Segunda instância

Recursos contra decisões da CVM demoram mais

Autor

16 de junho de 2011, 7h59

Segunda instância de recursos contra decisões da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, mais conhecido como “conselhinho”, já demonstra precisar de mudanças. O aumento da proporção de decisões recorridas da CVM em relação às que chegam do Banco Central nos últimos anos reflete um movimento óbvio, decorrente da captação de investidores em bolsa de valores. Enquanto em 2004 apenas 3,5% dos recursos contestavam acórdãos da CVM, quatro anos depois, eles já respondiam por 32,9% dos processos. Simultaneamente, o tempo que o órgão leva para julgar um recurso dessa natureza mais que dobrou. Em 2004, a decisão definitiva saía, em média, em um ano e meio. Em 2008, já levava três anos e meio.

CVM
tabela da evolução do número de processos administrativos sancionadores - CVM

Os números se baseiam em levantamento feito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, a Direito GV, com base em acórdãos do Conselho proferidos entre 2004 e 2009. Ao todo, foram analisadas 159 decisões. De acordo com a coordenadora do estudo, Viviane Muller Prado, professora de Mercado de Capitais na Escola, o resultado da pesquisa ainda é apenas quantitativo. A avaliação qualitativa das decisões, que apurará os motivos dos números, é o próximo passo.

Segundo ela, o aumento no volume de recursos contra decisões da CVM está ligado ao maior número de decisões de primeira instância entre 2005 e 2006. Em 2004, foram 63 acórdãos da Comissão. Já em 2005, o número saltou para 80, indo para 109 no ano seguinte. “Levando-se em conta que o Conselho demora de dois a três anos para dar uma decisão, o crescimento do volume de processos pode ser derivado do aumento de casos na primeira instância”, diz.

A quantidade de recursos só caiu, segundo a professora, quando a CVM adotou o procedimento dos “termos de compromisso”. Nele, as partes acusadas de cometer irregularidades podem fazer uma espécie de acordo com a fiscalização, em que se comprometem a ressarcir os prejuízos sem passar por julgamento. “A solução amigável não aparece no estudo”, explica a professora. Em 2007, de acordo com o levantamento, foram julgados apenas 58 processos pela CVM, quantidade mantida nessa patamar nos anos posteriores.

Viviane atribui a maior demora no tempo entre a decisão da CVM e o julgamento no Conselho à defasagem na estrutura. “Todo processo tem que passar pela procuradoria, e há apenas três procuradores da Fazenda no órgão”, exemplifica. A preocupação com a vazão dos processos, segundo ela, levou o conselhinho a abolir a figura do “revisor” nos julgamentos, responsável por analisar o processo logo depois do relator. Hoje, ao ouvirem o voto do relator, os demais sete membros tomam sua decisão ou pedem vista em caso de dúvidas.

CVM
Gráfico - Alessandro - 6 - CVM

Solução possível, na opinião da especialista, seria a criação de câmaras especializadas dentro do órgão. “Será que é conveniente manter juntos recursos envolvendo BC e CVM?”, questiona. Ela também propõe que os membros do conselho sejam remunerados e tenham dedicação exclusiva, ou ao menos seu presidente tivesse tais características. “O argumento contrário é que o profissional que trabalha no dia-a-dia tem mais conhecimento, mas isso leva à menor celeridade.”

O grupo de trabalho também constatou a pouca relevância da jurisprudência do órgão nas decisões. A maior parte das fundamentações se baseia em fatos (69%), normas (60%) e provas (46%). Apenas 9% se refere a precedentes, e 8% em princípios. “Isso dá margem a análises subjetivas dos fatos. Previsibilidade é o mínimo que se espera de um órgão que julga punições”, critica a professora. Em sua opinião, o curto mandato de dois anos, aliado à dificuldade de acesso aos acórdãos, podem ser fatores que prejudicam o prestígio à jurisprudência.

Catalogadas em oito tipos, as punições aos agentes em casos de irregularidades foram maiores em relação a intermediações e distribuição de valores mobiliários, o que é feito por corretoras e bancos de investimento. Pelo menos 28% das sanções foram aplicadas a intermediários, o que se justifica, segundo Viviane, pelo fato de não ser possível operar no mercado sem esse auxílio.

Insider tradings respondem por apenas 4% das irregularidades. “O fortalecimento da fiscalização da CVM e da bolsa nesse aspecto aconteceu nos últimos anos, e os recursos ainda estão chegando ao Conselho”, afirma. “Julgamentos sobre irregularidades envolvendo fundos, por exemplo, devem aumentar, porque eles cresceram recentemente”. Os fundos de investimentos respondem por 12% das punições.

Irregularidades relacionadas à administração das companhias e na prestação de informações pelos emissores de títulos respondem, cada uma, por 17% dos casos. As auditorias estão ligadas a 12%. Manipulação de preços e criação artificial de demandas motivaram 11% das acusações e abusos no exercício de poder de controle, 10%.

O estudo também mostrou que o Conselho dificilmente reforma decisões de primeira instância. São mantidas 78% delas, segundo os acórdãos analisados. Avaliada ano a ano, a quantidade de reformas caiu em 2009. Foram apenas 9% de reversões.

Das 46 decisões que modificaram posicionamento da CVM, só 12 agravaram a punição dada originalmente. Arquivamentos foram convertidos em advertências, multas ou inabilitações temporárias. A pior punição é a desabilitação para operar. Já a redução de multas ou a decisão pela sua não aplicação apareceram 14 vezes. “No caso de insiders, por exemplo, a tendência é de que, se recorrerem, a situação não vai piorar”, avalia a coordenadora do estudo.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!