Restrição bem-vinda

Certificação digital traz segurança para partes

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24 de junho de 2011, 7h35

O inciso LX, do artigo 5º, da Constituição diz que a lei só pode restringir a publicidade dos atos processuais "quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Uma nova forma de acesso aos autos surgiu com o processo eletrônico, mas implantado o novo sistema, a visualização das peças eletrônicas exige credenciamento nos tribunais e o uso de certificação digital. Considerando que os autos (que não estão em segredo de Justiça) são públicos, a visualização não deveria prescindir dessas exigências? Advogados acreditam que não.

A questão é regulamentada pela Resolução 121/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que considera públicas as certidões, os atos decisórios e os dados básicos do processo. O sistema, que prevê a exigência da certificação para o acesso às peças, já foi implantado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Nessa terça-feira (21/6), o CNJ o disponibilizou para os tribunais de todo o país.

No Supremo, as ações de controle concentrado de constitucionalidade e os recursos extraordinários paradigmas de repercussão geral, por serem de interesse coletivo, continuam a ser disponibilizados para consulta irrestrita. Os feitos que tramitam em segredo de Justiça, por sua vez, só podem ser acessados pelos advogados e partes cadastrados no processo.

Por meio de sua Assessoria de Imprensa, o STF explicou que a certificação é como um selo de correspondência. Mais barato do que uma viagem a Brasília (o leitor custa de R$ 80 a R$ 220), qualquer pessoa pode ter uma. Também foi dito que assim como a consulta física aos autos na capital federal, a consulta virtual requer a identificação do consulente, para resguardar as informações e evitar ilicitudes como fraudes com os dados pessoais das partes.

Márcio Dumas, presidente da Comissão de Direito Eletrônico e Informatização OAB do Paraná, observa que hoje se vive a era da hiperpublicidade, e nessa nova realidade não se pode admitir que todas as pessoas tenham acesso irrestrito aos autos. “O processo continua sendo público, mas no cartório, não pela internet. É diferente de em qualquer lugar do mundo a qualquer hora”, observa.

O sub-procurador da OAB-RJ, Guilherme Peres, também não vê problema na exigência de certificação, já que “ela não impede o acesso, mas deixa claro que existe um controle sobre possíveis fraudes. O processo eletrônico não deve ter restrição, mas a exigência de registro é razoável”, considera.

Peres atuou no pedido de providência, contra o Tribunal Regional Federal da 2ª Região e o Tribunal de Justiça fluminense, em que o Conselho Nacional de Justiça decidiu que o advogado pode acessar livremente qualquer processo eletrônico, mesmo quando não possuir procuração nos autos.

Ele observa que o “livre acesso” dos advogados (com exceção dos processos em segredo de Justiça) é expressamente garantido pelo Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994), inclusive pelo papel fundamental na Justiça da categoria, e que mesmo assim eles prescindem da certificação digital para identificá-los nas consultas virtuais. O advogado lembra que nos cartórios são pedidos documentos de identificação para os consulentes, e que o controle existe também no contato visual. Algumas varas criminais chegam a anotar em livro próprio as consultas.

O advogado defende que a identificação é um meio termo razoável entre a publicidade dos autos e o direito à intimidade, porque garante certo nível de controle, capaz de gerar um temor em quem acessar para cometer algum ato ilícito.

Nova relação
O presidente da comissão sobre o tema da OAB-PR diz que o processo eletrônico democratiza o acesso aos autos e muda a relação entre os advogados e seus clientes na medida em que permite que a parte, com certificação eletrônica, possa ter acesso integral e imediato ao processo e acompanhar seu trâmite.

Além de evitar possíveis fraudes com as informações contidas nas peças, só acessadas com a certificação, o advogado menciona a hipótese de conhecidos das partes terem acesso irrestrito aos processos. “Imagine o ambiente de trabalho com colegas que acompanham os processos dos outros”, sugere.

Pontos positivos
Como exemplo da agilidade que o processo eletrônico causa nos processos, que Dumas imagina chegar a 70% se os envolvidos souberem manejá-lo, ele cita caso em que numa tarde de sexta-feira, de Curitiba, apresentou recurso pelo sistema virtual em um tribunal em Porto Alegre (RS) e uma hora depois já obteve a decisão. “O que demoraria seis meses só levou uma hora.”

Quanto aos custos envolvidos na implementação, com atualizações de ferramentas e equipamentos, ou até mesmo com a certificação digital, o advogado compara com o preço estimado de cada processo físico, que vai de R$ 35 a R$ 80 e os gastos com papel e gasolina.

Transição
Ele acredita que nem a lei nem as pessoas estão 100% preparadas para o processo eletrônico, que deveria ser implementado com mais calma, mas “daqui a três anos nos perguntaremos como vivíamos sem ele”. Segundo Dumas, ainda estamos passando por uma fase de transição, naturalmente turbulenta, mas necessária. Advogados e tribunais ainda não se equiparam com a estrutura necessária para usar o novo processo, e ainda falta aprender a usá-lo.

O advogado observa que é difícil configurar a certificação digital no computador e que muitos advogados têm que fazer um curso de informática sim, porque ela virou ferramenta de trabalho. Ele conta que dá treinamentos para advogados sobre o sistema e que sempre encontra alunos que ainda usam máquina de escrever.

Alguns advogados levam sobrinhos ou netos para as aulas por estarem convictos de que não conseguirão aprender. Nesses casos, o advogado admite: um curso de 12 horas não será suficiente. “A questão é maior do que o processo eletrônico, é sociológica, diz respeito ao processo cognitivo dos profissionais mais antigos”, explica.

Dumas critica a falta de unificação dos sistemas de processo eletrônico, e conta que no Paraná existem aproximadamente 48 diferentes, com modos de uso e peculiaridades próprias. “Se alguns advogados têm dificuldades com um, imagina com vários”, observa.

O advogado alerta para o fato de ainda não serem conhecidas as implicações das atitudes virtuais — a certificação não serve só para petição, através dela se pode assinar confissão de dívida e alterar a declaração de Imposto de Renda, por exemplo. Ele lembra o caso de uma servidora que tirou o nome do noivo do SPC entrando no sistema de processos com a assinatura digital de um juiz. “Ela poderia ter tirado alguém da cadeia”, diz.

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