Mesmo após o prazo decadencial de cinco anos, o fisco pode, se achar que a formação do prejuízo fiscal foi irregular, desconsiderar amortizações futuras da empresa que usar ágio para abater Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido. O entendimento, polêmico, é do professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Marco Aurélio Greco. Guru de boa parte das teses usadas pelo fisco contra planejamentos tributários, ele afirmou que não existe direito adquirido da empresa de usar o ágio mesmo depois de passados cinco anos do fato gerador.
No fim do ano passado, o dilema foi julgado pela primeira vez no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, tribunal administrativo que julga recursos dos contribuintes e da Receita Federal no Ministério da Fazenda. A decisão de turma declarou perfeitamente possível deduzir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL valores pagos a mais na aquisição de companhias. A mais valia é o ágio, montante pago pela compradora como remuneração pela lucratividade futura da companhia adquirida, reconhecido como despesa pelo Carf.
De acordo com a Lei 9.532/1997, que passou a permitir a dedução, o contribuinte pode parcelar a amortização, a cada mês, à fração de 1/60 do valor do ágio, quando tiver lucro tributável. A Receita pode, no entanto, considerar o aproveitamento ilegítimo a partir das primeiras deduções. Mas para os contribuintes, passados cinco anos do fato gerador, essa prerrogativa da fiscalização decai.
Para Greco, a tese bate de frente com entendimento do Supremo Tribunal Federal. “Não se tem direito adquirido ao prejuízo, conforme disse o Supremo ao julgar a trava de 30% para redução do lucro tributável”, diz. Em 2009, o STF entendeu que a Lei 8.891/1995, que permitiu o aproveitamento, concedeu um benefício fiscal e que, por isso, não havia nada de errado com a trava de 30% por período de apuração. A afirmação foi feita na V Jornada de Debates sobre Questões Polêmicas de Direito Tributário, promovida pela FISCOSoft nestas quinta e sexta-feiras (16 e 17/6), em São Paulo.
Para ele, enquanto o ágio não é amortizado totalmente, não existe fato consumado, apenas expectativa de direito. “A empresa espera que futuramente estará sujeita ao IR e ao regime de apuração do lucro real. Mas não existe direito adquirido a regime jurídico. Ela vai se submeter àquele a que se enquadrar na data da ocorrência do fato gerador.”
Por isso, em relação aos autos de infração lavrados depois de passados cinco anos da informação do ágio ao fisco, Greco afirma que a prática é legal. “O auto não existe sozinho, mas decorre da contabilização irregular”, defende. “Embora a segunda conduta aconteça cinco anos depois, é causal, não bastante em si.” Segundo ele, não há prazo para o fisco reconhecer a irregularidade, mas somente para impedir o aproveitamento. “As amortizações feitas no passado ficam consolidadas. Apenas as posteriores podem ser desconsideradas.”
Nesse caso, passado o prazo decadencial, agravamentos de multa também não podem ocorrer. “Autos podem ser lavrados, mas não com multa agravada, porque o fisco não pode mais questionar a origem da dedução.”
Ainda segundo ele, uma possível lei revogando os artigos 7º e 8º da Lei 9.532 — que passaram a permitir as deduções para incentivar as primeiras privatizações no país — e impedindo o aproveitamento de ágios já registrados, não seria inconstitucional. “Mas teria de ter norma de transição para não frustrar expectativas — e não direito adquirido — justas dos contribuintes.”