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Para Ari Pargendler, PEC dos Recursos é radical

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27 de junho de 2011, 19h28

A PEC dos Recursos é positiva, mas radical, na opinião do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Ari Pargendler. Em entrevista aos repórteres do jornal Valor Econômico Juliano Basile e Maíra Magro, o ministro disse que a ideia é positiva porque enfrenta o dilema de como garantir o cumprimento das decisões e evitar, por exemplo, casos como o do jornalista Pimenta Neves, que ficou solto mesmo condenado por homicídio. "Mas é uma solução tão radical que os juízes seriam obrigados a descumprir a Constituição", advertiu Pargendler, referindo-se ao fato de uma decisão ser executada enquanto ainda cabe recurso.

O presidente do STJ reconhece que, apesar de indicar o ponto fraco da proposta, não sabe o que propor para melhorá-la. “Em relação ao Recurso Extraordinário, o problema está muito reduzido, porque a Reforma do Judiciário trouxe grandes melhorias ao Supremo. Eles estão diminuindo drasticamente o estoque. O maior problema é aqui no STJ”, declarou ao jornal.

Leia a entrevista publicada na edição desta segunda-feira (27/6) do Valor Econômico:

Valor — Qual a sua opinião sobre a PEC dos Recursos?
Ari Pargendler — Não fui consultado. O ministro Peluso, que é amigo meu, não consultou nem os ministros do Supremo. Mas alguma coisa tem que ser feita. Acho um mérito do ministro Peluso ter a ideia. Eu tenho 35 anos de magistratura federal, fui procurador da República e, antes, advogado. Se me perguntarem como se resolve, eu não sei.

Valor — Qual seria a saída para a demora excessiva no cumprimento das decisões?
Pargendler — Há uma tensão muito grande entre qualidade e efetividade. Se você quer um Judiciário com qualidade, perde em rapidez. Se você quer apenas rapidez, então a gente faz como em alguns países, onde primeiro se corta a mão e depois vê se a pessoa furtou ou não. A proposta do ministro Peluso é que haja um trânsito em julgado tão logo analisado o recurso na segunda instância. Nosso sistema foi feito para isso, atribuindo efeito meramente devolutivo ao Recurso Especial (ao STJ) e ao Extraordinário (ao STF).

Valor — Isso significa que já é possível executar as decisões partir da segunda instância?
Pargendler — A ideia da instância extraordinária (os tribunais superiores) é dar uniformidade ao sistema jurídico. Esse recurso é feito no interesse do ordenamento jurídico. O particular (a pessoa ou empresa que recorreu) seria apenas o veículo pelo qual o interesse público se manifestaria. Então, não tendo efeito suspensivo, executaria-se a sentença de segunda instância e se aguardaria o posicionamento. Esse era o sistema, mas os advogados são muito criativos e algumas situações realmente são desesperadoras.

Valor — Há um uso excessivo do mecanismo que suspende o cumprimento das decisões?
Pargendler — O Supremo atribui efeito suspensivo em situações excepcionais. Mas os casos infraconstitucionais, que são os do dia a dia, dão origem a situações gritantes. Eu tive um caso em que alguém entrou com uma ação, após receber um empréstimo da Sudene, para cobrar R$ 400 mil. No fim da ação, o Banco do Nordeste estava com ameaça de ter R$ 11 milhões retirados de sua conta por ordem judicial. O que se faz? Dá-se o efeito suspensivo ao Recurso Especial (ao STJ) e se aguarda o julgamento. Nesse caso, julgou-se para dizer que quem estava devendo não era o Banco do Nordeste, era a empresa. A situação foi restabelecida de acordo com o direito. Houve um caso famoso em que um juiz mandou abrir um cofre do Banco do Brasil com maçarico. Também foi julgado um protesto de títulos de uma quantia insignificante e um banco foi condenado a pagar R$ 500 mil de danos morais. Eu fui o relator do caso e a indenização foi reduzida para R$ 20 mil.

