Caminho percorrido

Regulação nuclear atual pode ser aperfeiçoada

Autor

  • Eliana Amaral

    foi diretora do Instituto de Radioproteção e Dosimetria Comissão Nacional de Energia Nuclear1994-2003 e diretora da Division of Radiation Transport and Waste Safety International Atomic Energy Agency 2005 – 2010.

13 de junho de 2011, 18h27

O objetivo deste documento é apresentar algumas considerações e referências que ajudem na avaliação e melhoria do modelo do sistema regulatório nuclear brasileiro, para o fortalecimento sustentável da segurança nuclear e da radioproteção no País.

Ao longo das últimas mais de duas décadas, após o acidente nuclear de Chernobyl e o radiológico de Goiânia, esforços têm sido envidados por Governos, Indústrias e Organizações Internacionais para o fortalecimento e manutenção da segurança nuclear e da radioproteção, nos diferentes usos pacíficos da energia nuclear e do material radioativo. Dentro deste contexto, é fundamental que cada País implante, em nível nacional, infraestruturas de segurança.

Embora a principal responsabilidade com segurança esteja com o operador das instalações, a existência de uma estrutura regulatória é um elemento vital no fortalecimento e manutenção da segurança nuclear e da radioproteção. Existem vários modelos de organização de uma estrutura regulatória que dependem, entre outros, do tipo de governança do país e de sua disponibilidade de recursos, particularmente humanos e financeiros.

A International Atomic Energy Agency, IAEA, tem realizado Conferências promovendo a troca de experiências no estabelecimento de estruturas de um Sistema Regulatório Nuclear, assim como desenvolvido normas internacionais com os requisitos fundamentais a serem adotados pelos países (http://www-ns.iaea.org ).

Requisitos essenciais de um sistema regulatório
A atitude autoritária de autoridades regulatórias de exigência, apenas, de obediência por parte dos operadores, tornou-se obsoleta e ineficaz na busca da segurança nuclear e da radioproteção. É necessário liderança e credibilidade. O processo de liderança, pelo qual uma autoridade regulatória influencia e estimula operadores a atingirem o objetivo de segurança e a estarem em conformidade com princípios e regulamentos de segurança, exige atributos de conhecimento, capacitação, caráter, ética e valores.

O sistema regulatório tem de ser efetivo para ter credibilidade, de forma a assegurar:

  • aos governos, que a energia nuclear e as tecnologias associadas podem ser utilizadas de forma segura;
  • às indústrias e instalações médicas, que serão reguladas adequadamente com o objetivo de segurança e não apenas que lhes será exigida obediência; e
  • à sociedade, a confiança, a credibilidade e a transparência, além do benefício proveniente da tecnologia.

Porém, para ser efetivo, o sistema tem que ser, também, independente, isto é, dispor de todos os elementos e recursos necessários para executar de “facto” e de “jure” as suas funções. Precisa, então, de dispor de:

  • atribuições regulatórias definidas em lei;
  • recursos humanos e financeiros necessários e adequados para exercer as suas funções regulatórias;
  • liberdade de julgamento na tomada de decisões, independente de motivações políticas pro ou anti – nucleares e de influências económicas;
  • uma estrutura técnico-científica para manutenção da competência técnica necessária à evolução das tecnologias e processos: independência não é isolamento.

Estas duas características, efetividade e independência, essenciais para um sistema regulatório crível, se interpretadas de forma correta, são a base do desenvolvimento conceitual e do planejamento de um sistema regulatório (IAEA,2010).

Alguns paradigmas
Como se observou, um sistema regulatório é mais amplo do que o estabelecimento, apenas, de uma Autoridade com funções regulatórias. Há que dispor de um corpo técnico – científico que emita avaliações e pareceres técnicos e proponha soluções.

Existem vários modelos de montagem deste sistema envolvendo uma autoridade regulatória e o setor de desenvolvimento e suporte técnico- científico:

  • autoridade regulatória com funções apenas regulatórias e isolada de setores técnico-científicos;
  • autoridade regulatória com funções regulatórias e, também, com setores de desenvolvimento técnico-científico dentro de sua estrutura;
  • autoridade regulatória com funções meramente regulatórias, mas associada a instituições técnico-científicas, embora estruturalmente separadas, mas co- relacionadas e cujas funções, dentro do sistema regulatório, sejam, claramente, estabelecidas pelo Estado;
  • autoridade regulatória com funções apenas regulatórias e tercerizando a parte técnico-científica a instituições no país, não definidas dentro do sistema ou, até, a insituições no exterior.

O primeiro modelo leva à burocratização e à obsolescência da Autoridade Regulatória. Mantém-se em vários países com escassez de recursos, particularmente, humanos.

O segundo e terceiro, são, atualmente, os mais utilizados nos países desenvolvidos e ambos se têm mostrado efetivos. A escolha de um ou de outro modelo depende da dimensão do programa, da diversidade de áreas sob supervisão da Autoridade Regulatória, de como foi implementado o Sistema Regulatório, da disponibilidade de instituições técnico-científicas no país, entre outros.

