Ocaso da satiagraha

Empresários são investigados por corromper delegado

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30 de junho de 2011, 20h33

Prometia ser a apoteose de uma batalha épica e histórica. A vitória cívica do idealismo sobre a patifaria. Um delegado heróico e um juiz corajoso enfrentam o sistema, um tubarão de colarinho branco e derrotam o poder econômico colocando bandidos na cadeia. Mas o que começou como uma das mais belas fábulas contemporâneas, cheia de idealismos, agora desponta para um caso de podridão. A operação satiagraha, que alimentou as ilusões de muita gente, concluiu a Justiça, não passou de uma farsa. Pior: uma farsa comprada.

O ex-delegado Protógenes Queiroz, mesmo protegido por um mandato parlamentar, é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal por interceptação telefônica ilegal, prevaricação e corrupção passiva. As suspeitas baseiam-se em dados apimentados. Seu patrimônio teria aumentado vinte vezes depois que entrou nessa luta do bem contra o mal. Protógenes e seu ex-chefe, Paulo Lacerda teriam vendido a operação satiagraha a empresários que queriam o naco de Daniel Dantas no mercado nacional de telefonia.

No Inquérito que se encontra no Supremo Tribunal Federal, sob número 3.152, aparece o nome do empresário que teria financiado de maneira oculta a operação: Luís Roberto Demarco de Almeida. Diretor demitido do Opportunity, ele é descrito no inquérito como alguém que fez fortuna especializando-se em prestar serviços para os adversários de Dantas.

Tabela corrupção - 30/06/2011

Conforme o despacho assinado pelo juiz federal Toru Yamamoto, que encaminhou o Inquérito 3.152 ao STF quando Protógenes tornou-se deputado, Demarco não é o único investigado por corrupção ativa nessa história escabrosa. O empresário Paulo Henrique Amorim, que se apresenta como um paladino do combate ao crime, responde pela mesma acusação de seu parceiro.

Assim como Protógenes, Amorim ostenta um acréscimo de patrimônio incomum para os padrões da sua profissão. Ele é dono, por exemplo, de um imóvel na Quinta Avenida, em Nova York, em frente ao Metropolitan Museum. Segundo o próprio apresentador, a conta certa é de dois apartamentos nova-iorquinos.

Os nomes de Demarco e Paulo Henrique Amorim surgiram no processo com a quebra do sigilo telefônico de Protógenes. Constatada a prática de fraudes no curso da célebre operação, a própria PF decidiu checar a origem do entusiasmo do delegado com a missão. Foi quando se apurou que Protógenes trocara pelo menos 422 telefonemas com a dupla de empresários nos doze meses que antecederam a deflagração da operação.

Ao mesmo tempo, o então delegado passou a receber, em “doação” parte dos sete imóveis dos quais ele declarou ser proprietário à justiça eleitoral. Protógenes declarou também à Justiça eleitoral ter R$ 284 mil guardados em casa e uma conta na Suíça.

A investigação em torno do patrimônio do hoje deputado, contudo, mostra que a declaração tem erros em volume suficiente para justificar a cassação do mandato de Protógenes. Parte do seu patrimônio foi omitido e o valor total dos bens declarados (R$ 834 mil) seria seis vezes maior (R$ 5,04 milhões). Antes de se tornar delegado, o patrimônio de Protógenes, segundo sua declaração, era de R$ 206 mil.

O verdugo de Dantas
Luís Roberto Demarco, conhecido verdugo de Dantas junto à mídia e ao Ministério Público, influiu decisivamente no processo de privatização da telefonia. Ao longo de muitas dezenas de processos judiciais ele aparece dublando jornalistas, deputados, advogados, policiais e no papel de lobista. Em reportagem publicada por este site, em setembro de 2004, apurou-se que foi ele o autor da primeira ação apresentada pelo Ministério Público Federal contra Daniel Dantas e o Opportunity. Mais tarde, soube-se que o empresário fora o patrocinador de uma investigação aberta na Câmara dos Deputados contra seu ex-empregador, assim como outras sindicâncias e inquéritos em outros órgãos, como a Anatel e a Comissão de Valores Mobiliários.

