A quarta família

STF retoma análisa da união homoafetiva nesta quinta

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4 de maio de 2011, 20h06

 O Supremo Tribunal Federal retomará nesta quinta-feira (5/5) o julgamento que discute a equiparação das relações homoafetivas às uniões estáveis convencionais, entre homem e mulher. A sessão desta quarta-feira foi suspensa depois do voto do ministro Ayres Britto, a favor da união entre pessoas do mesmo sexo. O julgamento será retomado às 14h, com o voto do ministro Luiz Fux.

A interpretação judicial sobre a união homoafetiva pode vir a reconhecer a quarta família brasileira. No atual contexto, a Constituição prevê três enquadramentos de família. A decorrente do casamento, a família formada com a união estável e a entidade familiar monoparental (quando acontece de apenas um dos cônjuges ficar com os filhos).

Ao julgar procedentes as duas ações que pedem o reconhecimento da relação entre pessoas do mesmo sexo, o ministro Ayres Britto afirmou que a união homoafetiva deve ser considerada como uma autêntica família, com todos os seus efeitos jurídicos. Se prevalecer a tese, casais homossexuais terão direito até de adotar crianças, por exemplo.

O ministro Britto votou no sentido dar interpretação conforme a Constituição para o artigo 1.723 do Código Civil. A norma define a união estável como aquela "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Pelo voto do ministro, deve ser excluída da interpretação da regra qualquer significado que impeça o reconhecimento de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Em voto de cerca de duas horas, o ministro frisou que a união homoafetiva não pode ser classificada como mera sociedade de fato, como se fosse um negócio mercantil.

Além de uma longa análise biológica sobre o sexo, Britto registrou que o silêncio da Constituição sobre o tema é intencional. "Tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido. A ausência de lei não é ausência de direito, até porque o direito é maior do que a lei", afirmou.

Se não há lei que proíba, a conduta é lícita. De acordo com o ministro, a Constituição entrega o "empírico emprego das funções sexuais ao arbítrio das pessoas". E o Estado brasileiro veda o preconceito por orientação sexual. "As normas constitucionais não distinguem o gênero masculino e feminino", frisou Britto. Ou seja, não fazem distinção em relação a sexo. Logo, não fazem também sobre orientação sexual.

Britto disse também que união homoafetiva só seria vedada se a Constituição fosse expressa nesse sentido. "O que seria obscurantista e inútil", emendou. Segundo o ministro, a família, em sua concepção, é o núcleo doméstico, tanto faz se integrada por um casal heterossexual ou homossexual.

O ministro ainda ressaltou que não se pode alegar que os heterossexuais perdem se os casais homoafetivos ganham o direito ao reconhecimento jurídico de suas relações. Só se restringe um direito para garantir outro. Quem perde com o reconhecimento da união homoafetiva? Ninguém.

Família de fato e de direito
Nas sustentações orais, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que a ação visa reconhecer que todas as pessoas têm os mesmos direitos de formular e perseguir seus planos de vida desde que não firam direitos de terceiros. E, para ele, o reconhecimento da união homoafetiva fortalece a família. De acordo com Gurgel, a discriminação em relação aos casais formados por pessoas do mesmo sexo compromete a capacidade dos homossexuais de viver a plenitude de sua opção sexual. "Embaraça o exercício da liberdade e o desenvolvimento da identidade de um número expressivo de pessoas", disse.

O PGR citou dados do IBGE, de acordo com os quais há 60 mil casais homossexuais no país. "E o número é certamente maior do que o dos dados oficiais. A união entre pessoas do mesmo sexo enquadra-se no plano dos fatos", afirmou.

O advogado Luís Roberto Barroso, que representado o governo do Rio de Janeiro, subiu à tribuna para falar que a história da civilização é a história da superação do preconceito. E lembrou de casos em que homossexuais foram punidos apenas por declarar sua opção sexual. De acordo com Barroso, o Supremo deve impor o mesmo regime jurídico das uniões estáveis convencionais às relações homoafetivas. Entender diferente, sustentou, significa depreciar e dizer que o afeto delas vale menos.

"Duas pessoas que unem seu afeto não estão numa sociedade de fato, como uma barraca na feira. A analogia que se faz hoje está equivocada. Só o preconceito mais inconfessável deixará de reconhecer que a analogia é com a união estável", afirmou Barroso. O advogado também frisou que o direito das minorias não deve ser tratado necessariamente pelo processo político majoritário. Ou seja, pelo Congresso Nacional. "Mas sim por tribunais, por juízes corajosos", disse.

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, também defendeu o reconhecimento das uniões homoafetivas. "O reconhecimento dessas relações é um fenômeno que extrapola a realidade brasileira e o primeiro movimento de combate à discriminação que sofrem esses casais vem do Estado, com o reconhecimento de benefícios previdenciários", afirmou.

Outros seis amici curiae defenderam as uniões homoafetivas. Contra o reconhecimento, falaram dois amici. A principal foi a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O advogado Hugo José Cysneiros, que representou os bispos, começou com argumentos pesados. "Poligâmicos, incestuosos, alegrai-vos. Afinal, vocês também procuram afeto", disse em contraponto às sustentações que pregaram que o afeto não pode ter distinção entre homossexuais e heterossexuais. "A pluralidade tem limites", afirmou Cysneiros.

Quando passou aos argumentos jurídicos, Cysneiros sustentou que "uma lacuna constitucional não pode ser confundida com não encontrar na Constituição aquilo que eu quero ler". De acordo com ele, a CNBB não entrou nos processos para "trazer seu catecismo, nem citar textos bíblicos", mas para pedir "o raciocínio, a análise, tendo como referência o texto constitucional".

Cysneiros disse que com o texto legal claro no sentido de que a "união estável se dá entre o homem e a mulher", não cabia espaço para interpretações. E concluiu dizendo que a depender do resultado do julgamento, portar uma Bíblia poderia ser considerado crime. Outros sete amici curiae foram admitidos na ação, mas não fizeram sustentações orais.

Pedido duplo
O julgamento do Supremo é feito com base em duas ações. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. A ADPF foi transformada em ADI depois que se verificou que um de seus pedidos, o reconhecimento de benefícios previdenciários para servidores do estado do Rio de Janeiro, já havia sido reconhecido em lei. 

A ADI foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República com dois objetivos: declarar de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e estender os mesmos direitos dos companheiros de uniões estáveis aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

O argumento principal da ADPF transformada em ADI, proposta pelo estado do Rio de Janeiro, é o de que o não reconhecimento da união homoafetiva contraria preceitos fundamentais constitucionais como igualdade e liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana.

ADI 4.277
ADPF 132

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