Valor — Esses casos mostram que o sistema atual funciona?
Pargendler — O que estou dizendo é que já existem mecanismos para que as sentenças sejam executadas a partir da segunda instância. Acontece que, em algumas situações, se dá o efeito suspensivo contra a lei. Mas se dá porque é um absurdo.

Valor — Então, a proposta do ministro Peluso não é eficaz?
Pargendler — É que essa é uma solução tão radical, de atribuir força de coisa julgada (à decisão de segunda instância), que os juízes vão ser obrigados a contrariar a Constituição. Teria que haver uma válvula de escape para que circunstâncias excepcionais fossem minimizadas. Eu nunca fiz isso, mas teria que deferir uma medida contra a Constituição se alguém me aparecesse aqui dizendo: "Estão para retirar da minha conta R$ 20 milhões". E a pessoa não tem idoneidade financeira.

Valor — Qual seria a solução?
Pargendler — Estou numa situação difícil, porque eu sei apontar o ponto fraco, mas não sei melhorar a proposta. Em relação ao Recurso Extraordinário (ao STF), o problema está muito reduzido, porque a Reforma do Judiciário trouxe grandes melhorias ao Supremo. Eles estão diminuindo drasticamente o estoque. O maior problema é aqui no STJ.

Valor — Como solucionar o excesso de recursos no STJ?
Pargendler — A segunda parte da Reforma do Judiciário previa a possibilidade de ser editada uma lei limitando os recursos para o STJ. Com isso, alguns temas não subiriam para cá. No meio dessa quantidade imensa de processos, muito poderia ser considerado lixo, porque repete questões que o tribunal já decidiu milhares de vezes. Causas de menor expressão poderiam ser incluídas nisso.

Valor — O sistema de julgar recursos repetitivos ajudou?
Pargendler — Ajudou demais. Quando o relator afeta o processo a esse regime, o tribunal fica aliviado de todos aqueles casos que subiriam e já não sobem, até que se resolva. E quando o STJ resolve, ele orienta o tribunal local. É um grande número de processos que não sobem. Mas há ainda uma grande quantidade de processos que não se repetem, e que são em número maior que a capacidade dos ministros de julgar a tempo. Por isso a necessidade de outra medida que impeça todos os recursos de subir.

Valor — Que tipos de recurso poderiam subir?
Pargendler — É uma questão muito difícil. Apenas temas de maior expressão subiriam.

Valor — Advogados reclamam dos julgamentos em bloco, que são uma prática comum no STJ.
Pargendler — Sou um ardoroso opositor da terceirização judicial. O erro não está no julgamento em bloco. Está em quem examinou o processo para colocar num bloco. Se eu olho todos os processos e digo "esses são iguais", ninguém vai se queixar. Agora, se eu colocar um que não é igual, o erro não é do julgamento em bloco. O erro é de quem colocou ele naquele bloco.

Valor — Quem coloca?
Pargendler — O que se diz, e pode-se imaginar isso em qualquer lugar, é que os juízes assinam mais decisões do que eles realmente podem ler.

Valor — Quantos processos os ministros julgam por mês?
Pargendler — Cheguei a pegar épocas no direito privado de 1,5 mil processos por mês, há três anos. Hoje baixou para uns 800, por causa dos recursos repetitivos. No limite do trabalho, um juiz aqui poderia ter 200 processos por mês. Mais que isso é insustentável. É uma situação perversa. Se ele não julgar, vão dizer que não trabalha. É um sistema em que ele precisa até terceirizar.

Valor — O STF está se transformando num tribunal de grandes causas, numa Corte Constitucional?
Pargendler — Eu não acho que o STF caminha para isso. Ao menos internamente. O STF tem outras atribuições e a mais manifesta é a de julgamento de causas criminais, que ocupam um tempo muito grande, na via do Habeas Corpus. Hoje, os recursos criminais são praticamente substituídos por Habeas Corpus.

