LIVRO ABERTO

A biblioteca básica do advogado Jayme Vita Roso

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4 de maio de 2011, 12h24

Spacca
À medida que apresenta sua biblioteca particular, o advogado Jayme Vita Roso, de 76 anos, vai sussurrando os títulos, com uma curiosidade característica do primeiro encontro. Tem Leonardo Boff, tem Ludwig Wittgenstein, tem mais de cinco edições da Bíblia sagrada. “No fim, eu sou apaixonado mesmo é pelas palavras”, conta o advogado. “Só de dicionários, são mais de cem”.

Ao receber a reportagem da revista Consultor Jurídico em seu escritório pessoal, em São Paulo, Vita Roso conta que acabou de finalizar um artigo sobre o fenômeno WikiLeaks. A certa altura do campeonato, enumera que os governos árabes são “autocráticos, pentárquicos, oligárquicos, snobscráticos, estratoscráticos e corruptos até a medula”. Para ele, a sociedade, tanto Ocidental quanto Oriental, está longe de ter liberdade de imprensa e, por consequência, democracia.

Foi titular de uma banca com o seu nome até se desencantar com a advocacia como acontece atualmente — com pouco contato com clientes. Em um golpe de empreendedorismo, especializou-se na auditoria jurídica. “Hoje, os escritórios têm necessidade de atender clientes de diversas matizes”, explica.

Mas a maior proeza de Vita Roso está bem longe dos escritórios e mais perto da serra do mar. Dono de uma área de 850 mil metros quadrados, entre o bairro paulistano de Parelheiros e o município de São Bernardo do Campo, plantou 800 mil árvores no sítio, cujo nome remete ao som feito pela coruja: Curucutu.

São pinheiros, araucárias, jacarandás e perobas. Todo o verde atraiu pacas, tatus, cotias e veados. Estimativas apontam que a vegetação é responsável por 0,5% do oxigênio consumido em São Paulo. “Sou um louco varrido. Se fosse para fazer de novo, não faria. A cidade não merece.”

Os laços com o verde vieram depois de ter morado na África, onde viu “destruição” e resolveu “se reparar com a humanidade”. A lista de países pelos quais passou é longa: Costa do Marfim, Gabão, Mauritânia e Congo. E tem também a Itália e os Estados Unidos. A história com a advocacia, porém, data de antes. Bem antes, na verdade, quando ainda “estava no ginásio”. Ou, mais precisamente, no ano de 1947, quando esteve na tradicional Festa do Abacaxi, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde mais tarde ele iria fazer sua graduação. “Senti aquele ambiente e percebi que deveria entrar para a faculdade de Direito”, recorda.

Saiu do então curso clássico — como era chamado o Ensino Médio de hoje voltado à educação humanística — com sólida base de latim. Ele também lê em espanhol, inglês, francês e italiano. “Durante os três anos, fui um excelente aluno”, orgulha-se Vita Roso. “Tirei dez em tudo”. Foi nessa época que começou a ligação com as letras. Ele e um grupo de alunos fundaram o jornal O Monarquista.

Durante a entrevista, o advogado bate na tecla da democracia. “No fundo, no fundo, no fundo, eu aceito a Monarquia hoje porque os países que estão sob esse regime apresentam um maior índice de democracia e de participação. Holanda, Inglaterra, Dinamarca, Suécia têm um grande número de jovens participando no Congresso”.

Ao analisar sua passagem pela faculdade, reflete: “Fiz um péssimo curso de Direito porque não tinha muito tempo. De tarde eu estagiava, de graça, e à noite, estudava”. Ele diz que, nessa época, começou a tomar contato com a literatura clássica e contemporânea de Portugal. “E menos com os autores brasileiros”, enfatiza. “Quando entrei na faculdade de Direito, lia de tudo, dentro do possível, menos os livros pedidos”, revela.


Primeiros livros

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Um dos primeiros autores citados por Vita Roso, de bate pronto, é o portuguêsAlexandre Herculano. Autor de Eurico, o Presbítero e de A Abóboda, dentre outras obras, “além de historiador, foi um dos primeiros romancistas de Portugal, na chamada época do romance histórico”, ensina o advogado.

Depois de formado, Vita Roso conta que passou a ler Graham Green. “O autor me marcou muito”. São dele obras como O Fator Humano, de 1978, e O Americano Tranquilo, de 1955. “A partir daí, passei a ter uma vida mais intimista”, conta, “e comecei a escrever”. São onze os livros publicados. Inglês, Green escreve romances, contos, peças teatrais, críticas literárias e de cinema. Muitas de suas obras foram adaptadas para o cinema.


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Legado pessoal
É dele o Carrefour para intelectuais franceses contemporâneos: antologia. O livro reflete o investimento no saber humanístico característico de Vita Roso e fala de oito intelectuais, todos com origens judaicas: Edgar Morin, Claude Lanzmann,Georges Charpak, Boris Cyrulnik, Alain Minck, Marc Levy, Bernard-Henri Levy e Jacques Atalli. São sínteses biográficas, breves listagens de publicações e sinopses de obras.

“Nós estamos muito dependentes da literatura neozelandesa e australiana. São caras que não têm a ver com a gente”, critica.


Leitura jurídica

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“Ele é um homem que me marcou muito, com quem convivi por muito tempo”, fala Vita Roso sobre Miguel Reale, autor da teoria tridimensional do direito, conhecida por três elementos: fato, valor e norma. 

Também se diz inspirado por Fábio Konder Comparato, San Tiago Dantas e Ives Gandra Martins. Com esse último, esbarra vez ou outra na missa.

Ele explica a escolha: “São todos juristas com implicações políticas. Não tratam do Direito como algo asséptico ou de laboratório”.


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Li e recomendo
“Gosto dos mineiros, todos eles”, conta Vita Roso. Entram nessa leva Fernando Sabino e João Guimarães Rosa. “Quer um livro mais bonito que Sagarana?”, indaga, em alusão a uma das principais obras de Guimarães Rosa. Mas quem ele gostaria mesmo de ter conhecido antes, confessa, é Paulo Dantas. “Tem um autor que eu fui conhecer depois de velho. Gostaria de ter conhecido ele bem antes”, conta.

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As estantes abarrotadas de livros provam o desejo. Só a obra Presença de Lobato possui três exemplares. “Ele escreveu 40 livros e é totalmente desconhecido. Na minha opinião, ele é como o Euclides da Cunha [autor de Os Sertões] porque percorreu o Brasil e o reescreveu”.

Um dos orgulhos do advogado é a segunda edição do livro A Ilusão Americana, de Eduardo Prado, que vale como se fosse a primeira, segundo ele. “A primeira foi suprimida e confiscada por ordem do governo brasileiro republicano”, explica. “O autor  pôs a mão na ferida da formação dos Estados Unidos mostrando a espúria dos Estados Unidos. Eles mataram os índios, pintaram e bordaram”, relembra.

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