Árvore envenenada

"STJ acertou ao derrubar Operação Satiagraha"

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8 de junho de 2011, 18h16

“Além da falta de previsão legal, a participação da Abin nas investigações da Satiagraha aconteceu de forma clandestina, alheia à lei, o que torna o caso mais grave”. A afirmação é do especialista em Direito Processual Penal, Luciano de Almeida, do Vilardi & Advogados Associados. Ele e outros especialistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico comentaram a decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que derrubou todos os procedimentos da Operação Satiagraha.

Nesta terça-feira (7/6), a 5ª Turma do STJ, com base na garantia dos direitos fundamentais, considerou ilegal a operação comandada pelo delegado Protógenes Queiroz. Como consequência, também foi anulada a condenação do banqueiro Daniel Dantas. Dentre os diversos fundamentos expostos pela Turma, que se manifestou por três votos a dois, o principal é sobre a atuação da Abin no caso. Para o colegiado, a atuação da Abin na Satiagraha violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal.

Luiz Flávio Gomes, doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri, concordou com o posicionamento dos ministros. “Se não há lei que leve a essa investigação, então ninguém pode investigar. A Polícia Federal se valeu de uma investigação ilegal. Isso só acontece quando se está acostumado a aceitar”, avalia.

Os ministros Gilson Dipp e Laurita Vaz votaram contra a anulação. Para ela, "mesmo que se admita que houve a participação de agentes da Abin nos referidos procedimentos investigatórios, tal participação não estaria bem delineada". Na mesma sessão, os ministros observaram que o próprio Protogenes reconheceu que membros da Abin participaram da operação.

Luciano de Almeida explica que, como a informação do delegado foi fornecida fora dos autos, os dois ministros podem, partindo de uma posição mais conservadora, ter desconsiderado o fato. "Mas o julgador não deve buscar a verdade do processo, mas sim a verdade dos fatos”, diz ele. O criminalista Thiago Anastácio vai além: “Claro que a informação não estava nos autos, senão a investigação não teria sido secreta ou clandestina. Essa verdade só vai ser descoberta depois”.

O também criminalista Maurício Zanoide, quando trata do tema, é categórico: “A discussão sobre o assunto está desfocada. O que é importante lembrar é que esse tipo de investigação, que parte do Poder Público, gera insegurança para as pessoas”. Para ele, é preciso também levar em conta o custo desse tipo de prática. “O Estado não pode arriscar tanto e colocar tudo a perder por causa de algo ilegal”, diz.

Laranja podre
“Foi uma anulação mais que acertada. O trabalho dos advogados [Andrei Zenkner Schimidt e Luciano Feldens, que defenderam Dantas] foi bárbaro e significou uma afirmação dos direitos fundamentais”, disse o criminalista Thiago Anastácio sobre a decisão da 5ª Turma. “A participação da Abin na Satiagraha fere todos princípios processuais e constitucionais”, opina. Como lembra o advogado, a agência serve à Presidência da República. Nascida em 1999, com a promulgação da Lei 9.883, a Abin pretende “defender o Estado Democrático de Direito e a Sociedade brasileira, garantir a eficácia do poder público e a soberania nacional”, como diz a descrição em seu site.

“Qual o interesse dela no caso?”, indaga Anastácio. “A participação viola também a tripartição dos poderes. Embora a Polícia Federal esteja sob o comando do Ministério da Justiça, ela é de fato a Polícia do Judiciário.” Para ele, a atuação da agência põe em risco a vida de todos os cidadãos. “Essa é a história de um delegado que pediu para amigos da Abin e da Rede Globo o ajudarem no caso”.

Essa última referência remonta à operação controlada que contou com a presença da Globo. Nela, a Polícia Federal tentava provar a hipótese de suborno levantada durante as investigações. A gravação em vídeo foi encomendada à Globo pelo delegado.

O advogado Luciano de Almeida tenta desmistificar a ideia que se tem sobre as chamadas operações controladas. Segundo ele, existem diversos tipos de ações desse tipo, que englobam desde monitoramentos por meio de escutas telefônicas até procedimentos de busca, passando pelo flagrante. Presente na legislação que trata sobre o crime organizado, esse último só é suportado pela lei em uma hipótese: quando é esperado.

“Pelo que eu li na imprensa, acredito que o flagrante da Satiagraha tenha sido preparado”. Assim, acredita Almeida, estariam presentes na prova obtida desse flagrante elementos que levariam à sua anulação, como o vício da vontade. Nesse ponto, a afirmação de Almeida coincide com a de Anastácio. Os dois, lembrando a famosa Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, contam que a prova obtida por esse meio deve ser inutilizada.

Foi o que aconteceu. Na decisão desta terça, o ministro Jorge Mussi, ao dar o voto que desempatou o caso, declarou que "não é possível que arremedos de provas colhidas de forma impalpável possam levar à condenação. Coitado do país em que seus filhos possam vir a ser condenados com provas colhidas na ilegalidade".

A proibição do uso desse tipo de prova é expressa em lei. De acordo com o artigo 157 do Código de Processo Penal, “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

E os limites
Quando foi criado, o Ministério Público atribuiu a si mesmo a função de zelar pela sociedade. “A inação do órgão é um problema sério”, diz Anastácio, que acredita que a lacuna está sendo preenchida pela Defensoria Pública. “Infelizmente, o MP não está avesso a influência política e não cumpre, muitas vezes, a função de limitador da Polícia Federal. É a confusão do pessoal com o público”.

A Satiagraha agora figura ao lado Castelo de Areia no rol de operações da Polícia Federal que foram anuladas por vício nas provas obtidas. Sobre essa última, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, em 4 de abril, que denúncias anônimas não podem servir de base exclusiva para que a Justiça autorize a quebra de sigilo de dados de qualquer espécie. As provas do processo se originaram a partir da autorização da Justiça que deu senhas para policiais federais acessarem bancos de dados de empresas telefônicas, o que foi considerado irregular.

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