Valor — E para onde caminha o STJ?
Pargendler — O STJ tem essa vocação constitucional de uniformizar a jurisprudência em matérias infraconstitucionais. Quem sabe, uma alteração na Constituição possa limitar sua competência para grandes questões federais. Mas eu acho que o STJ já encontrou seu destino. No Brasil se criou uma ideia, para mim sem sentido, de que entrar na Justiça é um exercício de cidadania. É difícil um brasileiro não ter uma ou mais ações na Justiça, algumas, talvez a maior parte, completamente infundada. Em outros países, é o contrário. Quem entra em juízo sabe que vai assumir uma grande responsabilidade em termos de despesas. Aqui a gente tem Justiça gratuita para quem precisa e para quem não precisa. Basta declarar que precisa da assistência judiciária.

Valor — Como a Justiça deve atuar em questões de políticas públicas?
Pargendler — Nós, juízes, temos que aplicar a lei. As políticas públicas são do Legislativo e do Executivo. O juiz tem que se abster de usurpar a competência dos outros. Como presidente do tribunal, todos os dias tenho que decidir a respeito de pedidos de suspensão de liminar e de segurança. Por exemplo: está faltando servidores no hospital. O juiz manda contratar. Isso não é seara para o Judiciário. Alguns juízes acham que têm conhecimento, enquanto quem está ali governando presumivelmente é quem conhece melhor os problemas. Como o juiz vai governar um município, um estado, um país?

Valor — Em duas decisões recentes, o STJ apontou problemas nas operações Satiagraha e Castelo de Areia, da Polícia Federal. O senhor acha que as ações da PF devem se adequar a critérios processuais ou essas são apenas minúcias e o que se deve é garantir o combate à corrupção?
Pargendler — Em tese, posso dizer que o grau de uma civilização se mede pela evolução de seu processo, porque a ideia é a de que ninguém pode ser condenado injustamente. Um processo ruim leva a decisões erradas. Mas não posso me manifestar sobre o caso concreto.

Valor — O STJ chegou a ficar com sete vagas abertas. Isso prejudicou o tribunal?
Pargendler — Sim, porque a jurisprudência não pode vacilar. Com substitutos que, por natureza, são provisórios, há grande possibilidade de variação na jurisprudência.

Valor — Este mês, a elaboração de uma lista para preencher duas vagas destinadas à magistratura estadual gerou muita divergência entre os ministros.
Pargendler — Sempre há.

Valor — Qual foi sua posição?
Pargendler — Aqui é tipo uma Academia Brasileira de Letras. Aqueles que têm interesse vêm e mostram sua disposição de concorrer à vaga. Não deveria ser assim. Nessa última lista, independente dos grupos que se formaram, convidei cinco pessoas que nunca pensaram em vir pra cá. Pessoas com grande experiência, reconhecidas em seus tribunais. Temos quatro vagas no Direito Penal. O que temos visto é que as pessoas chegam aqui sem vocação para o Direito Penal. Abre uma vaga no público e privado (nas turmas que lidam com essas questões) e sai alguém do penal, porque não é da área. Temos que ter gente que goste do penal. Então, eu inverti o processo. Pedi indicações, liguei para as pessoas e fiz o convite. Nenhum deles eu conhecia. Felizmente um entrou na lista.

Valor — Como o senhor avaliou o resultado?
Pargendler — Essa lista de quatro nomes é muito boa, embora eu tenha ficado vencido. Eu queria duas listas de três nomes, porque a concorrência favorece uma escolha. Além do que, só o fato de entrar na lista já é uma distinção para o juiz. Mas fiquei vencido.

Valor — Quando serão escolhidos os nomes para mais duas vagas?
Pargendler — Em agosto, provavelmente, será escolhida a lista dos juízes federais. A do Ministério Público é mais complexa, porque são 27 MPs estaduais e um federal, e cada um deles vai nos apresentar seis nomes.

Valor — O senhor apoia alguém?
Pargendler — Não. O meu recado eu já dei, agora cada um que faça do jeito que quiser.

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