Decisão soberana

Supremo determina a liberdade de Cesare Battisti

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8 de junho de 2011, 21h05

O italiano Cesare Battisti, ex-integrante de grupos de extrema esquerda nos anos de 1970, ficará no Brasil. O Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta-feira (8/6), que é legal o ato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que negou a extradição de Battisti pedida pelo governo da Itália. Por seis votos a três, os ministros decidiram que o governo italiano sequer poderia ter contestado o ato de Lula.

O Supremo também fixou que, depois que a Corte determina a extradição, a decisão de entregar ou não o cidadão que o Estado estrangeiro pede ao Brasil é discricionária. Ou seja, cabe apenas ao presidente da República decidir e o Judiciário não pode rever a decisão. Os ministros também determinaram a expedição imediata de alvará de soltura para que Cesare Battisti seja colocado em liberdade.

O julgamento foi longo — começou à 14h50 e terminou às 21h — e tenso, entremeado de tiradas irônicas e provocações feitas entre os ministros que estavam em campos opostos. O relator do processo, ministro Gilmar Mendes, criticou com veemência o entendimento da maioria de que os fundamentos da decisão do ex-presidente Lula não poderiam ser avaliados: “É elementar que no âmbito do Estado de Direito não há soberanos. Qualquer ato do presidente da República poderá ser apreciado pela Corte”.

Para o ministro Gilmar Mendes, tirar do Supremo a competência de analisar a decisão do Executivo em extradições transforma o tribunal em “um grupo litero-poético-recreativo”, que se reúne em vão. “Qual o papel do Supremo Tribunal Federal nessa questão?”, questionou. “O Supremo entrega para o presidente um título e ele rasga, se quiser. Melhor seria suprimir a competência do Supremo para a extradição. Que se confie a um órgão qualquer do Ministério da Justiça”, disse Gilmar Mendes.

O relator do processo votou para desconstituir o ato do ex-presidente Lula. De acordo com ele, o ato apenas repetiu os argumentos usados pelo ex-ministro da Justiça, Tarso Genro, na concessão de refúgio a Battisti. O ministro afirmou que o STF não poderia, agora, corroborar esse ato porque considerou os fundamentos de Genro insuficientes, em novembro de 2009, quando anulou o refúgio e decidiu pela extradição de Battisti. Votaram com o relator o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, e a ministra Ellen Gracie. Os três ficaram vencidos.

O ministro Luiz Fux, primeiro a votar depois de Mendes, afirmou que a competência do Supremo se encerrou quando o tribunal decidiu conceder a extradição. Sua efetivação é da conveniência do presidente da República na condução das relações internacionais do país. A ministra Cármen Lúcia e os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Marco Aurélio votaram com Fux.

“Cabe destacar que o que está em jogo não é nem o futuro, nem o passado de um homem. O que está em jogo aqui é a soberania nacional, uma soberania enxovalhada”, disse Luiz Fux. “Não consigo receber com candura afirmações como ‘não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas’.”, afirmou o ministro, se referindo a expressões usadas por autoridades italianas em relação ao Brasil.

Ainda de acordo com Fux, “a República Italiana litigou com a República do Brasil. Isso não é competência do Supremo. Seria de competência da Corte de Haia. O STF entregou ao presidente da República o direito de o presidente entregar ou não o extraditando segundo suas próprias razões”. Ou seja, não há espaço para o Supremo se manifestar sobre a decisão do chefe do Poder Executivo nestes casos.

Soberania nacional
No início do julgamento o ministro Marco Aurélio disse que o tribunal teria de julgar, antes de qualquer coisa, a questão preliminar: a República da Itália poderia contestar, no Supremo, um ato do chefe do Poder Executivo brasileiro na condução da política internacional. Também por seis votos a três, os ministros disseram que não e rejeitaram a Reclamação ajuizada pela Itália.

