cochilo supremo

No caso Battisti, Supremo foi mero endossante

Autor

12 de junho de 2011, 12h00

A jurisprudência (entendimento de tribunais superiores) é mutável. Aliás, como quase tudo na vida. Porém, sê-lo-á com base em pontos de vista lastreados em princípios proeminentes – preferencialmente, de cunho jurídico.

Neste país, o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição – Lei Maior. Ou seja, interpretando-a, objetiva fazê-la cumprir.

Fixadas essas premissas, enfoquemos o chamado “caso Cesare Battisti” – cidadão italiano, aqui detido (até recentemente), que, na Itália, observada a lei italiana (devido processo legal), foi condenado pela prática de quatro homicídios (crime comum). 

Existe tratado de extradição entre aquele país e o Brasil – há muito. Evidentemente, feito para ser cumprido. Aqui escondido, qual se este país fora o paraíso da impunidade, valendo-se da ideologia governamental de plantão e para fugir ao cumprimento de pena decorrente daqueles crimes (em nada políticos), Battisti pediu refúgio à Justiça brasileira – servindo-se do então ministro da Justiça; com o que, evitaria pedido de extradição da Itália. Noutras palavras, ao contrário do simples mortal, deixaria de responder pelos crimes cometidos.

Fê-lo, sob pretexto de perseguição política, porque, à época das infrações, compunha movimento de esquerda armado. Portanto, a se utilizar de atos violentos tendentes à consecução de seus fins. Julgado na Itália, por mais dum tribunal, foi condenado (segundo legislação específica, fruto da soberania daquele Estado). No Brasil, junto de “amigos”, deu-se conta do faz de conta local – buscando, a mais não poder, na inconsequência dos atos passados, anistia irrestrita.

E, pasmem, conseguiu. O homem do povo diria: deu a lógica, é o Brasil! Apesar de três votos heróicos, de ministros afinados à jurisprudência do STF e àquilo que a lei prevê, o tribunal lhe deu o salvo-conduto desejado, perdendo grande oportunidade de firmar da soberania do Judiciário, nas coisas do bom Direito, em detrimento da prevalência do poder de o Executivo ditar regras exclusivamente políticas, fruto da só conveniência ideológica, em absoluto descrédito do bom senso – para que pouco se diga.

No particular, o voto do ministro Cezar Peluso diz muito – quase tudo! O Poder Judiciário, representado pelo STF, indiscutivelmente, saiu diminuído no episódio. Abriu mão do que lhe competia para estabelecer do perigosíssimo precedente de se franquear ao Poder Executivo prerrogativa que, de direito, não tem. Na verdade, o tribunal submeteu-se ao presidencialismo imperial, coonestando-lhe vontade ilegal – e não discricionária.

Sintetizemos a questão, sob ótica jurídica. Pedido de refúgio há, necessariamente, de se submeter a requisitos da Lei específica – 9.474/1997. E decisão que lho conceda traduz ato vinculado; ou seja, que tenha base na Lei – afastada da apontada discricionariedade plena.

Por outro lado, ao Judiciário se dá o controle jurisdicional da legalidade do ato. No caso, do aspecto jurídico-constitucional da questão – de competência exclusiva do STF, que, pelo julgamento majoritário, abriu mão de sua soberania institucional em favor de conveniências meramente políticas.

De fato, no particular, a impunidade foi institucionalizada, com o advento da usurpação de competência constitucional do tribunal por ato ilegal do ex-presidente da República. E, como sabido, ato que se não ajuste à previsão da lei específica (vide seu artigo 1º, inciso I) jamais se poderá contrapor à extradição objeto de pedido escudado em Tratado de Extradição.

Estava-se, pois, sim, em sede de pressupostos de legalidade da medida, a cargo exclusivo do STF, e não daquilo que mais convinha ao detentor provisório do Poder Executivo. Nesse contexto, cabia àquele fazer valer o Direito – como de se esperar. Não nos parece lho tenha feito.

O exemplo há de vir de cima. O caso retrata não só questão de ponto de vista, mas de inequívoco impositivo legal/constitucional. Assim, mais que natural a indignação italiana, frente ao despedaçamento dum tratado feito para valer – porque entre países presuntivamente sérios.

E como pode ser sério um país em que o Poder Judiciário sirva de mero endossante da vontade do Executivo? De fato, que garantias nele se podem ter? Muito mal o exemplo, a ponto de passar a idéia – e a quase certeza – de que aqui pululam os maus rebentos doutras plagas.

Efetivamente, a criminoso comum não se pode atribuir o privilégio da isenção de pena – mediante chancela de refúgio haurido à distância do cumprimento da lei (inexistentes hipóteses exceptuadoras do artigo 6º do referido Tratado de Extradição).

Que perseguição poderá existir no só cumprimento da lei italiana, conformadora do devido processo legal e a preservar, em sua inteireza, dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa? Destarte, as ditas “razões políticas” nada mais fizeram que acobertar a real intenção do favorecimento amigo do “companheiro” – relativamente ao ato administrativo que lhe serviu de substrato. 

Em suma, decidindo como o fez, o STF optou por abrir mão do papel constitucional de juiz da extradição, passando a servir de simples chancelador das vontades do Presidente da República. 

Não nos esqueçamos que, acima das pressões políticas, o magistrado está afeto à do imperativo da função, adstrito, sempre, à bússola da Constituição e da lei, sem a qual perde razão de sobreviver.

Por fim, como cidadão brasileiro e fautor do vero Direito, faço estas considerações vinculado aos princípios da livre manifestação do pensamento e da atividade intelectual e de comunicação – na dicção do artigo 5º, incisos IV e IX, da Constituição Federal. 

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!