Demarco também conseguiu ser admitido como assistente de acusação do MPF em São Paulo, em processos que ele mesmo alavancou. No trato com a polícia, a proximidade também é notória — ele trocava e-mails com delegados sugerindo ações para a Polícia Federal. Claro: sugerindo a prisão de Dantas.

Demarco diz que sua fortuna deriva de um conglomerado de empresas de informática que, entre outras atividades, ocupam-se da venda de softwares. Mas, pelo menos durante certo período, durante a briga pelas teles, sua receita comprovadamente engordou com dinheiro vindo dos concorrentes de Dantas. A informação provém da justiça italiana, onde ex-dirigentes da Telecom Italia confessaram que milhões de euros foram remetidos a Demarco num projeto para que a operadora assumisse o controle da Brasil Telecom.

Sem rodeios, os italianos disseram em juízo que a dinheirama foi usada no Brasil para corromper policiais, políticos e jornalistas. As explicações, contidas em um processo sobre um milionário esquema de espionagem empresarial da Telecom Itália em vários paises, que corre na Justiça de Milão, serviram para mostrar que os executivos da Telecom Italia não haviam embolsado o dinheiro de acionistas da operadora.

A acusação dos advogados de Dantas é que Demarco e Paulo Henrique Amorim teriam azeitado uma máquina de divulgação destinada a amplificar a má-fama de Daniel Dantas. Como o banqueiro já passara muitos concorrentes para trás, com os métodos mais perversos que o capitalismo possibilita, não seria difícil transformá-lo no ícone do crime de colarinho branco.

O interesse comercial camuflado casou-se com o voluntarismo de pessoas que acreditam ser necessário sair dos trilhos do Direito para encarcerar ricos — pensamento análogo ao de comerciantes que patrocinam a criação de milícias no Rio de Janeiro ou dos mentores dos esquadrões da morte que começaram caçando criminosos e acabaram fazendo todo tipo de serviço sujo. Difícil hoje é distinguir quem atuou na farsa por dinheiro e quem embarcou por idealismo equivocado.

A vida de Dantas parece ter-se resumido a acompanhar processos judiciais. Ninguém sabe ao certo o valor de todos os seus bens que foram bloqueados, no Brasil e em outros países. Dantas perdeu a parceria do Citibank e a Brasil Telecom. Foi algemado e preso. Mas segundo Demarco e Amorim, o banqueiro é o homem mais poderoso do Brasil.

A principal tática utilizada pelos dois acusados, de acordo com o processo que está no STF, é a de constranger jornalistas e juízes que prejudiquem seus interesses. O modus operandi consiste em acusar sistematicamente quem não adere à campanha contra Dantas de trabalhar para ele. Ou seja: notícia ou decisão judicial que não seja contra o banqueiro só pode ser objeto de corrupção. Bem sucedida, a tática afastou a imprensa do assunto e causa dispepsia nos juízes “premiados” com processos que tratam do assunto.

O sucesso dessa novela toda, em parte, é produto do cansaço com a impunidade. Depois de séculos de injustiça social, ver um milionário na cadeia tornou-se um idílio. Mesmo que a investida fosse patrocinada por outros milionários.

O Inquérito no STF está sob os cuidados do ministro Dias Toffoli. A Procuradoria-Geral da República, provavelmente, fará de tudo para preservar os seus representantes em São Paulo, que deram guarida à ficção produzida por Protógenes.

O juiz Fausto de Sanctis, outro ex-herói da satiagraha, depois dos aplausos, experimenta a reprovação. Ao menos para a elite do Direito nacional, é considerado um personagem folclórico. Passou a enfrentar sucessivos julgamentos. Escapou, segundo seus julgadores, porque ser mau juiz não é delito nem falta disciplinar.

É possível que Protógenes, Demarco e Amorim, igualmente, fiquem livres das acusações. Mas dificilmente, doravante, o truque funcionará de novo.

Clique aqui para ler o Inquérito 3.152
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aqui para ler a reportagem da ConJur sobre as investigações do esquema de espionagem da Telecom Italia na Itália 

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