O ministro Marco Aurélio afirmou que é “inconcebível um Estado estrangeiro impugnar um ato do presidente da República nas suas relações internacionais”. Para Marco Aurélio, quem defere ou recusa a extradição é o presidente da República, a quem compete manter relações com estados estrangeiros. “Não vejo como um governo estrangeiro para questionar esse ato”, disse.

Em seguida, os ministros decidiram, ao julgar o pedido de liberdade feito pela defesa de Cesare Battisti, que o ato do presidente Lula respeitou os limites do tratado de extradição assinado entre Brasil e Itália. Em novembro de 2009, por cinco votos a quatro, os ministros do STF decidiram que Battisti não sofrera perseguição política em seu julgamento à revelia na Itália e que, por isso, o refúgio concedido pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro, era ilegal.

O pedido de sua extradição feito pela Itália foi autorizado. No mesmo julgamento, também se decidiu que a decisão final de efetivar ou não a extradição é do chefe do Poder Executivo. Ou seja, o presidente da República pode se negar a extraditar, mas deve observar as previsões do tratado firmado com o país que requereu a extradição.

A discussão sobre a legitimidade da Itália para contestar o ato do presidente foi tensa. O ministro Marco Aurélio afirmou que permitir que um ato do presidente da República seja questionado no Judiciário por um Estado estrangeiro poderia criar uma crise institucional. De acordo com o ministro, ao decidir, o Supremo estaria “substituindo-se ao presidente da República e conduzindo o que cabe apenas ao chefe do Poder Executivo Nacional, que é a condução da política internacional”.

O ministro Joaquim Barbosa fez uma analogia com caso do ex-presidente de Honduras, Manuel Zelaya, que foi acolhido na embaixada brasileira depois de ser deposto do governo, em 2009. “Poderia um país da região se insurgir contra a decisão de acolher aquele chefe de Estado na embaixada? Poderia o STF desconstituir aquela decisão? Claro que não! A situação é parecidíssima”, afirmou.

O clima esquentou quando, depois de os ministros rejeitarem a Reclamação da Itália, o ministro Ricardo Lewandowski interrompeu o relator do caso, Gilmar Mendes, para perguntar o que estaria em julgamento. O ministro Marco Aurélio lembrou que a prisão de Battisti foi determinada pelo Supremo e, por isso, o tribunal deve se manifestar sobre sua liberdade.

O ministro Gilmar Mendes, então, já visivelmente irritado com as intervenções dos ministros, reagiu: “Agora se corta com naturalidade a palavra do relator. Tenho ouvido pacientemente falas às vezes não muito inteligentes”. Seguiu-se uma discussão entre Marco Aurélio e Gilmar Mendes. O presidente da Corte, Cezar Peluso, acalmou os ânimos e devolveu a palavra ao relator, que continua votando no caso.

Mendes afirmou que nunca na história do país um presidente deixou de cumprir a extradição concedida pelo Supremo. "Nem nos regimes militares", completou a ministra Ellen Gracie. "Sempre se cumpriu a extradição", reforçou Gilmar Mendes.

O ministro Joaquim Barbosa, depois, voltou a interromper o relator e disse que a questão estava decidida. Barbosa ressaltou que Battisti está preso há quatro anos e que o tribunal deveria decidir o que fazer com ele. "A discussão da extradição já perdeu o sentido", afirmou. Mendes retomou a palavra: "Vossa Excelência terá de escutar ou se retirar".

Mendes votou por pouco mais de duas horas. Em seguida, depois de um curto intervalo, o julgamento teve andamento. Os ministros, por maioria, definiram que o Supremo não poderia rever o ato do presidente da República, que diz respeito diretamente à sua política de relações internacionais. Com a decisão, Battisti foi solto já nesta quinta-feira (9/6) de madrugada.

Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, publicada nesta quarta, o italiano disse que não considerava a possibilidade de ser extraditado e que pretende viver no país, onde irá retomar o ofício de escritor.

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes.
Clique aqui para ler o voto do ministro Ricardo Lewandowski.

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