Ritmo lento

Sete magistrados têm acervo de até 5,5 mil recursos

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10 de junho de 2011, 12h01

O Tribunal de Justiça de São Paulo tem sete desembargadores que estão com o acervo sem controle e terão dificuldades para cumprir a Resolução 542/2011. Os integrantes do Órgão Especial chegaram a discutir a situação desses colegas em sessão sigilosa e, no caso de um deles, que pretendia fazer parte de uma câmara reservada, não permitiram sua condução com uma pergunta: "Se o colega não dá conta do acervo de seu colegiado como quer integrar mais uma câmara?".

A colunista Mônica Bergamo noticiou nesta sexta-feira (10/6) na Folha de S. Paulo que quatro desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo "estão na berlinda". De acordo com a jornalista, o Órgão Especial da corte decidiu que os magistrados têm que dar explicações para o excesso de processos acumulados em seus gabinetes e para a sua baixa produtividade. Se a defesa prévia não convencer, eles podem ser colocados em disponibilidade, sendo afastados da função.

Dois desembargadores, de acordo com dados divulgados no final de maio, estão de posse de mais de cinco mil recursos, entre eles, grande quantidade de processos anteriores a 2006, alvo da Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça. Os outros quatro têm em seus gabinetes, no cartório e no acervo do Ipiranga entre 4 mil e 4,9 mil processos. Mais há um número expressivo de desembargadores (18) que têm mais de mil recursos a espera de julgamento.

O presidente do Tribunal de Justiça, José Roberto Bedran, demonstrou que vai ser rigoroso com o cumprimento da Resolução e tem prestigiado a comissão que elaborou o documento e monitora a produtividade dos desembargadores e dos juízes convocados para a segunda instância. O presidente distribuiu três ofícios aos desembargadores com acervos "acima do razoável" e, em um deles, pediu explicação sobre os motivos do elevado número de recursos sem decisão, por tanto tempo depois da chegada ao tribunal.

Os desembargadores em atraso ganharam prazo de 120 dias para resolver a situação. A produtividade está sendo monitorada. Quem não cumprir a meta corre risco de ter aberto contra si aberto processo disciplinar administrativo e sofrer sanções, como ser colocado em disponibilidade. 

A Resolução 542/2011 foi baixada com o objetivo de dar celeridade à prestação da Justiça no estado mais rico do país, controlar a produtividade dos desembargadores e extinguir o acervo de processos que entraram no Judiciário de São Paulo antes de 2006. Houve resistência. Um desembargador se aposentou antes de completar seu tempo de carreira e distribuiu uma carta aberta aos colegas criticando a Resolução e defendendo seu ponto de vista. Outros dois tomaram o caminho da aposentadoria, mas sem estardalhaço. 

O desembargador que não aceitou cumprir os termos da Resolução 542/2011 disse que, em toda a sua carreira, nunca foi alvo de uma representação sequer e agora estava sob o risco de ser objeto de uma investigação administrativa, por força da decisão. 

"Sombrios tempos vive nossa Corte, que, com muito orgulho, até agora integrei, pois, sob os influxos inquisitoriais e midiáticos vindos de Brasília, pretende dar valor, apenas, ao ‘juiz moderno’, desprezando aqueles que não mostram condições de se adaptarem aos novos valores reinantes", afirmou o desembargador na carta entregue aos colegas.

"Distribuir Justiça às partes, analisando criteriosamente cada caso, doravante assume papel secundário, pois o valor maior, agora, é produzir a qualquer custo e de qualquer forma", completou. De acordo com dados do site do CNJ, o desembargador paulista pediu aposentadoria deixando um acervo de 3.873 recurso.

Em suas andanças pelo país, o presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, tem destacado que não se pode submeter a sociedade à grande injustiça de não ver seus litígios terminados. A população, disse Peluso, anseia por uma Justiça mais eficaz, que resolva conflitos com a rapidez que o momento exige.

"A aspiração por um resultado rápido é ingrediente de segurança jurídica e sem a qual o Direito não tem ética", afirmou no início de abril o presidente do STF numa palestra feita para advogados em São Paulo.