O segundo modelo facilita uma integração entre os dois grupos (regulatório e técnico-científico), com vantagens sobre o controle das atividades de desenvolvimento e pesquisa, mas limitando o grau de independência de propostas técnicas, até perante o meio externo, além de não estimular a criatividade para outras áreas de desenvolvimento e pesquisa afins. Evidentemente que o terceiro modelo facilita um desenvolvimento técnico-científico mais amplo, embora relacionado, e independente da autoridade regulatória, o que é muito construtivo. Contudo, neste modelo, a instituição pode, também, oferecer suporte técnico e serviços especializados a outras autoridades regulatórias, como da área da saúde, meio ambiente, agricultura e, até, aos operadores e profissionais de cada uma das áreas. Este fato é deveras proveitoso para o país e para a instituição técnico – científica, porém o Estado deverá estabelecer as prioridades de suporte a cada tipo de Organização e terão de ser evitados os possíveis conflitos de ética decorrentes.

No segundo modelo tem-se, por exemplo, o sistema dos Estados Unidos (US Nuclear Regulatory Commission, NRC, http://www.nrc.gov ) e no terceiro modelo tem-se o da França (Autorité de Sureté Nucleaire, ASN, http://www.asn.fr e o Institut de Radioprotection et Sureté Nucleaire,IRSN, http://irsn.fr ).

O quarto modelo, embora já sendo adotado, talvez venha a ter maior utilização no futuro, principalmente nos países que não dispõem de instituições técnico–científicas para atender aos interesses do sistema regulatório. Este modelo, contudo, pode e deve ser utilizado mesmo quando o país já adota os modelos 2 ou 3. A diversidade de áreas de conhecimento envolvidas, por vezes, não faz parte do escopo das instituições que são parte do sistema regulatório do país. A Diretiva Europeia de segurança nuclear incentiva a utilização de reguladores sênior de outros países e de instituições técnico–científicas fora do sistema do país, possibilitando dispor de um maior número de informações e soluções técnicas necessárias para uma adequada tomada de decisão pela Autoridade Regulatória.

No entanto, a “terceirização” das avaliações técnico-científicas, a que se propõe o modelo 4, requer o estabelecimento prévio de requisitos que estabeleçam a base para acordos com essas insituições, ou sua certificação para que a credibilidade seja assegurada, em termos de competência e de inexistência de qualquer conflito de ética. Este assunto está sendo tratado pela IAEA, através de discussões amplas e do desenvolvimento de um guia.

O papel fundamental das Instituições Técnico–Científicas de suporte à Autoridade Regulatória denominadas, usualmente, de Technical Support/Safety Organization (TSO), tem sido objeto de grandes discussões internacionais organizadas pela IAEA(2007, 2010) e, no anexo, apresentam-se as conclusões da Conferência realizada em Tóquio em outubro de 2010. Existe já a rede Europeia de TSO, denominada ETSON, oferecendo serviços especializados e suporte técnico (http://www.grs.de ), da qual a do Japão faz parte. A intenção é a de criação de uma rede internacional, obedecendo aos critérios de credibilidade exigidos. É importante enfatizar que a Autoridade Regulatória tem de ter independência de julgamento e é sua a decisão final, quaisquer que sejam as propostas técnicas ou pareceres apresentados.

A experiência mostra que o estabelecimento da estrutura de um Sistema Regulatório Nuclear crível e efetivo pode ter como base diversos modelos ou paradigmas e cada país é soberano na sua escolha. Contudo, a independência e a efetividade do Sistema estão ligados ao estabelecimento claro e adequado de responsabilidades, autoridade e de independência de julgamento, recursos humanos e recursos financeiros. Desta forma, é fundamental:

  • Estabelecer políticas e um Sistema Regulatório Nuclear, com autoridade de julgamento e capaz de impor penalidade desde a aprovação ao encerramento de atividades, práticas e instalações;
  • Definir a composição desse Sistema, com o estabelecimento claro das responsabilidades de cada instituição, regulatórias, de suporte tecnico-científico e de treinamento;
  • Dispor dos Recursos Humanos com conhecimento, competência, ética e valores para assegurar que exercerão as funções definidas com credibilidade, efetividade e independência;
  • Dispor dos Recursos financeiros adequados aos programas a serem desenvolvidos para assegurar a independência e a efetividade do Sistema.

