monge sem hábito

CNJ repetiu vícios que deve combater

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23 de junho de 2011, 10h45

A Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro viu-se obrigada a propor um procedimento de controle administrativo no Conselho Nacional de Justiça contra o comportamento absolutamente anacrônico de uma magistrada do Trabalho, que impediu um advogado de realizar  audiência porque não estava vestindo paletó.

Esse fato, por si só, revela muito sobre parte do Judiciário brasileiro, que ainda dá importância a títulos nobiliárquicos e ritos ultrapassados, em vez de se preocupar em prestar a contento jurisdição. Na maioria dos países civilizados, os magistrados são apenas juízes: juízes de primeira instância, juízes de apelação, juízes da Suprema Corte. No Brasil, remanesce a previsão legal de títulos diferenciados para magistrados de segundo grau e dos Tribunais Superiores. E mais: mesmo aqueles que carecem dessa prerrogativa constitucional exigem que o tratamento lhes seja dirigido dessa forma, como no notório caso dos integrantes dos tribunais regionais brasileiros, que fazem questão de ser tratados por desembargadores, ao arrepio da Constituição da República.

Exemplo significativo desse atavismo é a exigência de paletó e gravata para o advogado praticar atos judiciais, como audiências, despachos com o juiz e sessões de julgamento nos tribunais. Mesmo em dias de calor insuportável, do cada mais inclemente verão brasileiro,  o advogado vê-se obrigado a vestir esse traje herdado do inverno europeu, que, efetivamente, não condiz com o clima da maioria das regiões de nosso país. As consequências dessa exigência ultrapassada acabam afetando até mesmo a saúde dos advogados, especialmente os de idade mais avançada.

Não são o paletó e a gravata que dignificam o advogado, tampouco a toga distingue o juiz, mas sim o saber jurídico, a observância à ética, entre outros requisitos. Como diz o ditado, o hábito não faz o monge.

O anacronismo do Judiciário brasileiro é conhecido e objeto de atenção constante da OAB. Mas os eventos que se sucederam no julgamento do procedimento de controle administrativo acima citado nem o mais pessimista dos advogados poderia prever.

Mesmo se tratando de questão inédita no Plenário do CNJ, e já contando com um precedente monocrático favorável à OAB-RJ, o relator Nelson Tomaz Braga extinguiu liminarmente o procedimento. A OAB-RJ recorreu, e o feito foi incluído na pauta do dia 21 de junho de 2011.

A OAB-RJ despachou memoriais com os conselheiros, e, no dia do julgamento, estive presente à sessão. Por volta das 18 horas, o presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, informou ao presidente em exercício do Conselho Federal da OAB, Dr. Miguel Cançado (que faria uso da palavra no julgamento), que o processo não seria julgado, por conta do adiantado da hora. Por esse motivo, todos os representantes da OAB retiraram-se da sessão.

Qual não foi a surpresa quando soube, pouco depois do encerramento da sessão, que o recurso havia sido julgado em conjunto com outros casos repetitivos – o que não era o caso do nosso recurso –, por meio do eufemisticamente chamado ”julgamento célere”. Reitere-se que saí da sessão de julgamento já próximo do seu final, junto com o Dr. Miguel Cançado, após a garantia do ministro Cezar Peluso de que o caso não seria julgado. Mas, apesar de sua palavra, o recurso foi apreciado no apagar das luzes.

Esse lamentável e triste episódio me obriga a algumas reflexões. A primeira diz respeito a esse hábito de julgar processos em bloco, adotado por vários tribunais, sob a justificativa de que se trata de casos cuja matéria já se encontra pacificada na jurisprudência. O julgamento em bloco viola o devido processo legal e, mais especificamente, a publicidade processual, porque suprime a possibilidade de debate público do colegiado sobre a questão.

Além disso, como demonstrou o triste incidente ocorrido no CNJ, o julgamento por atacado pode retirar dos julgadores o conhecimento sobre a matéria a ser apreciada. É bastante ilustrativa, naquele caso, a declaração de alguns conselheiros, que se disseram surpresos ao saberem que o caso do paletó e da gravata havia sido julgado. Frise-se esse fato: julgadores decidiram sem saber o que estavam apreciando. Aliás, alguns deles já haviam manifestado a intenção de debater com mais profundidade, inclusive pedindo vista dos autos, mas acabaram por votar, inadvertidamente, no mesmo sentido do relator.

Mas o que mais me chamou atenção no julgamento do recurso da OAB-RJ foi o comportamento do relator, magistrado oriundo do quinto constitucional da advocacia, que pôs para ser julgado entre os casos repetitivos uma matéria jamais apreciada pelo Plenário do CNJ e que tinha, anteriormente, decisão monocrática a favor da tese da Seccional.

Esse episódio, que deixo ao ilustre leitor para fazer a devida adjetivação, deve servir para refletirmos sobre o Judiciário. O que esperar de um Poder com tantas contradições, e cujo órgão correicional máximo trata uma instituição da respeitabilidade da OAB com tamanho desprezo?

Aqui, faço outra reflexão. A OAB-RJ respeita todos aqueles que indicou até o momento – eu, particularmente, me orgulho dos nomes indicados sob a minha gestão. Isso nos mostra que a OAB deve ter absoluto rigor nas suas escolhas para o quinto. É inadmissível, como aconteceu na fatídica sessão do dia de ontem, que um magistrado que ingressou na carreira por essa via induza em erro seus próprios pares e trate como caso repetitivo uma matéria inédita.

O Poder Judiciário merece ter todos os seus atavismos postos a limpo. E o CNJ não pode repetir os mesmos vícios que ele tem o dever de combater. O órgão de controle deve dar o exemplo, e não ser mais um exemplo dos problemas que afligem o Poder Judiciário brasileiro.

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