Além do prazo

Mãe agiliza progressão de regime para o filho

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10 de maio de 2011, 11h21

Sentada em um dos sofás no hall do 4º andar do mais novo prédio do TJ do Rio de Janeiro, que abriga as Câmaras Criminais, uma operadora de turismo  aguarda ser atendida. Ela foi "despachar" com um desembargador em um Habeas Corpus impetrado pelo próprio filho dela, um rapaz de 20 anos, condenado por roubo e que está cumprindo a pena.

Enquanto espera ser atendida, ela tenta resolver assuntos profissionais que lhe chegam pelo celular. “O desembargador vai me atender, imagina se vou perder essa oportunidade.”

No mesmo momento, o desembargador Geraldo Prado, a quem foi distribuído o HC, tenta se inteirar do pedido. Afinal, o HC havia sido instruído apenas com a cópia da identidade do condenado. Antes de falar com a mãe do rapaz, precisa saber ao menos do que se trata. Ele pede o auxílio das assessoras e, em seguida, recebe a mãe do rapaz em seu gabinete.

Prado explica a ela a importância de procurar um defensor, pois este incluiria no pedido alguns documentos essenciais para que o desembargador pudesse decidir a liminar do Habeas Corpus com mais rapidez e de forma segura.

Ela, por sua vez, diz que isso havia sido feito. Até ao Ministério Público, garantiu, foi atrás dos direitos do filho. Afinal, como lembrou a operadora de turismo, o MP foi o responsável pela condenação de seu filho, mas é também o órgão encarregado de fazer cumprir a lei. E a lei, afirma com convicção, está sendo descumprida.

Ao pesquisar e descobrir que seu filho, condenado há pouco mais de cinco anos por roubo, tinha direito à progressão do regime fechado para o semiaberto, a operadora de turismo resolveu correr atrás de seus direitos.

Antes de ir ao MP, procurou a Defensoria Pública, que, no Rio de Janeiro, é um órgão bem estruturado, com defensores considerados excelentes. Entretanto, recebeu a informação de que um Habeas Corpus a favor do filho dela só poderia ser impetrado dali a pouco mais de um mês.

Ela não se contentou com a resposta. Municiou-se de algo valioso: informações. Dentro de uma pasta que inclui fichas sobre o cumprimento da pena do filho, carrega duas cópias de informativos retirados da internet, um do Superior Tribunal de Justiça e o outro da Procuradoria do Estado de São Paulo sobre a progressão, um direito do réu.

Angustiada e com a certeza de que o filho já tem direito à progressão, a operadora de turismo fez com que o próprio filho entrasse com o Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Rio. Escreveu o pedido, explicando a situação, e anexou a cópia de identidade do rapaz. Feito isso, decidiu ir além. Pediu para falar com o desembargador para quem foi distribuído o HC.

No gabinete, após ouvir a operadora de turismo, o desembargador Geraldo Prado percebe que é preciso agir. Resolve telefonar para a juíza da Vara de Execuções Penais, para saber o que estava acontecendo. A juíza Roberta Barrouin, cujo nome não escapou a da mãe do preso — era a mesma que havia decidido sobre a progressão de regime do ex-banqueiro Salvatore Cacciola e do cantor Belo —, prontifica-se a solucionar o caso. Assim é feito. O filho foi transferido do presídio onde cumpria pena no regime fechado para outro no regime semiaberto.

Próxima etapa
“A luta não acabou”, diz a operadora de turismo. Ela afirma que o filho já tem direito ao regime aberto. E é isso que está tentando obter. Comemorou ter recebido uma ligação de um defensor público do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria do Rio. Em uma das visitas que fez ao filho, ela soube que o núcleo estava no presídio. Determinada, foi atrás dos defensores e explicou o que estava acontecendo.

A operadora de turismo diz que igual ao filho há outros na mesma situação. “As pessoas me acham louca quando digo que meu filho tem direito.” O problema, diz, é que elas não conhecem seus próprios direitos. “Muitos não sabem nem onde fica a Praça XV [local de referência no centro do Rio, próximo ao Tribunal e à Vara de Execuções Penais].

Outra máxima que sempre escuta é a de que não entende como o filho dela ainda está preso. Réu primário e com bons antecedentes, o rapaz cumpre pena há 10 meses. “Por muito menos, outras pessoas já estão nas ruas”, escuta de conhecidos da comunidade onde vive, em Niterói. Ela diz não entender o que faz as pessoas pensarem dessa maneira. “A Justiça funciona para os pobres. As pessoas vão presas.”

Ela coleciona declarações cheias de lugares-comuns que ouviu nos últimos meses. Diz que já escutou de uma defensora que esta sempre avisa a filha que o dia em que ela fizer “merda”, melhor não procurá-la. É o tipo de discurso fácil de fazer, até que acontece e, nessa hora, nenhuma mãe vira as costas para o filho.

Quando conta o pesadelo que vive desde fatídico dia em que o filho saiu do trabalho e pegou carona com colegas, culminando com o episódio que o levou à condenação, ela chora. No dia em que foi falar com o desembargador Geraldo Prado, não chorou. Foi objetiva, disse que não estava ali, no tribunal, para pedir pelo que já havia passado.

O filho dela foi condenado e a sentença transitou em julgado. O que ela foi buscar era o reconhecimento dos direitos de alguém que estava cumprindo mais do que lhe foi imposto. “Quando estava no gabinete, explicando a situação ao desembargador, eu não chorei. Quando eu soube que meu filho ia progredir de regime eu ria. Faço tudo isso porque confio no meu filho. Ele não é um criminoso”

O caso
Como toda mãe que se depara com algo que saiu dos trilhos, ela procura explicações para o que aconteceu. Seu único filho foi condenado pela 2ª Vara Criminal de Niterói a cinco anos e quatro meses de prisão. Ao analisar a denúncia e os depoimentos, o juiz do caso rechaçou o argumento de que tudo não passou de uma “brincadeira”.

De acordo com a denúncia, cinco rapazes, entre eles o filho da operadora de turismo, estavam em um carro quando um deles teria fingido estar armado, outro exigiu que o motorista de uma moto entregasse o capacete, chave a mochila, sendo que dois dos ocupantes do veículo saíram com a motocicleta. O dono da moto se comunicou com a Polícia que interceptou o veículo dos rapazes e os prenderam.

O juízo absolveu dois. O filho dela foi condenado. Outro não conseguiu o reconhecimento da confissão espontânea, pois, segundo o juiz, declarou que os fatos apresentados na denúncia eram “parcialmente verdadeiros”. Para o juiz, o reconhecimento da confissão tem de ser completa. Com isso, o colega foi condenado a mesma pena dos outros dois.

A vida de mãe e filho mudou. Ela conta que seu filho pesava 90 kg quando foi preso. Hoje, está com 70 kg. Também adquiriu, na prisão, o hábito de fumar. Ela continua correndo atrás. Não vê a hora de ter o rapaz de volta em casa, trabalhando junto dela e tentando recuperar a vida do lado de fora da prisão.

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