiver realmente madura para fixar uma tese", que servirá para outros casos.

Pingos nos is

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Antonio Carlos Ferreira - agenciabrasil.ebc.com.brO senador Demóstenes Torres foi o segundo inscrito para os questionamentos. Além de pedir explicações aos indicados sobre as notícias que circularam sobre eles, deu ênfase em perguntas da esfera penal. Começou por Antônio Carlos Ferreira (na foto ao lado), ex-diretor jurídico da Caixa Econômica Federal.

Demóstenes perguntou ao candidato sobre sua participação nos contratos firmados entre a Caixa e a GTech, empresa que detinha a gestão das loterias e que foi investigada pela CPI do Mensalão e pelo Ministério Público Federal. Ferreira contou que, quando assumiu o jurídico do banco, existiam pendências jurídicas que impediam a Caixa de fazer licitações para a gestão das loterias.

"Todos os esforços, da minha gestão e da gestão anterior, foram para libertar a Caixa daquela dependência", afirmou. O advogado também frisou que nunca deu aval para qualquer contrato entre o banco e a empresa e que todos os contratos foram submetidos à análise do Tribunal de Contas da União: "Houve uma ampla investigação", pelo Congresso e pelo Ministério Público, "e nunca foi feita menção a irregularidades que eu tivesse cometido".

O advogado também respondeu à pergunta sobre se teria testemunhado a entrega do envelope que continha o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa ao então presidente da Caixa, Jorge Matoso. O caseiro teve o sigilo bancário quebrado ilegalmente. Antonio Carlos Ferreira confirmou que estava em um jantar de trabalho com Matoso e outras pessoas quando um dos consultores do então presidente da Caixa lhe entregou um envelope. De acordo com o advogado, ninguém da mesa tinha conhecimento do que continha o envelope: "Tão logo eu soube, fiz questão de comparecer à Polícia Federal, como testemunha. Não tive qualquer participação neste episódio".

O advogado teve ainda a oportunidade de esclarecer a denúncia de que não permitia que advogados que tivessem ações trabalhistas contra a Caixa fossem promovidos. A história não é bem essa, segundo ele. "O problema surgiu por conta de um advogado que tinha duas ações trabalhistas contra a Caixa. Havia um banco de dados, criado por nós por meio de uma seleção interna, com os nomes de pessoas de carreira capacitadas a assumir cargos de chefia. Ele foi preterido, mas nunca deixou de ser promovido por merecimento ou antiguidade", explicou.

"Se há 20 candidatos, com as mesmas condições, para chefiar uma unidade contenciosa, é razoável, pela ética e pelo interesse público, que se escolha um advogado que não tenha ação trabalhista contra a Caixa. Correríamos o risco de ter um advogado chefiando o advogado que litiga contra ele, em um claro conflito de interesses”" afirmou. Ferreira disse ainda que o Ministério Público do Trabalho o acusou de assédio moral por conta do episódio, mas se tivesse nomeado o advogado que litiga contra a Caixa para cuidar dos litígios da própria Caixa, o Ministério Público Federal poderia o acusar de improbidade ou gestão temerária.

O advogado Sebastião Alves dos Reis Junior enfrentou também a denúncia de que teria praticado patrocínio simultâneo, primeiro como advogado da Eletronorte e, depois, como advogado do Cnec (Consórcio nacional de Engenheiros). O indicado esclareceu que era advogado da Eletronorte em 1994. Já em 2004, o escritório de sua mulher, Anna Maria Trindade dos Reis, do qual ele fazia parte, fechou contrato para acompanhar diversas ações do escritório do advogado Torquato Jardim no STJ. Entre elas, o processo no qual tinha atuado. Seu nome foi incluído na procuração por engano, por mera formalidade.

"Foi um acidente. Não houve qualquer participação ativa minha no processo. Assim que fui alertado, retirei a procuração que não devia constar nos autos. A questão já era de conhecimento do STJ e os ministros entenderam que não houve nenhuma atuação imprópria, tanto que fui escolhido para compor a lista", afirmou. De fato, ministros afirmam que esse é até um erro comum com grandes escritórios de advocacia.

Questionado pelo senador Pedro Taques, Ricardo Villas Boas Cueva também dirimiu as dúvidas de que poderia estar envolvido nas acusações contra o ex-procurador da Fazenda Nacional Glênio Sabbad Guedes. O ex-procurador é investigado por interferir em julgamentos do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, onde atuava como representante da Procuradoria da Fazenda, em favor de Marcos Valério. De acordo com a denúncia, Glênio Guedes receberia propina do publicitário para interferir nas punições estipuladas pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários contra diretores e instituições financeiras.