Há um mês, a direção do Tribunal paulista encaminhou ofícios aos desembargadores dando início à execução do que determina a Resolução 542/2011. No primeiro ofício, a presidência da corte paulista informou o número de processos anteriores a 2006 que estão ainda no acervo de desembargadores e juízes substitutos em segundo grau, em débito com a prestação jurisdicional. Em outro, pediu que os desembargadores justifiquem os motivos do atraso.

No terceiro, determinou a redistribuição de um volume calculado em mais de 47 mil recursos da Meta 2 do CNJ que aguardam decisão. O presidente do Tribunal de Justiça, desembargador José Roberto Bedran, e o corregedor-geral da Justiça, desembargador Maurício Vidigal, acompanham o cumprimento das determinações da Resolução. O primeiro terá atribuição em relação aos desembargadores e o segundo em relação aos juízes substitutos em segundo grau. Em quatro meses, os cartórios encaminharão ao presidente e ao corregedor-geral informações sobre os processos que foram encaminhados à mesa de julgamento.

Muitos desembargadores se anteciparam às medidas e trouxeram para seus gabinetes os recursos que aguardavam decisão no chamado Acervo do Ipiranga, um velho prédio onde se acumulam processos já distribuídos aos relatores. Tem gente trabalhando como nunca para dar conta no prazo de 120 dias dos processos que ficaram anos encalhados. Como diz um desembargador, a Resolução 542 teve o poder de tirar da inércia uma parte dos integrantes da maior corte de Justiça do país. "Não há mais lugar para braço curto", numa referência àqueles que são lentos na produção.

A Resolução
Baixada no final de março, a Resolução 542 tem como regra atingir a chamada Meta 2 do CNJ, que prevê que sejam julgados todos os processos que deram entrada até 31 de dezembro de 2006. Mas vai um pouco além ao fixar metas de produtividade para todos os desembargadores e possibilitar a aplicação de sanções administrativas para os que não as cumprirem. 

A norma determina nova distribuição dos processos que estão na corte até 2006. A redistribuição atinge os desembargadores com atraso no acervo e manda para os gabinetes dos magistrados que estão com os recursos em dia para que façam os julgamentos dos litígios parados por tanto tempo. 

De acordo com o ato, os julgadores que receberão os acervos não serão prejudicados por terem sido mais rápidos. Para compensar, terão suspensa a distribuição. Os retardatários, ao se livrarem dos processos antigos, receberão três novos para cada um que mandarem aos seus colegas. Essa regra foi uma estratégia importante para arrefecer o ímpeto de quem não se conformava em trabalhar para os "outros". Nos primeiros dias da resolução, havia até ameaças de representação ao CNJ.

Além disso, os processos antigos em mãos dos retardatários deverão ser julgados em 120 dias, sob pena de apuração de responsabilidade disciplinar. Da mesma forma, serão responsabilizados os que tiverem produtividade igual ou inferior a 70% da média da Seção onde atua. 

Há ainda outro detalhe: os que são professores terão reexaminadas as autorizações para docência. Em outras palavras: serão lembrados de que a magistratura é a atividade principal.

Para a maioria dos desembargadores paulistas, a Resolução 542, por si só, não será a solução para todos os problemas da morosidade da Justiça. Porém, ela tem a grande virtude de colocar um basta na tradição de tolerância que sempre existiu em relação aos atrasos nos tribunais. "Alguma coisa tinha que ser feita. Não era mais possível continuar na mesma situação, pois o jurisdicionado está na outra ponta aguardando a solução de seu litígio", afirmou o desembargador Artur Marques.

"Os tempos mudaram, o tribunal mudou e o jurisdicionado também", destacou Arthur Marques, que integrou a comissão responsável pela redação da Resolução 542. "O juiz deve estar preparado para as mudanças do mundo da tecnologia e da Justiça", argumentou o desembargador José Reynaldo, integrante do Órgão Especial e da 12ª Câmara de Direito Privado.

Levantamento disponível na página do CNJ aponta que o acervo geral na segunda instância do Judiciário paulista é de 626.687 recursos. Há desembargadores com o número de processos em dia, julgando recursos já na distribuição, enquanto outros julgadores têm acervo fora de controle. O levantamento aponta 56 desembargadores com mais de três mil recursos aguardando julgamento. Desses, de acordo com dados de maio, sete contam com acervo entre quatro mil e mais de cinco mil processos.

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