Novas ideias

Livros eletrônicos também divulgam novos conceitos

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24 de junho de 2011, 7h23

A atual Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso VI, alínea d, torna imunes a impostos os livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.[1]

Utilizando-se, por sua vez, da hermenêutica do Direito para melhor depuração do quanto contido na referida norma, pensamos ter sido prestigiado não, primeiramente, o suporte físico da comunicação escrita, mas sim, antes de tudo, a sua própria essência, enquanto divulgação de pensamento, de cultura e de educação[2] como formas autênticas de desenvolvimento da própria Nação Brasileira, fundada que é na valorização da cidadania e da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, incisos II e III, da CF).

Com efeito, já nos utilizando das lições de Roque Carrazza, “a própria democracia de um país é diretamente proporcional ao grau de livre manifestação do pensamento que nele existe”.[3]

Não fica difícil perceber, então, que uma eventual possibilidade de tributação impositiva sobre os aludidos meios materiais de veiculação de pensamentos (livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão), feriria de morte os próprios ideais institucionais nacionais acima colocados, fazendo cair por terra qualquer desenvolvimento educacional do povo que não poderia, portanto, prescindir de livros, de jornais ou de seus afins.

E foi, justamente, nesse contexto de necessidade de facilitação de divulgação de pensamentos que se elegeu o critério das imunidades tributárias em face daqueles respectivos suportes materiais, enquanto difusores de ideias. Com as imunidades, uma maior parte das pessoas teria acesso “às informações, às artes, à cultura, ao lazer, às práticas religiosas, às ações governamentais etc.”.[4] Teriam, portanto, mais educação.

Em interessante colocação, em que contrapôs o desenvolvimento educacional com uma eventual tributação sobre o papel do livro, Monteiro Lobato, ainda no início do século passado, assim consignou: “A cultura se faz por meio do livro. O livro se faz com papel. Carregar de taxas o papel é asfixiar o livro. Asfixiar o livro é matar a cultura. (…) Todos os povos civilizados procuram aplainar por todos os meios os caminhos da cultura. Nós atravancamo-lo de empeços. Nós, em vez de asfaltar a estrada, barramo-la com arame farpado! Vítimas da incultura, pobres por incultura, doentes por incultura, mal governados por incultura, sem bom conceito por incultura, o meio único de nos arrancarmos do atoleiro é a cultura. Como, pois, cerceá-la, torcendo o pescoço ao instrumento de cultura que é o livro?”.[5]

Assim sendo, podemos concluir que nossa atual Constituição, antes das formas materiais, buscou privilegiar o próprio conteúdo das informações, ou seja, das ideias e dos pensamentos (aí a intentio constitutiones), revelando bem oportuna a afirmação, agora, de Célio Armando Janczeski no sentido de que “a interpretação reclama evolução desprendendo-se do livro-objeto para contemplar o livro-valor”.[6]

E sua literal correlação (da imunidade) apenas com as formas impressas de difusão de ideias se deu por conta da realidade em que se encontrava o então constituinte originário, alheio, por óbvio, aos atuais e modernos modos de se veicular uma dada informação (internet, CD etc.) que somente o tempo pôde apresentar.

Não quiseram, tais legisladores constitucionais, insista-se, prestigiar o papel propriamente dito que compõe um livro ou um periódico. Realmente, não. O que pretenderam foi a distinção do conteúdo nele inserido e do valor nele contido.

Com tais parâmetros, sentimo-nos confortáveis em abraçar a tese extensiva da imunidade em face, também, dos livros, periódicos e jornais veiculados de forma eletrônica, por plena possibilidade de equiparação àquela forma impressa.

A necessária evolução da tecnologia, em nível das formas de veiculação de pensamentos, em nada alterou o espírito que, originariamente, já nascera com a atual Constituição (intentio constitutiones), sendo-nos, novamente, precisas as lições de Roque Carrazza, para quem “…a palavra livro está empregada no Texto Constitucional não no sentido restrito de conjunto de folhas impressas, encadernadas e com capa, mas, sim, no de veículos de pensamento, isto é, de meios de difusão da cultura (…) Hoje, temos os sucedâneos dos livros, que, mais dia menos dia acabarão por substituí-los totalmente”.[7]

Com efeito, os novos modelos materiais de propagação de ideias (veículos eletrônicos) apenas passam a ocupar o lugar daqueles, impressos, que refletiam, por excelência, uma cultura editorial contemporânea à época em que o instituto da imunidade lhes fora, inicialmente, atribuído (CF/88). Essa desoneração, contudo, não resta afastada pela nova diferenciação das formas. A forma eletrônica de difusão de idéias se insere, perfeitamente, na mesma moldura cultural veiculada na difusão clássica, em papel.

Seja numa ou noutra forma, serão, sempre, veículos de transmissão de pensamentos, de difusão de idéias. Serão, sempre, livros, na acepção que se deve dar à alínea d acima citada e, que fora, como visto, axiologicamente prestigiada.

E como ‘livros’, por fim, deverão ver suas operações jurídicas alcançadas, sim, pela imunidade tributária impositiva, na melhor forma de se interpretar os objetivos constitucionalmente almejados, dentro de uma estrutura de raciocínio teleológica e, não, literal, cabendo, pois, ao intérprete sempre “… buscar o ‘espírito da lei’, atendendo, inclusive, a celebérrima advertência de São Paulo, na Epístola II aos Coríntios, 3, 6: (…) ‘a letra mata; o espírito vivifica’.[8]


[1]“Art.150.Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

[2]Roque Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª edição, revista, ampl. e atual. até EC53/06. Malheiros: São Paulo, 2007, p.759.

[3]Idem ob. cit., p.760. Igualmente, para José Eduardo Soares de Melo. Curso de Direito Tributário, 9ª Ed.. São Paulo: Dialética, 2010, p.173.

[4]Idem ob. cit., p.761.

[5] Monteiro Lobato. Mr. Slang e o Brasil. In Obras Completas de Monteiro Lobato. São Paulo: Brasiliense, 1951, vol.8, p.165-167. In Pedro Augusto Adamy. As Imunidades Tributárias e o Direito Fundamental à Educação. Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 96. São Paulo: 2011, RT, p. 129.

[6] A Imunidade dos livros, periódicos e do papel destinado a sua impressão. In Marcelo Peixoto, Cristiano Carvalho (coords.). Imunidade tributária. São Paulo: MP, 2005, p.58.

[7] Idem ob. cit., p.762.

[8] Roque Carrazza. Idem ob. cit., p. 770. Da mesma forma, Hugo de Brito Machado. Curso de Direito Tributário, 28º Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 307.

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