Cueva frisou que quando o caso veio à tona, em 2005, ele já não mais fazia parte do Conselho e que foi arrolado como testemunha pelo Ministério Público Federal. Até agora, não foi sequer chamado a depor. Ricardo Cueva e Glênio eram representantes da Fazenda Nacional. Segundo Cueva, ele opinava sobre os recursos de número par e atuava em São Paulo, enquanto Guedes opinava nos processos de número ímpar, e atuava no Rio de Janeiro. De acordo com o advogado, ele nunca foi acusado de irregularidades.

Entre a lei e o princípio

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Sebastião Alves dos Reis - agenciabrasil.ebc.com.brOs três indicados ressaltaram a necessidade de fortalecer a principal atribuição do STJ, de pacificar a aplicação da legislação federal, e louvaram o uso do sistema de julgamento de recursos repetitivos para isso. Também demonstraram preocupação com a lentidão judicial e se disseram adeptos do uso de instrumentos extrajudiciais de resolução de litígios.

Antônio Carlos Ferreira, por exemplo, lembrou que comandou a diretoria jurídica da Caixa por oito anos e foi responsável pela criação de um programa de conciliação de sucesso e pela cultura de não recorrer de processos nos quais as teses já haviam sido fixadas pelos tribunais. Suas ações puseram fim a nada menos do que 2,5 milhões de ações do banco estatal.

Os três responderam a perguntas sobre ativismo judicial e sobre a judicialização crescente das questões políticas. Os senadores demonstraram especial preocupação com as ideias dos novos ministros sobre os limites de intervenção do Judiciário nos outros dois poderes. Também perguntaram sobre até onde o juiz pode, ao julgar os processos, fazer prevalecer princípios gerais sobre leis aprovadas pelo Congresso.

Ao responder a uma pergunta do gênero do senador Pedro Taques, Ricardo Cueva afirmou que a ponderação entre princípios e normas positivadas tem como norte a reserva do possível. Ou seja, até o ponto em que seja possível ao Executivo cumprir a determinação judicial que demande recursos financeiros. "A reserva do possível será o limite da concretização de direitos", afirmou.

Mas Cueva ressaltou que isso se aplica com mais frequência nos julgamentos no âmbito do Supremo. No STJ, a atribuição é a de pacificar a legislação federal e esse é que deve ser o objetivo de um ministro daquele tribunal.

O senador Randolfe Rodrigues perguntou a Antonio Carlos Ferreira qual seria sua concepção sobre o limite das decisões da Justiça. Se o juiz deve se restringir à lei ou pode interpretá-la com base em princípios. O advogado respondeu que o juiz tem o dever de responder quando provocado. E que muitas vezes a interpretação a partir de princípios constitucionais, "com prudência e moderação", é a melhor forma de se fazer justiça. O candidato observou que "o juiz tem uma atividade vinculada à legislação, à Constituição Federal e à sua consciência".

Já Sebá (na foto acima) ressaltou, ao responder questão semelhante feita por Randolfe, que a Constituição Federal é repleta de princípios, de ideias, cuja efetivação depende de normas infraconstitucionais para torná-las efetivas. Questionado, também afirmou que a ponderação de valores deve ser feita sempre com o respeito ao princípio da presunção de constitucionalidade das leis aprovadas pelo Congresso e sancionadas pela Presidência da República.

No mesmo sentido, Cueva lembrou que a discussão "acalorada" sobre o juízo de ponderação entre leis e princípios não é exclusividade brasileira, mas acontece, hoje, em todo o mundo. "Em que medida uma norma pode ceder ao princípio?", questionou o advogado. Para, em seguida, explicar: "Princípio também é norma, que tem função e papel diferente das regras positivadas. Não seria de todo inédito que uma regra cedesse espaço a um princípio constitucional, a um valor maior inscrito na Constituição. E não me parece que isso afete a presunção da constitucionalidade das leis".

Ao final da sabatina, que durou apenas três horas e vinte minutos, o advogado Antonio Carlos Ferreira foi aprovado com 16 votos a favor, cinco contra e uma abstenção. Sebastião Alves dos Reis Junior recebeu 18 votos favoráveis à sua aprovação e quatro contra. Já Ricardo Villas Boas Cueva somou 19 votos a favor, dois contra e uma abstenção.

Aprovados, os três advogados passaram a ser cumprimentados pelos senadores e outras autoridades presentes à sabatina. Os senadores Demóstenes Torres e Pedro Taques, justamente os que deixaram de lado a louvação e colocaram à prova o notável saber jurídico e a reputação ilibada dos sabatinados, foram bastante saudados pelos candidatos, como em um agradecimento por terem dado a chance de eles demonstrarem que estão aptos para assumir o cargo de ministro do Superior Tribunal de Justiça.

No Plenário, Cueva recebeu 53 votos a favor e 10 contra; Sebá obteve 55 votos e 10 contra; e Antonio Carlos, 51 contra 12.

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