Mau negócio

Mercado de precatório é péssimo para vendedor

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14 de junho de 2011, 4h06

A sabedoria popular, daquele tipo que avô conta para neto, diz que quando um negócio é muito bom, só o pode ser para uma das partes. No mercado dos precatórios — cada vez mais aquecido — é assim: excelente para quem compra; péssimo, ruinoso mesmo, para quem vende. Tristemente, a vida costuma funcionar dessa forma: o capital atrai o capital, a miséria atrai a miséria. Noutras palavras: é muito mais fácil que tem grana ficar com mais, do que não tem ter alguma um dia.

E quais seriam as razões que torna o negócio de compra de precatórios tão atraente para os investidores (os detentores do capital), e tão ruim para o fraco credor alimentar (o servidor público, o aposentado, a pensionista, o acidentado).

Tudo muito simples: são oferecidos valores risíveis pelos créditos (de 20% a 30% do valor integral), com a expectativa de realizá-los, seja pela via direta, herdando privilégios de recebimento do credor original (prioridade para idosos, por exemplo), seja por uma pirueta que se arquiteta (a possibilidade de usá-los pelo valor integral um dia para pagar impostos). Paga-se, hoje, uma quimera para, num espaço de poucos anos, triplicar o capital investido.

Depois da mudança da Constituição, o Tribunal de Justiça de São Paulo já tem disponível para quitar precatórios alimentares mais de R$ 1,5 bilhão. Até o final do ano deve estar disponibilizado o dobro disso, ou seja: mais de R$ 3 bilhões. E mantida a progressão, até o final do Governo Alckmin, por exemplo, cerca de 8 bilhões de reais terão sido canalizados para o pagamento de precatórios alimentares. O momento é significativo. Os compradores sabem disso – têm essa informação  e o credor, descrente do sistema, do Judiciário, das instituições, não vê mais luz no fim do túnel. Junção infeliz: força do capital (financeiro e de conhecimento) de um lado, fraqueza (financeira, psicológica e de saber) de outro.

O credor de precatórios nunca esteve tão próximo de ter chance de recebimento como nos tempos atuais. É por isso que o mercado se aqueceu. É por isso que você — credor — está sendo procurado, acessado, perturbado no aconchego de seu lar. Mas não se engane. Não se deixe enganar. Resista, porque uma resistência de um ano, de dois anos, pode significar o recebimento de seu crédito (muitas vezes de forma integral) ou, dentro da “lógica do mercado”, a sua enorme valorização. Se hoje pagam 20%, amanhã, diante do quadro, vão ter de oferecer 50%.

Mas há um ganho adicional, se você resistir. Algo que o ultrapassa.

O mercado é como água. Tende a ocupar todos os espaços vagos. Onde não há limites, barreiras, penetra impiedosamente. Veja que bizarro: você tem reconhecido um crédito pelo Judiciário (leia-se assim: o próprio Estado reconhece um direito seu), mas ele não é pago. A embromação dura anos, e aí o mercado começa a agir. Suas águas — agora da cor do esgoto — penetram no vazio deixado pelo Estado. Onde ele deveria estar e atuar, impedindo a predação, já não está. Agora o mercado ocupa espaço a ele consagrado oferecendo paternalmente a você a resolução dos seus problemas: promete livrá-lo do tormento, da angústia da demora, só que a um preço, e alto. Ele, na verdade, só troca tristezas, nos caso as suas, a saber: a da desesperança, pela do mau negócio.

Aí que entra outra função da sua resistência. Ela propicia claramente a melhora do sistema. Por meio dela, junto com a dos demais credores, favorece-se a oportunidade de o Estado re-ocupar suas funções. É dele — só dele — que deve provir a solução da inadimplência dos precatórios, porque foi ele — só ele — quem criou o problema. E essa recuperação está em marcha, desenhando-se um cenário muito melhor. Portanto, permitir, a esta altura, que certos grupos lucrem em cima de tal cenário é incidir num erro duplo: erro pessoal, porque o negócio é mesmo péssimo (e se você optar pela venda, logo terá o dissabor de constatar a ruína da operação que fez); erro coletivo, porque, ao contrário dos compradores de precatórios, gente guiada, como zumbis, pela compulsão financeira, dos quais pouco ou nada se pode esperar em termos de responsabilidade social, a sua resistência pode curiosamente recuperar a ordem natural das coisas: decisão judicial não se vende na bacia das almas, cumpre-se.

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