Limite da autonomia

Leia voto da relatora no processo contra De Sanctis

Autor

9 de junho de 2011, 10h14

O Conselho Nacional de Justiça decidiu nesta terça-feira (7/6) arquivar os processos em que o desembargador Fausto Martin De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, era acusado de descumprir ordens do Supremo Tribunal Federal enquanto titular da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. A decisão, unânime, foi de que De Sanctis de fato desobedeceu às determinações do STF, o que poderia lhe render a pena de censura, mas que não pode mais ser aplicada por ter sido promovido à segunda instância.

Em seu voto, a relatora do caso, conselheira Morgana Richa, diz que todo juiz tem independência para decidir por si só, mas essa autonomia "tem limites", para que decisões autoritárias não passem impunemente. Justamente por isso é que De Sanctis não poderia ter ignorado as ordens do STF, dadas pelo então presidente, ministro Gilmar Mendes. Afirmou, então, que a conduta de De Sanctis foi inadequada, mas que a instauração de um processo administrativo disciplinar (PAD) "não se mostra adequado".

Para a conselheira, a pena que caberia a De Sanctis seria a de censura (impedimento de ser promovido durante um ano após a sentença), mas a medida só pode ser aplicada a juízes de primeira instância, segundo a Lei Orgânica de Magistratura Nacional (Loman). A pena mínima para desembargadores é de suspensão, considerada muito grave para uma questão administrativa, de acordo com a relatora do caso.

Morgana argumentou, ainda, que a instauração de um PAD só pode ser feita de acordo com "critérios que respeitem adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público". Para ela, não foi o caso.

As acusações
Fausto De Sanctis foi processado administrativamente por duas acusações. A primeira foi se negar a prestar informações ao ministro aposentado Eros Grau, então relator do pedido de Habeas Corpus de Daniel Dantas. O ministro pedia informações sobre o decreto de prisão preventiva, mas o juiz De Sanctis respondeu dizendo que não poderia repassar as informações, visto que estavam sob sigilo judicial.

Para Eros Grau, as justificativas do juiz foram “evasivas e expressaram a recusa do juiz federal” de cumprir com as ordens do STF. Para o ministro Cezar Peluso, hoje presidente do STF, ao recusar-se a cumprir com as determinações do Supremo, De Sanctis se autoproclamou “suposto dono do controle da legalidade”.

A segunda acusação foi de ter ignorado ordem do ministro Gilmar Mendes, que concedeu o Habeas Corpus — quando o pedido foi feito, o STF estava em recesso e Mendes estava de plantão — para deixar Daniel Dantas em liberdade. De Sanctis alegou que “surgiram novos fatos”, “de acordo com matérias de jornal”, e mandou que o banqueiro fosse preso novamente.

Mendes, então, entendeu que ele havia desrespeitado ordens expressas do Supremo Tribunal Federal. A relatora do caso no CNJ concordou com as alegações do STF, mas disse não caber punições administrativas a Fausto De Sanctis.

Castelos de areia
O agora desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Fausto Martin De Sanctis ficou famoso por ter capitaneado investigações contra banqueiros e investidores por crimes financeiros (os chamados crimes de colarinho branco) quando era juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, especializada em lavagem de dinheiro. Entretanto, quase tão famosas quanto ele, têm sido as decisões do Superior Tribunal de Justiça em relação aos métodos usados para conseguir provas que incriminem os investigados em alguns dos mais clamorosos casos que sentenciou.

Na Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas preventivamente por duas vezes, De Sanctis aprovou os métodos ilegais usados pelo delegado afastado da Polícia Federal Protógenes Queiroz, hoje deputado federal pelo PCdoB, para encontrar evidências contra o banqueiro. A principal delas foi convocar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar as conversas telefônicas do banqueiro, sem qualquer embasamento legal para isso. Nesta terça-feira (7/6), o STJ anulou a condenação e as provas obtidas na operação Satiagraha.

Outra operação famosa, de nome emblemático, é a Castelo de Areia, que se baseou em denúncias anônimas para quebrar o sigilo telefônico de três executivos da empreiteira Camargo Corrêa. O STJ também decidiu que ela foi ilegal, pois denúncias anônimas não podem servir como prova para que conversas telefônicas sejam grampeadas, derrubando, portanto, todas as provas obtidas pela investigação.

Antes, houve o caso do fundo de investimentos MSI, acusado de ter usado o Corinthians para lavar dinheiro no país. A investigação acusava os donos do fundo, Boris Berezovsky, Kim Joorabichian e Nojan Bedroun de formação de quadrilha, além de alegar que o primeiro investidor é dono de US$ 32 milhões investidos no time de futebol. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (do qual De Sanctis agora é desembargador) julgou que De Sanctis não teria o distanciamento objetivo necessário para julgar o caso — o que poderia inviabilizar a investigação futuramente.

Clique aqui para ler o voto de Morgana Richa, do CNJ.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!