Jornalista calado

Senador demonstrou desprezo pela opinião pública

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1 de maio de 2011, 14h21

“Até quando, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda há-de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há-de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os temores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos?”.

Assim principia um dos mais famosos discursos de Cícero, perante o Senado romano contra Catilina e sua conspiração. É uma peça de acusação que – para além do brilho oratório , traz em si a essência dos valores republicanos pela admoestação ao comportamento público no Senado e em Roma.

Ao lembrar essa passagem das Catilinárias não se pode deixar de comparar com o recente comportamento do senador Roberto Requião (PMDB/PR) ao usurpar, de modo violento, o gravador de um jornalista, durante entrevista no Senado Federal, simplesmente porque ficou irritado com algumas perguntas acerca da aposentadoria que recebe como ex-governador de Estado. Arvorando-se em furioso censor, arrancou das mãos do profissional de imprensa seu instrumento de trabalho.

Seria esse o bom exemplo de um senador da República no recinto do Senado?

Não deveria esse tipo de ato constituir-se em pedagogia pública a nortear o espírito republicano com vistas a ensinar à juventude e à nação sobre o comportamento de seus representantes. Transparência e dignidade bem como muito de decoro parlamentar seriam suficientes. As virtudes cívicas, para além de crenças e ideais, materializam-se em atitudes.

O vil comportamento do senador, covarde e truculento na forma, não choca tanto pela agressividade do ato mas pelo significado do gesto.

Falou alto o mais absoluto desprezo que o indigitado senador, aliás como muitos políticos nesse país, têm pela opinião pública e o exercício da liberdade de imprensa, demonstrando, quotidianamente, o quanto lhes falta cultura política e respeito às liberdades públicas.

Liberdade de imprensa, que é pilar constitucional erigido contra o arbítrio e o exercício espúrio do poder e suas consectárias benesses, parece só valer para uma classe de políticos, quando lhes é favorável. Alguns só têm ouvidos para o elogio de seus atos ou quando se repercute a grandiosidade de suas realizações. Do contrário, atiram-se à ira desenfreada e desmedida quando a crítica acossa-lhes os flancos, transparecendo ao público suas mazelas e mesquinharias recônditas.

Infelizmente as imunidades parlamentares são o manto de que se valem políticos insensatos para a justificativa da covardia e do arbítrio. E, ao contrário de Catilina, que foi declarado inimigo público do Senado e de Roma, por aqui, tudo continuará como se nada tivesse acontecido.

Perde com isso a liberdade, a democracia e a credibilidade do povo no seus representantes.

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