Recomendação
O Brasil dispõe da Comissão Nacional de Energia Nuclear, CNEN, onde uma estrutura regulatória e institutos de pesquisa e desenvolvimento há anos compõem, embora não definido como tal, um Sistema Regulatório Nuclear e de Radioproteção (http://www.cnen.gov.br ). Os diversos institutos de pesquisa e desenvolvimento da CNEN têm missões claras (http://www.ipen.br , http://www.cdtn.br, http://www.ird.gov.br , http://www.ien.gov.br; http://www.crcn.gov.br ) e, em grau diferente, sempre dedicaram parte de suas atividades dando suporte técnico às atividades regulatórias. Contudo, não houve, pela CNEN, clareza no estabelecimento do grau e prioridade destas responsabilidades, nem oficialização pelo Estado. Apenas o Instituto de Radioproteção e Dosimetria teve alguma clareza na definição de responsabilidades (ABDN, 1980), uma vez que, desde a sua criação até 2008 (quando foi transferido para a Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento), dedicou cerca de 70% de suas atividades ao suporte às atividades regulatórias. Todo o investimento feito nestas instituições, desde a década de setenta, experiência e conhecimento acumulados não devem ser desperdiçados.

Na tentativa de contribuir, sugiro que, com base no que foi apresentado anteriormente e que se vem discutindo em nível internacional:

  • se discuta o que pode ser melhorado no Brasil, mas tendo por base o corpo de institutos e de estrutura regulatória existente na CNEN, e se encontre a melhor solução para o País, se com os institutos de fora ou se dentro da estrutura da Autoridade Regulatória;
  • se estabeleça uma forma de manter os institutos articulados dentro do Sistema Regulatório, mesmo que se decida por ficarem fora da estrutura da Autoridade Regulatória – lembrar que são instituições estratégicas que podem dar suporte técnico a diversas áreas do Governo;
  • se estabeleça, simultanemente, o conjunto de funções que caberá à Autoridade Regulatória e aos Institutos de Suporte técnico-científico, qualquer que seja o modelo adotado;
  • se avalie a situação de recursos humanos e financeiros, que me parece seja o ponto nevrálgico de atingimento da efetividade e independência tão necessárias ao fortalecimento e manutenção da segurança nuclear e radioproteção.

Referências
Associação Brasileira de Direito Nuclear, ABDN, 1980. Legislação Nuclear. Editora Lidador, Rio de Janeiro.

International Atomic Energy Agency, (http://www-ns.iaea.org/standards ), GS-G-1.1 (2002) Organization and Staffing of the Regulatory Body for Nuclear Facilities

————————————————— (http://www-ns.iaea.org/standards ), SF-1 (2006) Fundamental Safety Principles.

—————————————————,(http://www-ns.iaea.org/standards ) GSR Part 1 (2010) Governmental, Legal and Regulatory Framework for Safety.

———————————————————-, (http://www-ns.iaea.org/meetings), International Conference on Effective Nuclear Regulatory Systems, 28 Feb – 2 March, 2006, Moscow, Russia

———————————————————- (http://www-ns.iaea.org/meetings),

International Conference on the Challenges Faced by Technical and Scientific Support Organization in Enhancing Nuclear Safety, 23-27 April, 2007, Aix-en-Provence, France.

———————————————————–(http://www-ns.iaea.org/meetings),

International Conference on Effective Nuclear Regulatory Systems: Further Enhancing the Global Nuclear Safety and Security Regime, 14-18 December, 2009, Cape Town, South Africa.

———————————————————–(http://www-ns.iaea.org/meetings),

International Conference on Challenges Faced by Technical and Scientific Support Organizations (TSO) in Enhancing Nuclear Safety and Security, 25-29 October, 2010, Tokyo, Japan.

Anexo
Conclusões da Conferência realizada em Toquio em outubro de 2010: “International Conference on the Challenges faced by TSOs in Enhancing Nuclear Safety and Security”(http://www-pub.iaea.org/MTCD/Meetings )

The sustainable performance of a national nuclear safety regulatory system requires that three major functions be adequately resourced and organized:

· The regulatory body’s authoritative function, whose roles are mainly to propose nuclear safety policies, to elaborate regulations and to perform licensing operations, inspections, incident management and emergency preparedness.

· Because nuclear safety and security is largely science based, the regulatory body’s authoritative function, in relation to nuclear facilities and other licensed activities involving radioactive substances, needs to have permanent access to a suitable technical and scientific advisory expert function.

· The continuous generation of this expertise capability, able to provide a competent and timely response to regulatory needs, requires in turn a function dedicated to the development and maintenance of an appropriate knowledge base and associated tools (e.g. calculation codes, databases, operating experience technical analysis, laboratories, simulators) and services (e.g. dosimetry, radiation monitoring, laboratory tests, competence certification).

· This development also implies the availability of non-formal education and training services, and a close association with, and whenever possible active participation in, national and international R&D efforts in scientific risk-oriented research, relevant operating experience analysis, professional educational and training courses focusing on optimal and independent risk assessment capability and knowledge management, dissemination and transfer to new generations of experts

Autores

  • Brave

    foi diretora do Instituto de Radioproteção e Dosimetria, Comissão Nacional de Energia Nuclear,1994-2003, e diretora da Division of Radiation, Transport and Waste Safety, International Atomic Energy Agency, 2005 – 2010.

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