Pecado sem penitência

CNJ arquiva processos contra Fausto De Sanctis

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7 de junho de 2011, 14h27

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Fausto De Sanctis - http://www.ajufe.org.br

O Conselho Nacional de Justiça arquivou, nesta terça-feira (7/6), os dois processos nos quais o desembargador Fausto Martin De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, era acusado de descumprir ordens do Supremo Tribunal Federal quando era juiz na 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.

Por unanimidade, os conselheiros entenderam que o juiz, de fato, desobedeceu às ordens do STF. Mas ele não será punido porque a pena de censura, adequada para o caso segundo a decisão do CNJ, não pode ser aplicada a desembargador. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) permite a aplicação de censura ou advertência apenas a juízes de primeira instância. No caso dos desembargadores, a pena mínima é a de suspensão.

O juiz Fausto Martins de Sanctis foi promovido para o cargo de desembargador do TRF-3 no final do ano passado. Se os processos tivessem sido julgados antes disso, ele teria sido punido com pena de censura por se negar a prestar informações pedidas pelo Supremo e por driblar a decisão do então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, de soltar o banqueiro Daniel Dantas, preso em julho de 2008 sob acusação de crimes financeiros.

No julgamento desta terça, os advogados de Dantas, autor dos dois pedidos de revisão disciplinar, sustentaram que a conduta do juiz foi intencionalmente contrária à lei. “Não se faz ideologia ou justiça social a golpes de sentença, menos ainda a golpes de sentença criminal”, afirmou Luciano Feldens. Sobre a tentativa de driblar a decisão de Mendes em julho de 2008, o advogado Sérgio Pitombo disse que o juiz “criou um artifício em detrimento a uma ordem do STF pra decretar uma nova prisão”. Os dois criticaram a nota divulgada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), na segunda-feira (6/6) em defesa do desembargador.

Em defesa de Fausto Martin De Sanctis, ocuparam a tribuna do plenário do CNJ o advogado Pierpaolo Bottini e o presidente da Ajufe, Gabriel Wedy. Bottini ressaltou que o objeto do julgamento não era o comportamento do desembargador, mas sim a decisão do TRF-3. E que ela só deveria ser modificada se fosse ilegal ou contrária à evidência dos autos. Bottini também afirmou que o juiz nunca se negou a prestar informações ao Supremo Tribunal Federal, mas se limitou a responder sobre o que lhe foi questionado.

Bottini sustentou, ainda, que a nova decretação de prisão de Dantas não foi uma tentativa de, por via oblíqua, descumprir a ordem de soltura concedida pelo ministro Gilmar Mendes. O advogado disse que a segunda prisão foi baseada em fatos novos e que esse fato foi reconhecido pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo, em novembro de 2008, no julgamento do mérito do Habeas Corpus concedido ao banqueiro pelo plenário do Supremo.

Wedy afirmou que as acusações não traziam provas de dolo ou fraude cometidas por De Sanctis. E disse que a decisão do TRF-3, que absolveu o juiz na esfera administrativa, analisou minuciosamente os fatos e entendeu que ele agiu dentro da legalidade.

Mas para a relatora do processo no CNJ, conselheiro Morgana Richa, os fatos demonstram que o juiz, à época titular da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, descumpriu intencionalmente as ordens do Supremo. Em diversos pontos do voto, Morgana citou a sessão plenária do STF, na qual nove ministros criticaram veementemente os atos do juiz. 

A conselheira registrou que a independência funcional do juiz “não constitui o direito de decidir a seu bel prazer e não serve de abrigo para a ilegalidade ou o arbítrio”. De acordo com a relatora, houve “inequívoca intenção” do juiz de descumprir as ordens emitidas pelo Supremo Tribunal Federal. Os outros nove conselheiros presentes à sessão acompanharam o voto de Morgana Richa. 

Dono da legalidade

Fausto de Sanctis foi processado administrativamente por duas acusações. A primeira foi se negar a prestar informações pedidas pelo ministro Eros Grau, hoje aposentado, relator de pedido de Habeas Corpus ajuizado pela defesa do banqueiro Daniel Dantas na Corte. Na sessão em que o plenário do Supremo confirmou Habeas Corpus concedido ao banqueiro pelo ministro Gilmar Mendes, em novembro de 2008, Eros Grau afirmou que De Sanctis se negou a prestar informações solicitadas por ele sob alegação de que o processo contra Dantas corria sob o manto do sigilo de justiça. 

De acordo com Grau, as informações encaminhadas pelo juiz foram “evasivas e expressaram a recusa do juiz federal” de cumprir a determinação do tribunal. “Na verdade, o juiz federal não as prestou”, afirmou na ocasião. O ministro criticou a atitude do juiz — de não negar nem confirmar se havia investigação contra Dantas em curso na 6ª Vara. 

Eros Grau explicou, em 2008, que o pedido de informações do Supremo ao juiz De Sanctis demorou quase um mês para ser atendido. Por isso, ele não pôde decidir a causa. Quando chegaram as informações, o tribunal estava em recesso e o ministro Gilmar Mendes de plantão.

No mesmo julgamento de novembro, o ministro Cezar Peluso, que estava ausente nesta terça-feira – a sessão foi presidida pelo ministro Ayres Britto – afirmou: “Reli por três ou quatro vezes o ofício com as informações prestadas pelo juiz ao relator do processo e, em nenhum momento, ele faz referência ao número ou mesmo à existência do inquérito”. E completou: “O juiz diz que não pôde informar a existência de inquérito à Suprema Corte porque estaria quebrando o sigilo da investigação. Como suposto dono do controle da legalidade, ele descumpriu ordem do STF”.

Decreto desenhado

A segunda acusação foi a de atropelar ordem do então presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, que havia concedido Habeas Corpus para determinar a soltura do banqueiro Daniel Dantas, preso por ordem de Fausto De Sanctis no curso de uma investigação por crimes financeiros.

Então presidente do STF, no plantão do recesso judicial, Mendes deu liminar em Habeas Corpus para soltar Daniel Dantas. Depois da primeira liminar, o juiz Fausto Martin De Sanctis, alegando a existência de novos fatos, mandou prendê-lo novamente. Gilmar Mendes entendeu que o juiz desrespeitou a ordem do Supremo.

Os conselheiros do CNJ comungaram do entendimento de Mendes. A conselheira Morgana Richa disse que as provas nos autos demonstram que, antes mesmo de o STF determinar o relaxamento de prisão, o juiz, com auxílio do Ministério Público e da Polícia Federal, já desenhava o segundo decreto de prisão do banqueiro.

O juiz Fausto Martin De Sanctis esteve presente ao julgamento. Para sua defesa, apesar dos fundamentos da decisão do CNJ, na prática, ao arquivar os processos, manteve-se a decisão do TRF-3 que o inocentou da prática de qualquer irregularidade. Por isso, não há qualquer mácula sobre o juiz.

Já para os advogados de Dantas, o julgamento foi uma vitória, já que se reconheceu que o juiz cometeu ilegalidades, e seu simbolismo deve pautar as ações dos demais juízes país afora. “Nenhum outro juiz do Brasil cometerá ilegalidades semelhantes durante um bom tempo”, afirmou Sérgio Pitombo.

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